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Guerra comercial entre EUA e China atinge o agro brasileiro

Brasil deve 'roubar' parte do mercado da soja dos EUA. (Foto: Ivan Bueno/Divulgação)

Em meados de maio, Francisco Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), recebeu um telefonema surpreendente. “Do outro lado da linha, estava um diplomata brasileiro da nossa embaixada na Arábia Saudita que queria me dar uma notícia importante”, lembra Turra.

Com a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, os sauditas passaram a se preocupar com um aumento das exportações de alimentos do Brasil para os chineses e uma eventual redução dos embarques para a Arábia Saudita. Novas conversas, com autoridades sauditas e fabricantes brasileiros, estão sendo realizadas para a habilitação de frigoríficos no Brasil. “Com a população em crescimento, eles não podem se dar ao luxo de pensar em sofrer perdas no abastecimento de alimentos por conta das tensões comerciais entre China e Estados Unidos”, diz Turra.Com tarifas de 25% impostas pelos Estados Unidos sobre US$ 200 bilhões em importações de produtos chineses em maio, seguida de uma retaliação da China, o mapa global das comércio mudou.

A tendência é que, daqui em diante, as relações comerciais sejam mais pautadas por questões de confiança e política entre os países do que apenas por preço e qualidade”.MARCOS JANK

O movimento do governo saudita ilustra bem a nova política de compras internacionais. “A tendência é que, daqui em diante, as relações comerciais sejam mais pautadas por questões de confiança e política entre os países do que apenas por preço e qualidade”, analisa Marcos Jank, CEO da Aliança Agro-Brasil.

Os Estados Unidos, que até pouco tempo rivalizavam com o Brasil no fornecimento de soja para a China, devem perder alguns degraus de sua posição neste ano. O produto, assim como milho, legumes, peixes, fruto do mar e outros itens do agronegócio, entrou na lista de 5 mil artigos chineses que passaram a ter taxação de 25% nos Estados Unidos.

“A tendência é que alguns setores da agricultura e pecuária brasileira aumentem as vendas para a China, mas ainda é cedo para avaliar o impacto para o ano”, diz Ligia Dutra, superintendente de relações internacionais da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que integrou a comitiva do governo brasileiro em visita à China e outros países asiáticos em maio.“Não sabemos se a China e os Estados Unidos vão chegar a um acordo e quais seriam os termos da negociação”, complementa.

Nosso produto ganhou competitividade em relação ao americano, com a guerra tarifária”DANIEL FURLAN

Segundo a Associação Brasileira de Óleos Vegetais (Abiove), o aumento das exportações para a China deve ser sentido a partir do segundo semestre, quando os estoques chineses chegarem ao final. “Mesmo com a peste suína africana, que já dizimou milhares de porcos na China, estimamos que a comercialização de soja deve aumentar porque nosso produto ganhou competitividade em relação ao americano, com a guerra tarifária”, diz Daneil Furlan Amaral, economista-chefe da Abiove.

Em 2018, a China foi o destino de 82% das exportações de soja brasileira, segundo o Rabobank. Este ano, a porcentagem pode subir para 85%. “A prolongação da tensão comercial entre China e Estados Unidos deve manter os chineses com níveis de compra da soja brasileira acima do que vimos em anos anteriores”, diz Victor Ikeda, analista do Rabobank no Brasil.

Na ABPA, o clima também é de otimismo. As vendas de aves para a China aumentaram 7% no acumulado de janeiro a abril, atingindo 39,1 mil toneladas, em comparação ao mesmo período do ano passado. “Uma boa parte desse resultado é relacionado a maiores tarifas que o frango americano está pagando na China, o que torna o produto brasileiro ainda mais atraente”, diz Turra.

Perigo
De acordo com análises do Rabobank, o cenário de médio e longo prazo pode não ser tão luminoso. A expectativa é que a guerra comercial entre as duas maiores potências do mundo leve a uma queda no ritmo da expansão econômica global, com uma retração do comércio internacional. Com os países comprando menos, praticamente todas as economias do mundo correm o risco de serem atingidas.

O presidente Donald Trump tem ameaçado aumentar para 25% as tarifas de todos os produtos importados da China, o que provavelmente seria acompanhado por uma retaliação chinesa. Em um cenário como esse, de guerra comercial total, a queda na taxa de expansão da economia global seria ainda mais impactada, com uma queda de 0,5% em 2020. No final de junho, Trump e o presidente da China, Xi Jinping, devem se encontrar no Japão para a reunião do G-20, dos países mais ricos do mundo, e conversar sobre as tensões entre os dois países.

“Mesmo que haja um acordo, contamos com um acerto fraco, sem definições de compromissos, como mudanças na política industrial chinesa”, diz Maurício Oreng, economista-chefe do Rabobank no Brasil. Para Marcos Jank, mesmo no contexto atual, de tarifas mais altas para produtos americanos na China, o Brasil ainda precisa fazer uma lição de casa para conquistar saltos significativos nas exportações. “Alguns fatores, relacionadas a questões sanitárias, ainda nos impedem de vender mais”, afirma Jank. “Precisamos olhar com calma para esses pontos antes de sair soltando fogos com as possiblidades de grandes aumentos nas vendas externar”.

CARLA ARANHA

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