Tempo - Tutiempo.net

Disputa Bolsonaro versus Fernández poderia pesar no pão e leite

Presidentes Jair Bolsonaro e Mauricio Macri se encontram durante cúpula do Mercosul, na Argentina 17/07/2019 Presidência da Argentina/Divulgação via REUTERS

Se alguma disruptura comercial ocorrer no Mercosul por desavenças políticas entre o governo Jair Bolsonaro e o presidente eleito Alberto Fenández, do ponto de vista do agronegócio a Argentina será a mais prejudicada, por concentrar suas exportações ao Brasil em algumas cadeias do macrosetor.

Do lado brasileiro, as tradings e indústrias importadoras de trigo e leite em pó teriam um impacto direto, pelo menos em termos de maior peso na balança comercial.

O Brasil não exporta praticamente nada seja de alimentos in natura ou industrializados para a Argentina, quando muito um pouco de café, mas na mão inversa a dependência argentina do mercado brasileiro é grande e Fernández terá que buscar da diplomacia para segurar o impulso pouco amistoso já manifestado pelo presidente Bolsonaro com a vitória do peronismo e a derrota de Mauricio Macri.

O trigo argentino é o principal produto vendido ao Brasil e os moinhos brasileiros são os principais compradores mundiais.

O País é importador líquido de praticamente a metade das 11 milhões de toneladas consumidas anualmente. Em 2018, a Argentina exportou 5,9 milhões/t e obteve US$ 1,3 bilhão com o Brasil.

Leite em pó a indústria nacional, sobretudo a gaúcha, importou 99 mil/t, por US$ 1 bilhão em 2918, sendo que as exportações totais dos vizinhos foram de 334 mil/t.

“Arroz é outro produto que entra muito no mercado do Rio Grande do Sul para compor a necessidade das empresas em caso de quebra da produção local”, lembra Gedeão Pereira Silveira, presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), que está na comitiva presidencial brasileira em viagem de negócios, hoje na Arábia Saudita.

Para ele, no entanto, a rubrica não tem importância relevante no balanço de oferta do estado, maior produtor nacional do cereal.

A rigor, não há nada de prático que o Brasil possa fazer enquanto integrante do Mercosul. Tanto a expulsão da Argentina, como chegou a ser ventilada, quanto a derrubada pela metade da Tarifa Externa Comum (TEC), cobrada de terceiros países (13,5%), e que poderia ser usada para tirar a competitividade argentina, dependem de consenso entre todos os países.

Paraguai até poderia se alinhar ao Brasil, mas muito difícil que Uruguai endossaria, mesmo com a vitória da oposição no segundo turno das eleições locais.

A Argentina, por óbvio, recusaria abraçar a ideia, com poucos mercados mundiais para seu agronegócio – exceção de carnes, soja e milho -, e com indústria pequena e sucateada.

“Seria praticamente impossível haver consenso por essas linhas opcionais”, diz Antônio da Luz, economista da Farsul.

A alternativa do governo Bolsonaro seria sair do Mercosul, como inclusive já disse em tom de ameaça quando a vitória de Alberto Fernández e da vice Cristina Kirchner, ex-mandatária, se desenhava há alguns dias.

Mas também não seria algo factível, com a grande dependência de muitos setores industriais brasileiros das compras argentinas, desde produtos com menor grau de agregação, entre os quais calçados, quanto outros de elevado grau tecnológico, lembrando aqui de máquinas, equipamentos e algumas linhas de celulares, por exemplo.

Alberto Fernández e Cristina Kirchner Eleições da Argentina
No final do governo de Cristina Kirchner, a área plantada de trigo caiu pela metade (Imagem: Reuters/Agustin Marcarian)
Em todo caso, da Luz chama atenção para as possíveis políticas internas futuras da segunda maior economia do bloco, retroagindo ao que foi o governo de Cristina Kirchner. “No final do governo dela, a área plantada de trigo no país caiu pela metade com as retenciones (imposto cobrado nas exportações), que desestimularam a produção de várias cadeias do agronegócio”, explica.

Se o novo governo quiser fazer dinheiro para superar a crise interna, sem poupança e sem investimentos estrangeiros, com a potencial aversão ao governo de esquerda, impondo algo parecido aos seus produtores, o Brasil teria que buscar alternativas imediatas.

Algumas já foram tomadas, há alguns meses, como a abertura de cota de 750 mil/t de trigo dos Estados Unidos livre de impostos, além da entrada de mais trigo russo e canadense, mas tudo dentro de regras do Mercosul, por enquanto.

“É isso que o Brasil do presidente Bolsonaro está buscando, novos mercados e menor dependência e tesos certeza que vamos alcançar”, afirma o presidente da Farsul.

Giovanni Lorenzon

OUTRAS NOTÍCIAS