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Especialista defende maior presença do agronegócio na Ásia: ‘ainda é pouco conhecido’

Brasil vende 54% de seus produtos agropecuários para a região asiática. Foto: Paulo Whitaker/Reuters

Nem imagem positiva e nem negativa, e sim falta de conhecimento. Assim o engenheiro agrônomo Marcos Sawaya Jank define a relação de boa parte do mundo asiático, principal comprador dos produtos do agronegócio brasileiro, sobre a produção de alimentos nacional. “Apesar de ser um player muito importante, o Brasil é muito pouco conhecido na Ásia”, afirmou ele em entrevista ao Estadão/Broadcast.

Depois de viver quatro anos na Ásia, Jank, que é especialista em agronegócio, assumiu em maio o cargo de professor sênior do Insper com a meta de criar um novo centro de estudos sobre o agronegócio global. Segundo ele, o objetivo do grupo é discutir temas internacionais ligados a grandes questões do setor, que é hoje o mais internacionalizado da economia brasileira. O País é o terceiro maior exportador de produtos agropecuários e tem relações com mais de 200 nações.

“Vamos olhar para os grandes temas do agronegócio global – sustentabilidade, geopolítica, inovação, segurança alimentar, qualidade do alimento, saúde e nutrição, – e analisar a inserção do Brasil nesses assuntos. Vamos olhar o Brasil de fora para dentro”, explicou ele, que já trabalhou na BRF e liderou a União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica). O centro vai realizar estudos, ajudar a desenhar políticas públicas e capacitar profissionais.

Um dos principais assuntos tratados na entrevista foi a relação do Brasil com os países asiáticos. A Ásia concentra pelo menos cinco dos dez países mais populosos do mundo: China (1,3 bilhão de habitantes), Índia (1,2 bilhão), Indonésia (260 milhões), Paquistão (200 milhões) e Bangladesh (160 milhões). Também tem pelo menos 40 regiões metropolitanas com mais de 6 milhões de habitantes e, no total, mais de 4,4 bilhões de pessoas.

Por todos os números e pelo peso da região na balança comercial do agronegócio brasileiro, com mais de 50% das exportações, Jank defende uma atuação permanente do Brasil na região. “É preciso uma presença física permanente do Brasil na Ásia. Um trabalho simultâneo de imagem-país e imagem-setor, que se somaria ao que já se faz no nível das empresas e suas marcas individuais”, disse.

“Temos de trabalhar a questão do acesso aos mercados junto com a comunicação institucional setorial e do País como um todo. As associações do agronegócio precisam estar presentes e atuar lá fora”, defendeu. Abaixo, alguns trechos da entrevista.

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O engenheiro agrônomo e pesquisador Marcos Sawaya Jank na biblioteca do Insper, em São Paulo Foto: Paulo Beraldo/Estadão

O senhor viveu na Ásia nos últimos quatro anos. Como os asiáticos avaliaram a chegada de um novo governo e de uma mudança na política externa, com o novo chanceler Ernesto Araújo?

Marcos Jank – Apesar de ser um player muito importante, o Brasil é muito pouco conhecido na Ásia. E lá é o nosso destino. Em 2000, exportávamos US$ 20 bilhões (em produtos agropecuários e agroindustriais) e 15% para lá. Hoje, exportamos US$ 100 bilhões e 54% para a Ásia. Na minha avaliação, mais do que uma opinião positiva ou negativa, há muito desconhecimento sobre o Brasil.

Como consolidar uma imagem do que está sendo feito se você não está o tempo todo interagindo? O local para interagir hoje é a Ásia, não mais a América do Norte e a Europa. Bruxelas (sede da União Europeia) não representa mais a principal região compradora. Já em termos de política comercial, não deveríamos privilegiar o Ocidente em detrimento do Oriente.

Deveríamos manter uma equidistância prudente e silenciosa em relação aos Estados Unidos e à China nesse ambiente de guerra comercial que vemos hoje, por exemplo.

O senhor defende que o Brasil tem que ser mais proativo na questão de mostrar no exterior o que é feito aqui…

Jank – Às vezes, achamos que um determinado tema que nos parece importante é igualmente valorizado pelo mundo afora. O que eu aprendi ao viver na Europa, nos Estados Unidos e na Ásia é que os países dão pesos diferentes para diferentes assuntos.

Na Europa, claramente a preocupação hoje é com sustentabilidade: crescimento sustentável, relações entre agricultura e desmatamento, mudança do clima, uso da terra e da água, uso de agroquímicos… Mas esses temas ainda não chegaram ao centro da agenda asiática.

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Brasil vende 54% de seus produtos agropecuários para a região asiática.  Foto: Paulo Whitaker/Reuters

Qual a agenda da Ásia?

Jank – A preocupação maior dos asiáticos hoje é a necessidade de aumentar a produtividade da agricultura e a qualidade e sanidade dos alimentos. Pelo fato de todos os países estarem crescendo e se urbanizando rapidamente, eles estão muito preocupados com a capacidade de oferecer alimentos abundantes, sadios e de qualidade ao consumidor, sem criar uma dependência excessiva de outros países.

Veja a China: ela não quer depender de um só país em nenhum produto relevante. Tem dado imensos subsídios a seus agricultores para ter níveis mínimos de autossuficiência. E há uma abertura seletiva e pontual que beneficiou a soja, a celulose e o algodão, por exemplo. Mas exportar carnes, lácteos, milho, açúcar e etanol ainda é difícil.

Outra grande questão é a segurança e sanidade do alimento. A atual epidemia de peste suína na China mostra uma grave fragilidade no controle de doenças, que gerou uma crise terrível. Então, quando se fala das relações com os países, é preciso entender quais as prioridades de cada país, as preocupações de cada sociedade. As grandes discrepâncias nos níveis de desenvolvimento do continente fazem com que o agronegócio avance com diferentes vetores e velocidades.

O que o senhor quer dizer com diferentes vetores?

Jank – Uma parte do mundo está preocupada com segurança alimentar no sentido de elevados volumes e baixos preços, enquanto outra parte está preocupada com a qualidade e sanidade do produto. Outros dão prioridade ao avanço no processamento, na distribuição e a adição de valor.

Já as populações mais ricas querem comprar produtos livres de defensivos, transgênicos e antibióticos, produzidos localmente com menor uso de tecnologias modernas. Você tem num mesmo país, às vezes, uma população imensa que busca mais quantidade e tecnologia e outra, nas grandes cidades, que quer reduzir o consumo e o uso de tecnologias nos produtos. Esse será um dos temas centrais de análise do centro que vamos criar no Insper.

Fala-se muito da questão da sustentabilidade, mas existe um custo, um investimento por parte de quem produz para atingir esses padrões. E isso nem sempre é equacionado na hora da venda. Como é possível equilibrar essa relação e fazer os produtores ganharem mais com isso?

Jank – Ainda não vivemos em um mundo em que os preços são determinados pelo nível de sustentabilidade dos países e dos produtos. Na quase totalidade das commodities agropecuárias, os preços sobem ou caem de acordo com a variação da oferta e da demanda.

A pergunta é: é possível obtermos um prêmio de preço sobre o valor de bolsa porque o produto é mais sustentável? Ou quando o País é realmente percebido como sustentável no momento em que o alimento chega ao consumidor? Países como Austrália, Nova Zelândia, Canadá e alguns da Europa têm investido muito nessa área e obtido bons resultados na percepção setorial e nacional de seus produtos.

Acredito que fenômenos conservacionistas que aconteceram no Brasil como o plantio direto, a integração entre lavoura, pecuária e floresta, a possibilidade de fazer duas safras por ano na mesma área, a bioenergia e a agricultura de baixo carbono formam narrativas recentes que nos qualificam para assumir e liderar esse processo.

O Brasil precisa melhorar a sua capacidade de comunicação no exterior, de forma mais consistente, sincera e direta, mostrando a melhoria contínua dos seus níveis de sustentabilidade sem deixar de reconhecer os problemas e dificuldades ainda existentes. O mesmo vale para os demais vetores de preocupação dos diferentes países, como no caso da situação sanitária.

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Vista de Shanghai, na China, uma das mais importantes metrópoles da Ásia. Continente abriga 4,4 bilhões de habitantes.  Foto: Lauryn Ishak/The New York Times

Como essa comunicação no exterior deve ser coordenada? E por que não foi feita ainda?

Jank – De maneira geral, vejo o Brasil como uma potência global na produção agropecuária mas, à medida que caminhamos na direção do nosso cliente final, vamos perdendo eficiência. Ganhamos dos nossos concorrentes na agricultura dentro da porteira das fazendas, mas empatamos no processamento e perdemos na logística e na nossa presença no exterior, lá na ponta final da cadeia produtiva. O diálogo com os governos, com a opinião pública e com os agentes da cadeia produtiva no exterior é esporádico, individualizado e descoordenado.

Nesses quatro anos de Ásia, vi representações permanentes e eventos regulares do setor privado dos EUA, do Canadá, da Europa, da Oceania, do Chile, mas quase nada do Brasil. Os empresários brasileiros aparecem em peso com uma delegação ministerial ou presidencial brasileira. Mas na semana seguinte fica um vazio por meses e meses, até a visita da próxima autoridade.

É preciso uma presença física permanente do Brasil pelo menos nos países hiperpopulosos: China, Índia e Indonésia. Um trabalho de imagem-país e uma presença física das representações setoriais – soja, frango, algodão, açúcar – e não só das empresas.

A geopolítica e a crise do multilateralismo também estão sendo discutidas nesse contexto de agronegócio global…

Jank – O mundo pós-Donald Trump (presidente dos EUA eleito em 2016) vai ser muito mais difícil. Não será mais ser um mundo onde ganha o pais mais competitivo. Será um mundo dominado por fatores geopolíticos em que um acordo EUA-China pode nos colocar ou tirar do mercado do dia para a noite. Por isso, a necessidade agora mandatória de maior presença no exterior para defender os nossos mercados.

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Marcos Jank defende prudência do Brasil na guerra comercial entre China e Estados Unidos. “Deveríamos manter uma equidistância prudente e silenciosa”, sugere.  Foto: Aly Song/Reuters

Vamos extrapolar um pouco a discussão. Fala-se de proteínas alternativas, de comer insetos nos próximos anos… O senhor acha que isso é possível?

Jank – Não apenas proteínas alternativas como insetos, como toda a questão da “carne sem uso de animais” (animal free meat), carnes desenvolvidas por cultura celular e outros. Mas ainda há dificuldade para conseguir escala e preço, não é um negócio para hoje, mas uma alternativa. Eu sou bastante cético. Muitas vezes um desenvolvedor faz uma apresentação maravilhosa, mas para isso virar escala comercial há desafios gigantes. Dizem que seria mais saudável, mas também tem footprints (pegada de carbono e água) ainda desconhecidos e custos altos.

Não há dúvida que há nichos crescentes de consumidores que vão querer esses produtos, principalmente nos países ricos e nas classes mais altas dos países mais pobres, em grandes cidades. Mas dizer que isso tudo vai virar o “mainstream” é um exagero.

Os orgânicos, por exemplo. Imaginar que eles são uma receita para o mundo? Não são. São um nicho, importante, crescente, mas um nicho. A maioria dessas proteínas alternativas são nichos pequenos.

E a discussão a respeito da redução do consumo de carne?

Jank – É muito fácil para os 15% da população que está consumindo 100 quilos de carne por habitante/ano pleitear que é preciso consumir menos carne ou trocar pelas alternativas mencionadas. Mas agora pergunte para a maioria dos cidadãos do mundo, que está consumindo menos de 20 quilos por habitante/ano, se eles querem reduzir o seu consumo de carnes.

O mundo emergente vive um processo intenso de aumento da renda per capita e urbanização, que levará inexoravelmente ao maior consumo de proteínas animais. A maior migração do século 20 ocorreu dentro da China: 300 milhões de pessoas migraram do campo para a cidade. Fico muito preocupado quando achamos que o caminho da humanidade será dado pelos 10% mais ricos, que já estão consumindo em excesso, mas querem tutelar os demais 90% dizendo que eles deveriam comer menos carne. Essa é uma questão ética complicada, que vai contra o desejo da maioria.

 O Estado de S.Paulo

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