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‘Bacurau’ brinca com gêneros e expectativas em crônica violenta e sarcástica

Foto: Divulgação

Não é sempre que o cinema brasileiro consegue equilibrar tão bem o realismo pelo qual é conhecido com diferentes características de filmes de gênero, como ação ou suspense. “Bacurau”, primeira produção nacional a ganhar o Prêmio do Júri no Festival de Cannesestreia no próximo dia 29 com uma mistura certeira de crítica, sarcasmo e, em certo grau, diversão pop.

Esta é a segunda colaboração da atriz Sônia Braga com o cineasta de “Aquarius” (2016), Kleber Mendonça Filho. Os dois se reúnem também com Juliano Dornelles, que deixa a direção de arte e divide os créditos de direção e de roteiro.

Juntos, o trio parte de uma história bem específica sobre um povoado no sertão do Pernambuco em um futuro semi-distópico para contar uma crônica universal de união e resistência.

A caçada mais perigosa

Na coletiva de imprensa desta terça-feira (20), Braga pediu para que os jornalistas contassem o menos possível sobre a história. Por mais que “Bacurau” seja um daqueles filmes no qual a viagem é muito mais importante que o destino, é possível respeitar o desejo da atriz – até certo ponto, pelo menos.

O título se refere a um pequeno vilarejo no interior do estado que aprendeu a viver à margem do governo local.

O problema com o abastecimento de água logo parece um detalhe quando um grupo de forasteiros chega à região com intenções claramente sinistras, e todos percebem que a comunidade desapareceu do mapa.

A história de poderosos caçando oprimidos não é exatamente inédita, mas é usada com inteligência pelo roteiro para mostrar como é fácil subestimar aqueles que parecem mais fracos – e o quanto isso é perigoso.

Sônia Braga e Udo Kier em cena de 'Bacurau' — Foto: Divulgação
Sônia Braga e Udo Kier em cena de ‘Bacurau’ — Foto: Divulgação

A força do todo

Entre uma população constituída dos mais variados tipos, de pistoleiros a professores e prostitutas, todos têm seu papel, e é difícil estabelecer protagonistas claros. Com o tempo, fica claro que o herói é o próprio povoado, mesmo que alguns nomes se destaquem.

A participação de Braga é curta, porém brilhante como sempre. Silvero Pereira, que ficou nacionalmente conhecido na novela “A força do querer”, também apresenta uma bela atuação como um cangaceiro moderno, procurado pelas autoridades, mas celebrado como herói pelos locais.

Do outro lado do embate, o alemão veterano Udo Kier (de filmes como “Melancolia” e “Ace Ventura: Um detetive diferente”) cumpre muito bem o papel de esquisitão que você lembra mais ou menos de alguma produção estranha de Hollywood – apesar de não conseguir destacar exatamente qual.

Quem rouba mesmo a cena são os rostos mais desconhecidos que povoam o vilarejo. Eles ajudam a construir aquela velha atmosfera familiar a filmes brasileiros do sertão, e aumentam ainda mais o contraste com os aspectos mais característicos de gênero quando os primeiros tiros são disparados.

Sônia Braga em cena de 'Bacurau' — Foto: Divulgação
Sônia Braga em cena de ‘Bacurau’ — Foto: Divulgação

Morte à brasileira

Com uma trama que vai do suspense ao ação, “Bacurau” se destaca ao empregar recursos do cinema nacional à narrativa. Ao contrário do que se esperaria de uma aventura hollywoodiana, as inevitáveis mortes servem mais como catarse, e não como espetáculo.

Até mesmo quando uma cabeça explode em um dos momentos mais gráficos, em uma cena que remete muito a “Kill Bill: Volume 2” (2004), a visão é ofuscada pela naturalidade – vamos chamar assim – dos heróis.

Em um país tão dividido quanto o atual, “Bacurau” usa do sentimento de “nós contra eles” para unir não apenas os personagens, mas o público. O truque também ajuda na imersão do espectador, que dificilmente vai conseguir se conter quando a população mostrar que não é tão indefesa quanto os vilões pensavam.

Por mais que o roteiro não resista à tentação de ser um pouco mais explícito em alguns momentos, a sutileza é norma na maior parte das mais de duas horas do filme. Mendonça e Dornelles não estão preocupados em explicar as motivações dos forasteiros ou pregar uma mensagem.

Tal abertura em intenções ou em moral é uma das maiores forças da produção. Ao invés de gritar para o público onde quer chegar, a dupla prefere que cada um tire dali suas próprias conclusões.

O resultado é um filme tenso mas igualmente bem-humorado, que diverte ao mesmo tempo em que incomoda, com sequências que com certeza serão comentadas por muito tempo em uma época de memes e viralização.

“Bacurau” é o resultado dos gêneros pop com um tempero à brasileira. Com sorte, será o primeiro de uma leva que mostra que a arte produzida por aqui pode ser também acessível – e extremamente divertida.

Bárbara Colen, atriz de "Bacurau" — Foto: Edison Vara/Agência Pressphoto
Bárbara Colen, atriz de “Bacurau” — Foto: Edison Vara/Agência Pressphoto

G1

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