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Bacurau conquista a América: aclamação da crítica é uma bofetada nos vira-latas

Poster do filme Bacurau

No ano passado, quando Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, foi lançado no Brasil, o burburinho em torno da revolução política e estética do filme deixou os articulistas de direita alvoroçados.

As carapuças estavam servidas, e muita gente as vestiu: não há dúvida que Bacurau é uma alegoria da luta (armada) do oprimido contra o opressor, algo considerado inadmissível no país atualmente. Nascia ali um clássico do “marxismo cultural”, como diria Olavo.

Com Reinaldo Azevedo fora de combate, já que desde o boicote que propôs a Aquarius vem assumindo uma postura mais progressista, restou a seu colega de Folha e de antigas militâncias Demétrio Magnoli bancar o crítico cinematográfico furibundo.

Bacurau, disse o sociólogo, é “o testemunho de nossa miséria intelectual”, a prova cabal da “extinção de qualquer traço de vida inteligente na esquerda brasileira”.

“Uma trama tão simples como uma cartilha do PCdoB”, com metáforas dignas de “pré-adolescentes excitados”.

A recepção nos EUA “põe no lixo um discurso muito vira-lata de pessoas no Brasil de que a crítica norte-americana não ia entender.

As pessoas que gostam de cinema entendem perfeitamente o ponto de vista do filme, e isso é muito foda”, diz Kleber
em seu blog no Estadão, Miguel Forlin, da turma da Jovem Pan, foi na mesma toada, e apontou a “baixeza” do filme, em que viu “uma representação pueril” do gênero western, caracterizada “quase que exclusivamente pelo confronto dos moradores contra os forasteiros, se mostrando conformada em copiar preguiçosamente um modelo estrangeiro”.

O diretor Kleber Mendonça Filho, que, em Aquarius e O Som Ao Redor, “já tinha nos revelado a pobreza da sua visão cinematográfica”, com Bacurau comprova que “pouco ou nada tem a dizer dos gêneros com que trabalha”.

Já o economista Samuel Pessôa, na Folha, embora fazendo a ressalva de ter gostado dos outros filmes de Kleber (“eram tempos de governos do PT, e talvez isso contribuísse para que artistas simpáticos ao partido fossem menos maniqueístas. Conforme o país foi pendendo para a direita, piorou a capacidade de reflexão da esquerda”), denunciou o enredo “simplista” de Bacurau.

“O roteiro poderia ter saído diretamente das páginas de um texto marxista dos anos 1960 –por exemplo, da teoria da dependência de um Andre Gunder Frank.”

Justiça seja feita: os críticos de cinema mais sérios e respeitados do país tiveram outra percepção do filme da dupla pernambucana, prêmio do júri no festival de Cannes do ano passado.

O tradicional “bonequinho” do jornal O Globo “aplaudiu sentado” numa escala em que o máximo é “aplaudiu em pé”.

Na Folha, Inácio Araújo deu cinco estrelas ao filme, que considerou “obrigatório”, e discordou publicamente da visão ideologizada de Magnoli em uma réplica também publicada pelo jornal.

Bacurau, disse Demétrio Magnoli, é “o testemunho de nossa miséria intelectual”, a prova cabal da “extinção de qualquer traço de vida inteligente na esquerda brasileira”, “uma trama tão simples como uma cartilha do PCdoB”.

No Estadão, Luiz Zanin Oricchio elogiou: “Inventivo, original, impactante, Bacurau é um filme ao qual ainda voltaremos várias vezes, tantas são suas camadas de compreensão.

Múltiplo e afinado em suas significações subjacentes, embora concebido vários anos atrás, e realizado ano passado, ganha macabra atualidade no distópico Brasil de Jair Bolsonaro”.

Luis Carlos Merten, no mesmo jornal, também adorou. “Kleber e Dornelles reabrem com brilho a vertente do western ideológico de Glauber Rocha”, escreveu.

A espetacular recepção ao filme pela crítica dos EUA, onde Bacurau estreou no começo do mês, tem o efeito, porém, de uma bofetada na direita vira-lata que tenta reduzir nosso cinema a algo “amador”, “adolescente”, em comparação às produções estrangeiras.

E isso em tempos em que o bolsonarismo pretende destruir o cinema nacional, cortando incentivos e impondo um corte de cunho moralista no apoio do Estado ao audiovisual.

O que impressiona nas críticas norte-americanas a Bacurau é justamente a capacidade dos autores de compreenderem o humor do filme e ao mesmo tempo relacionarem a sátira com a atualidade brasileira e mundial.

“Ele pode ser visto como uma metáfora sobre o Brasil (e as desigualdades que perturbam o mundo todo), mas, como os Sete Samurais de Akira Kurosawa, também é uma história profundamente enraizada em um lugar exato no mapa”, disse a crítica Manohla Dargis, no New York Times, que elogiou o entrosamento a dupla de cineastas e citou a homenagem ao diretor John Carpenter, com Night, composição de sua autoria, na trilha sonora.

O entusiasmo da crítica, uma das principais do jornal, ficou evidente em seu perfil no twitter: “Sonia Braga! Udo Kier! Agricultores de bunda de fora!

Revolucionários sexy! Amor! Morte! Política! Delineador!

Imperdível, o fantástico ‘Bacurau’ estreia em Nova York hoje e no resto do país em breve”.

O filme entrou em cartaz em Nova York, Los Angeles, Miami, São Francisco, Seattle, Chicago e vai ocupar salas em outras 60 cidades norte-americanas.

Cynara Menezes

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