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O cheiro dos pobres

filme - O cheiro dos pobres

A Palma de Ouro de Cannes este ano foi para as mãos do melhor cineasta sul-coreano, Bong Joon-ho, autor da obra-prima Mother – A Busca pela Verdade, de 2009.

Parasita é outro filme de grande impacto e retoma o tema da luta de classes já explorado por Joon-ho em O Expresso do Amanhã (2013).

Enquanto naquele filme de ficção científica os sobreviventes de uma catástrofe climática se dividiam em classes horizontalmente dentro de um trem, em Parasita a chave é de realismo social e a pirâmide é vertical.

Os personagens da base social vivem em porões e os ricos habitam a superfície.

O desejo de ascensão, altamente fetichizado, é o que move os Kim, uma família de desempregados. Quando o jovem Ki-woo é indicado para substituir um amigo nas aulas particulares para a filha da riquíssima família Park, ele vê a oportunidade de inserir-se e à sua família no mundo dos milionários.

Os estratagemas para que cada um dos Kim venha a trabalhar para os Park sem parecerem ser da mesma família fazem o humor irresistível do filme. Um humor negro, baseado na crueldade.

No entanto, a comédia no melhor estilo Blake Edwards caminha aos poucos para uma mudança radical de gênero. Uma descoberta a respeito do porão da casa dos Park gera uma guinada espetacular. O filme passa, então, pelo suspense e finalmente para a ação ultraviolenta, outra marca do diretor e de boa parte do cinema sul-coreano. Quando o slapstick vira slasher, Parasita leva ao extremo sua pegada de crítica social.

Não há lugar para esquematismos. Os ricos são podres – o menino tirânico, o pai blasê, a mãe fútil e fascinada por coisas americanas – mas também são vulneráveis e se deixam manipular facilmente.

Os pobres são oportunistas, frívolos e impiedosos para com seus pares. Todos são parasitários da desigualdade social.

A diferença se faz sentir pelo cheiro, e essa é uma das anotações mais agudas de Bong Joon-ho. O cheiro dos pobres, trazido do metrô, da comida e de seus ambientes, é a grande ameaça à farsa que eles conduzem junto aos patrões.

Brilhante em todos os aspectos, infernal na montagem e empolgante na trilha musical, Parasita é uma parábola sobre a selvageria humana e a preponderância do acaso sobre os planejamentos.

“A única maneira de nada dar errado é não planejar nada”, conclui num dado momento o patriarca dos Kim. Quando a organização da sociedade se mostra inquebrável, só a loucura dos porões é capaz de abalar suas estruturas.

Carlos Alberto Mattos

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