Tempo - Tutiempo.net

Antonio Cavanillas de Blas: As histórias por trás da tela

Cavanillas de Blas publicou seu primeiro romance aos 62 anos, após sofrer uma fratura no quadril (Foto: Divulgação)

Romancista histórico espanhol narra vida da jovem da célebre tela “Dama com arminho”
No meio do caminho entre os relatos históricos e as obras de ficção está o romance histórico que, de uma certa forma poupa o escritor de criar uma boa narrativa e um personagem central para construí-la. Cirurgião aposentado, o espanhol Antonio Cavanillas de Blas, de 80 anos, é um representante desta linhagem. Passou a se dedicar ao gênero em 2000 quando ainda exercia a medicina. De “El médico de Flandes”, que conta a trajetória do flamenco Andrés Wessel, que atendia Felipe II, foram 12 romances. Um deles – “A amiga de Leonardo da Vinci” (Editora Contexto) sobre Cecilia Gallerani, musa do pintor renascentista no quadro “A dama com arminho” (1489/90) – é o primeiro de seus títulos a ser traduzido para o português e lançado no Brasil.

A jovem inteligente que conseguiu firmar sua vontade e não se curvar diante da imposição do pai em casá-la com um homem muito mais velho e de alta linhagem, graças às suas habilidades como poeta, conquistou a amizade de Da Vinci e deslumbrou Ludovico Sforza, governador da Lombardia e futuro duque de Milão, de quem se tornou amante.

Em entrevista por e-mail ao JORNAL DO BRASIL, Cavanillas de Blas fala um pouco de seu processo criativo e do interesse crescente pelo romance histórico. “O sucesso do romance histórico é, em grande, parte devido à ignorância que, geralmente, as pessoas têm da história com os currículos modernos”, acredita.

JORNAL DO BRASIL: Leonardo da Vinci, cuja morte está para completar 500 anos é, sem dúvida, uma das personalidades mais instigantes da história da humanidade, um verdadeiro gênio. Qualquer história relacionada a ele desperta grande interesse. Mas o que o levou, especificamente, a se deter sobre Cecilia Gallerani?

ANTONIO CAVANILLAS DE BLAS: Estudando sobre a Corte de Ludovico Sforza, “Il Moro”, duque de Milão, e seus célebres integrantes como Donato Bramante (arquiteto), Badldassare Castiglione (diplomata), Josquin Desprez (compositor) e o próprio Leonardo, encontrei a poetisa Cecilia Gallerani, personagem que me fascinou pelo mistério que emana de sua presença na tela “Dama com arminho”, hoje no Museu Czartoryski, em Cracóvia (Polônia). Vi essa pintura pela primeira vez em Madri, em uma exposição itinerante, e isso me fez decidir a romantizar sobre sua figura que era uma mulher à frente de seu tempo.

De que maneira a investigação foi feita? Quais foram as fontes de informação utilizadas?

Dados sobre a vida de Cecilia estão hoje disponíveis na internet, são acessíveis para qualquer pessoa. Este foi o meu ponto de partida num processo que incluiu um período em Milão para estudar mais detidamente sobre Leonardo e sua obra no Convento de Santa Maria delle Grazie, onde “A última ceia” está exposta.

Quanto tempo durou esta etapa do trabalho?

A preparação do romance, incluindo o período de pesquisa, durou cerca de quatro meses, que considero um prazo razoável para escrever romances históricos, visto que temos um ponto de partida com base em fatos acontecidos.

Romances históricos estão ganhando cada vez mais aceitação com os leitores. A que o senhor atribui isso? O público estaria cansado de ficção?

O sucesso é, em grande, parte devido à ignorância, geralmente que as pessoas têm da história com os currículos modernos. A juventude ocidental hoje sai das escolas em fraldas. Portanto, acredito que uma história bem escrita terá cada vez mais aceitação.

Sabemos que não existe uma fórmula fechada para isso. Mas até que ponto o autor é livre para criar dentro de um romance histórico, a ponto de não distorcer o próprio fato e criar uma compreensão errada dele?

Um escritor “histórico” pode romancear livremente sobre o tema narrado sempre que possível, mas nunca deverá distorcer a verdade. Quer um exemplo? Colombo descobriu a América em 12 de outubro de 1492. Isso é um dado imutável, mas o romancista histórico tem plena liberdade para dizer o que aconteceu a bordo do navio Santa Maria durante a travessia.

Qual é o seu próximo projeto?

Aqui, na Espanha, acabo de publicar “Murillo, El Mago del Pincel”, no qual a vida do genial pintor de “La Inmaculada” é narrada na primeira pessoa. Vou dedicar meus próximos a trabalhos a Velásquez e Goya.

Da Vinci, Murillo, Velázquez e Goya… Temos um autor cada vez mais interessado em histórias relacionadas a gênios da pintura. Qual a sua relação com este universo?

Minha relação com o mundo pictórico não passa de simples diletantismo e que tem uma boa razão de ser. Nasci em Madri, uma cidade com mais de 30 museus, entre os quais um dos mais completos do mundo que é o Museu do Prado. Desde muito jovem, eu ficava extasiado com aqueles verdadeiros tesouros da arte. Preciosidades com “Las meninas”, de Velázquez; “O Jardim das Delícias”, de Hieronimus Bosch; “As Três Graças”, de Rubens.

Seu primeiro trabalho – “O médico de Flandes” é de 2000. O senhor se considera um escritor tardio? O que o motivou a começar neste novo ofício aos 62 anos?

É verdade que eu sou um escritor tardio. E meu batismo no ofício de escritor teve seu lado traumático. Há 25 anos sofri uma fratura de quadril e tive um longo período sem poder exercer a medicina, que é minha profissão de origem. Foi o período em que ensaiei trocar o bisturi pela caneta, decisão confirmada dez anos depois quando me aposentei para poder ter dedicação exclusiva à literatura.

Sua formação profissional pode ser considerada um incentivo para escrever sobre um médico, Andreas Vesalius, em um de seus primeiros romances?

A medicina sempre foi vista por mim como a mais nobre das profissões. E a figura enigmática de Andreas Vesalius Wessel – Andrés quando passou a servir o rei Felipe II – e o estudo de sua grande obra, “De corpore fabrica humanus” – me induziu a escrever um romance sobre ele.

Esta é sua primeira obra lançada no Brasil. Que autores do gênero do romance histórico chamam a sua atenção? Você está ciente dos romances históricos produzidos por autores brasileiros?

Sim. Esta é a minha primeira incursão no empolgante mundo cultural brasileiro, onde a deliciosa língua irmã é falada. Prefiro não nomear os autores de best-seller porque eu não gosto de falar mal de ninguém. No geral, infelizmente, eu não conheço o trabalho dos meus colegas brasileiros.

AFFONSO NUNES

OUTRAS NOTÍCIAS