A viagem a Taiwan do pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro é uma gafe histórica nas relações entre Brasil e China, que reforça as preocupações sobre o despreparo do deputado para lidar com temas econômicos e questões internacionais.
Ele visitou a ilha como parte de uma viagem pela Ásia que incluiu Coreia do Sul e Japão. A exclusão da China continental foi erro grave nesse roteiro, reforçado pela preferência de ir a Taiwan.
A China é o maior parceiro comercial do Brasil, destino de cerca de 25% das exportações brasileiras e um dos maiores investidores estrangeiros, sobretudo no agronegócio, energia e mineração.
Pequim é um interlocutor particularmente importante para Brasília neste momento em que os EUA ensaiam surto protecionista de impacto global.
O Brasil rompeu relações diplomáticas com a República Popular da China pouco após a Revolução Comunista de 1949, mas as restabeleceu de forma definitiva na presidência do general Ernesto Geisel, ainda no regime militar.
Desde então, a política externa de todos os presidentes brasileiros tem sido considerar Taiwan parte integral de uma só China, governada a partir de Pequim.
Além do enorme fluxo de comércio e investimento, ambos os países têm parceria estratégica que se estende a fóruns multilaterais como Brics, Basic, G-20 e cooperação científica e tecnológica, como o amplo programa bilateral de construção e lançamento de satélites.
A retórica de Bolsonaro com relação à China é marcada por declarações agressivas que parecem inspiradas na estratégia que Trump usou nas eleições presidenciais dos EUA.
O deputado acusa os chineses de estarem “comprando o Brasil” e se manifestou de forma contrária a seus investimentos no país.
Até agora, não apresentou qualquer proposta de como seria sua política externa para a China, mas seus gestos têm sido interpretados pelos chineses como sinalizando um nível alarmante de hostilidade que poderia significar inclusive o reconhecimento de Taiwan como país independente.
O retorno da China à condição de grande potência é o principal fato da política internacional contemporânea e coloca desafios significativos para a diplomacia brasileira, em especial diante de crises sucessivas em parceiros tradicionais como EUA e União Europeia.
É necessário debater qual será a posição brasileira frente a projetos chineses como a Nova Rota da Seda e as disputas territoriais no Mar do Sul da China.
Há também que se considerar as mudanças no cenário político chinês, como a recém-aprovada possibilidade de reeleição indefinida do presidente Xi Jinping.
Política externa é pouco discutida nas eleições presidenciais do Brasil e dificilmente terá destaque na disputa atual, marcada pelos escândalos de corrupção e pela crise econômica.
Resta a esperança de que a gafe de Bolsonaro leve ao menos à percepção de seus concorrentes de que temas internacionais precisam ser tratados com seriedade.
O caminho da recuperação brasileira passa pela maior integração à economia global, mas num cenário de turbulência para o qual não há soluções fáceis.
Maurício Santoro