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Segundo relatório servidor federal inativo custa 15 vezes mais que aposentado comum

Parlamentares ganham serviço que tira dúvidas sobre Previdência

O atual sistema de Previdência no Brasil, além de comprometer a saúde das contas públicas e o pagamento das aposentadorias num futuro próximo, reforça a desigualdade entre categorias de trabalhadores.

De acordo com relatório produzido pela Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado, um servidor aposentado custa atualmente aos cofres públicos quase 15 vezes o que a União gasta com um aposentado da iniciativa privada.

Pelo relatório, em 2018, quem se aposentou pelo INSS custou aos cofres públicos em média R$ 6,4 mil, enquanto os servidores públicos da União aposentados, R$ 92 mil.

Isso acontece porque, apesar de o INSS ser responsável por dois terços do rombo de R$ 285 bilhões da Previdência, é formado por um contingente 30 vezes maior de beneficiários na comparação com o Regime Público da Previdência Social (RPPS), que paga as previdências privadas.

Ao segmentar servidores civis e militares, a diferença é ainda mais gritante. O rombo per capita de funcionários públicos foi de R$ 68,2 mil, enquanto o de militares, de R$ 148,8 mil.

O que explica a diferença

A diferença entre os dois universos explica-se, sobretudo, pelos benefícios mais altos do funcionalismo público.

No INSS, ninguém ganha acima do teto: atualmente em R$ 5.849 mensais. A realidade dos servidores é bem diferente.

  • Quem ingressou na administração pública até 2003 se aposenta com o valor integral do último salário;
  • Quem entrou depois de 2003 recebe a média de 80% dos maiores salários de contribuição.

“Os servidores se aposentam sem obedecer teto previdenciário e muitas vezes até ganham promoção antes de sair, como no caso dos militares”, afirma o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

“Isso não seria problema e nem causaria déficit se tivessem contribuído atuarial e corretamente ao longo de sua vida de trabalho e sobre salários tão altos quanto suas aposentadorias”, acrescenta.

Segundo relatório da IFI, o benefício médio concedido aos aposentados e pensionistas do Regime Próprio está na casa de R$ 9,5 mil por mês, sendo R$ 10,3 mil no regime militar e R$ 9 mil para os servidores civis — sete vezes o benefício médio do INSS, de R$ 1,3 mil. Há ainda os extremos: o benefício médio pago para aposentados do Poder Legislativo, por exemplo, chega a ser quase 19 vezes superior ao do INSS. No Judiciário, a média do benefício é quase 13 vezes maior.

Com a reforma da Previdência como bandeira, o governo terá pela frente o desafio não só de controlar a trajetória dos gastos públicos com os benefícios, mas de reduzir o abismo entre os regimes de aposentadoria pública e privada.

“Essa disparidade reflete a política salarial dos concursos, com regras diferenciadas para aposentadoria. A PEC [reforma da Previdência] que está em análise não irá eliminar essas diferenças, mas trará grandes mudanças”, explica o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto. “As regras de paridade e integralidade serão mantidas, mas todos os servidores terão de cumprir a idade mínima: quem entrou antes ou depois de 2003”, diz.

Pela proposta de reforma da Previdência que tramita no Congresso, atualmente na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, funcionários públicos terão de seguir praticamente as mesmas regras que os trabalhadores de empresas.

s homens deverão de ter 65 anos para se aposentar e as mulheres, 62. Todos deverão contribuir por 25 anos, sendo dez anos como servidor público e cinco anos no cargo em que se der a aposentadoria. Para quem está perto de se aposentar, está prevista uma regra de transição.

“A diferença total não vai acabar, mas será muito reduzida, principalmente no caso dos servidores públicos civis. Eles terão quase que o mesmo tratamento dos demais trabalhadores do Brasil”, afirma o economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Paulo Tafner, especialista em Previdência.

Peso da farda

O caso dos militares também é significativo. O déficit da categoria foi o que cresceu em ritmo mais acelerado no ano passado: 16%; o rombo do INSS avançou 7%; e o dos servidores, 2,5%.

Além de pesar nas contas da União, a categoria também pressiona as finanças dos estados: a despesa anual com policiais e bombeiros já se aproxima de R$ 80 bilhões e compromete, em média, 12,5% da arrecadação dos impostos, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea).

De acordo com o levantamento, o número de inativos já é quase igual ao de ativos. Em alguns estados, o número de policiais militares e bombeiros aposentados já é maior do que os profissionais na ativa. No Rio Grande do Sul, por exemplo, há dois inativos para cada ativo.

O projeto de lei que muda a aposentadoria dos militares – que tramita separado da reforma da Previdência – está na Câmara dos Deputados. A proposta prevê que o tempo de serviço dos militares suba dos atuais 30 para 35 anos. Segundo o Ipea, retardar a idade para a categoria geraria em dez anos uma economia de R$ 28,6 bilhões aos cofres públicos.

‘Primeiro passo’

Apesar de boa parte do mercado aguardar a reforma da Previdência como a grande salvação para retomada da confiança e reaquecimento da atividade econômica, Felipe Salto destaca que é o primeiro passo que país voltar aos trilhos do crescimento.

“As desigualdades do país são resultado de problemas estruturais, que não vão ser resolvidos em uma canetada”, afirma. “É preciso, além de mudar as regras da Previdência, que haja a melhora do desempenho de setores que agregam mais valor, para os salários sejam melhores, por exemplo”, acrescenta.

O ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco diz concordar. “Não é porque vai ter [reforma da] Previdência que, no dia seguinte, vai amanhecer um caminhão de dinheiro. O simbolismo é grande, ela é bastante importante, mas é apenas o começo”, afirma.

João Borges e Anna Carolina Papp

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