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O BRASILEIRO É MAL ACOSTUMADO POR TER ÁGUA EM ABUNDÂNCIA

CATARATAS DE FOZ DO IGUAÇU

O brasileiro está “mal acostumado” a ter água em abundância, afirmou o diretor de planejamento do Ministério da Água do Marrocos, Abdeslam Ziyad. O gestor está em Brasília para o 8º Fórum Mundial da Água, que tem programação aberta ao público até a próxima sexta-feira (23).

Ziyad representa uma nação habituada ao clima desértico e baixo volume de chuvas anual. O cenário é bem diferente do Brasil, detentor de mais de 10% da água doce do planeta – e que, mesmo assim, passa por crise hídrica.

Uma em cada seis cidades brasileiras corre risco hídrico, segundo estudo apresentado durante o evento.

Mesmo assim, o Distrito Federal sofre cortes no abastecimento por falta de água nos reservatórios.

A situação não se repete em regiões marroquinas como Marrakesh, cidade em região semi-árida próxima ao deserto do Saara e que sediou a primeira edição do Fórum Mundial da Água, em 1997.

Por isso, tanto autoridades como cidadãos brasileiros precisam, para Ziyad, aprender com a “cultura da escassez”. Sem chuvas abundantes, o Marrocos prevê, com anos de antecedência, os sistemas de captação e abastecimento de água.

“Não são apenas obras. Existe um planejamento antecipado para orientar a sociedade civil sobre o uso da água. Empresas e cidadãos pagam tarifas altas se desperdiçam.”

A vantagem é que o brasiliense pode acompanhar diariamente a situação dos reservatórios. A Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Ambiental do DF (Adasa) divulga, todos os dias, os níveis das barragens de Santa Maria e do Descoberto.

O morador de Marrakesh, sede do primeiro Fórum, não tem a mesma facilidade: o órgão regulador da bacia hidrográfica local disponibiliza os volumes das represas apenas para pessoas cadastradas.

Dados do Ministério da Água marroquino mostram que metade dos recursos hídricos do país está concentrada em apenas 7% do território – quase sempre, na região mediterrânea. No restante do Marrocos, onde o deserto predomina, a população local é abastecida por aquíferos no subsolo.

A tecnologia remonta à Idade Média. Os povos que viviam na região próxima a Marrakesh perfuravam o solo em busca de água. Construíram canais com os recursos hídricos dos aquíferos da região: os khettara.

Os métodos se desenvolveram, mas o Ministério da Água marroquino ainda destaca as captações nos aquíferos do país. “A água subterrânea continua como uma de nossas prioridades para o abastecimento”, afirmou Zayid, diretor de planejamento da pasta.

O desafio, segundo o governo do Marrocos, é garantir o abastecimento por outros meios, especialmente para a agricultura. O país tem usinas de dessalinização da água do mar, e o número de reservatórios no país mais do que dobrou desde os anos 1990.

O Ministério da Água local, porém, preferiu exibir os resultados dos investimentos em reutilização durante o Fórum Mundial. Segundo dados publicados pelo órgão marroquino, o número de estações de purificação de água saltou de apenas um, em 2003, para 93 em 2017.

Esse método, no entanto, não deveria atender o consumo humano, ressaltou Zayid. “Nós sempre priorizamos a água potável em nossas políticas”, afirmou. O governo marroquino prevê que a água reutilizada abasteça a agricultura. Hoje, somente 12% desse recurso chega aos agricultores.

Em racionamento de água há mais de um ano, Brasília é a cidade mais chuvosa a sediar o Fórum Mundial da Água.

Os órgãos de meteorologia das oito nações que receberam o evento mostra que, por ano, o volume médio de chuva é maior na capital brasileira do que em qualquer outra antiga sede.

A cidade menos chuvosa, segundo o levantamento, é justamente Marrakesh, sede da primeira edição do Fórum Mundial da Água, em 1997. Lá, chove apenas 281,3 milímetros por ano, em média – apenas 18% dos 1.525,9 mm esperados anualmente para Brasília.

O cálculo envolve o valor acumulado, em média, a cada ano. Assim, mesmo com a estiagem entre meados de maio e outubro, a capital do Brasil registra volume maior por conta das fortes chuvas no período chuvoso.

Em outras cidades, como Haia (Holanda) e Kyoto (Japão), chove constantemente ao longo do ano, mas em quantidade menor do que em Brasília.

Diante dos exemplos marroquinos e da crise hídrica, o professor José Francisco Gonçalves Júnior, especialista em ecossistemas aquáticos pela Universidade de Brasília (UnB), admitiu: o Brasil pecou em achar que nunca faltaria água. Segundo ele, o estado não se preparou para estiagens atípicas.

“A maioria da classe política atribui a crise às mudanças climáticas. Até tem uma razão de ser, mas a escassez não se explica só com isso. Falta planejamento para enfrentar os chamados ciclos longos, quando o clima atinge situações extremas vistas a cada dez ou 50 anos, por exemplo.”

Além do planejamento para situações críticas, Gonçalves apontou o descuido com o meio-ambiente como uma das razões para a crise hídrica. “As áreas ao redor dos rios, lagos e nascentes ficaram desprotegidas com o desmatamento das matas marginais”, diz.

Gonçalves cita regiões do DF como Águas Claras, onde, segundo ele, construções foram feitas sobre uma área rica em fontes de riachos. “Os prédios construídos ali selaram as nascentes.”

Esta é a oitava edição do Fórum Mundial da Água, realizado a cada três anos em um país diferente. A primeira edição ocorreu em 1997, em Marrakesh, no Marrocos, e a última em 2015, em Daegu, na Coreia do Sul.

O evento ocorre na semana do Dia Mundial da Água, comemorado nesta quinta-feira (22).

O encontro deste ano traz o tema “Compartilhando Água”. O objetivo, segundo os organizadores, é estabelecer compromissos políticos e incentivar o uso racional, a conservação, a proteção, o planejamento e a gestão da água em todos os setores da sociedade.

Em Brasília, o 8ª Fórum Mundial da Água reúne representantes de 175 países, entre cientistas, governantes, parlamentares, juízes, pesquisadores e demais cidadãos. A programação segue até sexta-feira (23).

Lucas Vidigal

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