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O nosso papel no orgulho da evolução humana

Direito de imagemGETTY IMAGES Image caption Pesquisa mostra que o orgulho tem uma função evolutiva importante

O orgulho é a perdição de muitos heróis trágicos. Mr. Darcy precisou deixá-lo de lado para conquistar o amor de Elizabeth Bennet, no romance de Jane Austen.

Dante Alighieri o imortalizou como um dos sete pecados capitais. E como o famoso provérbio adverte: “A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda”.

Somos lembrados a todo momento que o orgulho nos torna, na melhor das hipóteses, pessoas desagradáveis. E, na pior delas, mal vistas.

Mas pode ser que ele não mereça essa reputação tão negativa.

Novas evidências mostram que esse sentimento tem uma função evolutiva e desempenha um papel importante na maneira como interagimos com o mundo ao nosso redor.

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Isso faz sentido. Demonstrações de orgulho podem ser observadas em diferentes culturas e idades, mesmo em crianças pequenas.

E são geralmente representadas por uma atitude característica e inconfundível: postura ereta, braços para o alto e cabeça erguida.

Uma pesquisa conduzida por Jessica Tracy, professora de psicologia da Universidade de British Columbia, no Canadá, e autora do livro Pride: The Secret of Success (Orgulho: O Segredo do Sucesso, em tradução livre), mostra que essa atitude é reproduzida até mesmo por pessoas cegas desde o nascimento.

Sentimento de progresso

Essa constatação também sugere que o orgulho faz parte da nossa formação evolutiva – ou seja, não é algo ensinado socialmente.

De acordo com um novo estudo, quando pretendemos sentir orgulho de algo é porque esse sentimento evoluiu para nos proporcionar – e às pessoas à nossa volta – benefícios sociais.

Leda Cosmides, professora de psicologia evolutiva da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, nos EUA, explica que, nas sociedades de caçadores e coletores nos primórdios da humanidade, era essencial convencer os outros de que seu bem-estar era importante.

O trabalho que ela e seus colegas conduziram indica que o orgulho que sentimos ao realizar uma tarefa difícil, ou nutrir uma qualidade específica, é um poderoso motor evolutivo.

“Se você for investir tempo em cultivar uma habilidade específica, vai estar melhor cultivando habilidades que outras pessoas valorizem”, diz ela.

E uma maneira de mostrar que você tem um mérito é demonstrando o orgulho que sente dele.

A manifestação do orgulho “dá visibilidade ao sucesso”, aponta Daniel Sznycer, professor de psicologia da Universidade de Montreal, no Canadá, e principal autor do estudo. “Caso contrário, não sei quais são suas conquistas e quanto devo valorizá-lo”, explica.

Em um estudo anterior, publicado em 2017, Sznycer, Cosmides e seus colegas realizaram experimentos em 16 países – dos Estados Unidos ao Japão.

Em cada país, um grupo de participantes recebeu a descrição de um indivíduo com atributos desejáveis – como educação ou aparência jovem – e teve de responder o quão positivamente avaliaria aquela pessoa.

Outro grupo foi questionado sobre o nível de orgulho que sentiria em ter aquelas qualidades.

Os pesquisadores constataram que a intensidade do orgulho que os participantes previam sentir estava em sintonia com a admiração que outras pessoas tinham pelo mesmo atributo.

Em outras palavras, se achamos que algo vai nos deixar orgulhosos, é porque realmente vamos ter a aprovação dos outros – o nível de orgulho que sentimos por uma conquista está em consonância com o quão valiosa ela é para outras pessoas.

Recompensa social

“A intensidade do sentimento [de orgulho] é uma medida de quanto o mundo social vai te valorizar se você fizer aquilo”, diz Cosmides.

“Esses sentimentos são sinais para seus mecanismos de tomada de decisão. Eles avaliam quais serão os benefícios sociais.”

Mas havia um problema na pesquisa: todos os participantes eram membros de sociedades industrializadas com exposição constante à mídia.

Isso significava que era impossível dizer se essa sintonia do orgulho era fundamentalmente uma característica humana evoluída, ou algo que foi aprendido por membros de uma cultura global.

Para descobrir, os pesquisadores realizaram um segundo estudo, publicado no início deste ano.

Eles entrevistaram 567 pessoas de 10 sociedades indígenas diferentes da América Central, América do Sul, África e Ásia.

Assim como na pesquisa anterior, perguntaram a um grupo o quão positivamente avaliariam alguém com qualidades específicas, enquanto o outro grupo respondeu sobre o nível de orgulho que sentiria ao ter aqueles atributos.

Os resultados foram claros: o orgulho que os participantes previam que poderiam sentir se fossem fortes, bons contadores de histórias ou capazes de se defender correspondia de perto à admiração que essas qualidades despertavam.

Embora seja impossível ter certeza, o resultado sugere fortemente que a relação entre orgulho e valor social evoluiu como “parte da natureza humana”, diz Sznycer.

“Já sabíamos que o orgulho ajuda você a chegar ao topo, mas não exatamente como isso acontece”, afirma Joey Cheng, professor de psicologia da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, nos EUA, que não participou da pesquisa.

“Esse estudo chega para mudar esse cenário.”

Vaidade sob controle?

Mas se o orgulho é uma parte tão vital de como interagimos com o mundo ao nosso redor, por que é visto de forma tão negativa?

De acordo com Cosmides e Sznycer, o problema surge quando o orgulho é maior do que o verdadeiro valor social de uma conquista. Isso pode gerar ressentimento, não admiração.

Nesse caso, sob uma perspectiva evolucionista, “é quase como se a pessoa dissesse: ‘Você deveria estar dando mais peso ao meu bem-estar’, e eu dizendo: ‘Acho que não'”, compara Cosmides.

“O orgulho precisa estar muito bem calibrado com o quão positivamente as outras pessoas vão perceber você.”

Jessica Tracy diz que o segredo é saber diferenciar o orgulho arrogante – associado à agressividade, baixa autoestima e poucas amizades – do que ela chama de “orgulho autêntico”, que é o que sentimos quando cumprimos nossas metas e fortalecemos nossa autoestima.

“Muita gente pensa apenas no ‘orgulho ruim’… que orgulho é arrogância, vaidade, auto-obsessão”, afirma.

Mas as pessoas que se orgulham genuinamente de seus sucessos transitam muito bem pelo mundo: “Têm ótimas relações sociais, costumam ter autoestima elevada, são intimamente ligadas a seus parceiros de relacionamento, possuem perfis ideais de personalidade”, acrescenta.

Cheng e Tracy observaram isso em estudos sobre o orgulho em atletas. Aqueles “que eram mais orgulhosos, confiantes, bem-sucedidos e se sentiam realizados acabaram sendo os mais respeitados da comunidade”, diz Cheng.

Mas isso só é verdade se seus sentimentos são baseados em realizações genuínas, não em narcisismo ou orgulho arrogante.

O segredo, de acordo com Tracy, é se concentrar em atingir certas metas ou qualidades, em vez de tentar alcançar o reconhecimento propriamente dito.

Ser narcisista não é o ideal – mas que tal uma dose saudável e bem fundamentada de orgulho?

Vá em frente e aproveite.

Não é à toa que você foi “programado” para ter esse tipo de sentimento.

Talya Rachel Meyers

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