Sempre que deparo com um tema que esteja sendo execrado pela bancada evangélica, trato de colocar a barba de molho.
Foi assim com a PL 122 e tem sido assim com o Plano Nacional de Educação (PNE), que trata das diretrizes para a educação no País. Pastores e padres engrossaram o coro que levanta suspeitas acerca do que tem sido chamado por eles de “ideologia de gênero”.
Deixando de lado as mentiras propagadas pelos que se dizem porta-vozes e defensores dos valores da família, o fato é que o novo PNE tem vinte metas e está calcado na Lei 13.005/2014 com catorze artigos.
Nenhuma meta e nenhum artigo se referem à “ideologia de gênero”. Repito, nenhum.
A única vez em que a palavra “sexual” surge no texto é na Meta de número sete, cujo objetivo é o de fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades.
A Meta 7 apresenta, ao todo, 36 estratégias. A palavra “sexual” só aparece na estratégia 23, conforme transcrita abaixo:
“Garantir políticas de combate à violência na escola, inclusive pelo desenvolvimento de ações destinadas à capacitação de educadores para detecção dos sinais de suas causas, como a violência doméstica e sexual, favorecendo a adoção das providências adequadas para promover a construção da cultura de paz e um ambiente escolar dotado de segurança para a comunidade.”
Repare que não se lê absolutamente nada sobre uma tal “Ideologia de Gêneros”, tampouco se diz que o Estado, por meio da escola, induziria as crianças a seguir alguma orientação sexual, seja hétero, homossexual, bissexual ou transgênero, como tem sido amplamente divulgado nas redes sociais.
O que é lamentável é que as pessoas entram na pilha dos agitadores sem ao menos buscar se inteirar sobre o assunto. “Querem destruir a família!” vociferam, provocando uma avalanche de revolta infundada.
Segundo eles, a tal “Ideologia de Gênero” seria onda ideológica que se alastraria nacionalmente, por meio dos planos estaduais e municipais de educação com o afã de doutrinar as crianças, convencendo-as de que elas não teriam formação sexual definida, que meninos e meninas poderiam escolher sua identidade de gênero e orientação sexual.
Espalharam até que as crianças seriam estimuladas sexualmente através da masturbação, e fazendo-as aceitarem como normais práticas como a pedofilia, o incesto, a zoofilia, a necrofilia etc.
Segundo os oponentes da PNE, a tal “ideologia de gênero” seria uma imposição totalitária, ditatorial, visando a implementação de uma sociedade marxista, ateia, perversa, iníqua, através de conceitos falaciosos, antinaturais e esdrúxulos que adoeceriam a vida humana, tornando-a numa aberração imoral.
Que vergonha! Por que usar mentiras para convencer a sociedade a não aceitar um plano de educação que visa melhorar a qualidade do ensino no País? O que estaria por trás disso? Que interesses sórdidos isso esconderia?
Será que tem a ver com o fato de que o plano pretenda oferecer educação de tempo integral para pelo menos 25% dos alunos do ensino básico em pelo menos 50% das escolas públicas?
Que prejuízo isso poderia representar para as escolas confessionais católicas, que geralmente custam o “olho da cara”?
E quanto a garantir que todas as crianças e adolescentes de 4 a 17 anos com necessidades especiais tenham acesso à educação básica com atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino? Com que interesse isso esbarraria?
Quanto custa garantir educação a um portador de necessidades especiais hoje em dia?
E por fim, uma das metas que mais desafiam certos interesses é garantir que 10% do Produto Interno Bruto (PIB) seja usado na educação pública. Adoraria saber quantos deputados das bancadas religiosas foram bancados por grandes conglomerados de colégios particulares.
Para estes, melhor seria que o ensino público seguisse sucateado, de péssima qualidade, para que os pais se vissem obrigados a recorrerem ao ensino privado.
As diretrizes do Plano Nacional de Educação, bem como as propostas dos planos estaduais e municipais apontam numa só direção: menos violência, mais tolerância e mais respeito, inclusive à diversidade humana, tanto étnica, quanto sexual.
Hermes Carvalho Fernandes
É pastor, escritor, conferencista e teólogo com doutorado em Ciências da Religião.