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Por que os imigrantes brasileiros têm a maior incidência de HIV em Londres?

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O psicoterapeuta José Resinente, 48 anos, dos quais 24 em Londres, no Reino Unido, já perdeu as contas de quantas vezes atendeu gays brasileiros em busca de apoio para lidar com a descoberta de que tinham contraído uma doença que atinge mais de 35 milhões de pessoas no mundo inteiro.

Estima-se que, atualmente, apenas na capital britânica, 45 mil homens que mantenham relações sexuais com outros homens (gays, bissexuais e simpatizantes) tenham HIV, o vírus causador da Aids, dos quais 6,5 mil não sabem que estão infectados.

E a cada 100 novos pacientes diagnosticados com o vírus, sete são brasileiros.

Trata-se do maior porcentual entre os estrangeiros que vivem na cidade, à frente dos espanhóis, italianos e americanos, segundo dados do Public Health England, órgão ligado ao Ministério da Saúde britânico.

Oficialmente, os brasileiros são a 28ª maior população estrangeira da cidade (30 mil) – mas acredita-se que o número seja bem maior, pois o dado não leva em conta os que vivem ilegalmente no país.

Mais da metade dos brasileiros diagnosticados com HIV (56%) contraiu o vírus ao passar a viver no Reino Unido.

“Muitos vêm procurar ajuda para lidar com o que o remédio não pode suprir: apoio psicológico. Muitos desenvolvem depressão e acham que a vida deles acabou”, diz à BBC Brasil Resinente, coordenador do projeto NAZ Vidas, braço em português da ONG britânica NAZ.

A NAZ ajuda estrangeiros vivendo com o HIV no Reino Unido.

COMO É A TRANSMISSÃO DO HIV

Mas por que os brasileiros são a minoria étnica com a maior incidência de HIV entre os estrangeiros que moram na capital britânica?
Interessado pelo assunto, que intriga especialistas de saúde sexual, Resinente decidiu ir atrás de uma resposta.

A busca acabou se tornando o tema de sua tese de doutorado na Universidade de Nottingham, no Reino Unido.

Com base nas informações coletadas até agora, Resinente começou a ter pistas que ajudam a explicar a alta incidência de HIV na comunidade gay brasileira em Londres.

Segundo ele, a prostituição e o consumo de drogas estariam entre as principais causas do problema.

Um estudo realizado em 2013 pela pesquisadora Louise Mc Grath-Lone, da Escola de Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade Imperial College London, mostrou que a prostituição masculina no Reino Unido é dominada por brasileiros.

De acordo com o levantamento, 39% dos profissionais do sexo vêm da América do Sul. Desse total, 97% são brasileiros.

“De um lado, há um número significativo de gays brasileiros que trabalha como profissionais do sexo. De outro, a relação sexual nem sempre é feita de maneira protegida sob a influência de drogas.

Quanto mais jovem, maior o risco”, explica Resinente.

Resinente explica que o chamado “chemsex” –ou o sexo sob a influência de drogas, como GHB (também conhecida como ‘G’), mefedrona, ketamina, metanfetamina ou cocaína– vem se tornando cada vez mais frequente na comunidade gay londrina.

Nessas festas, frequentadores consomem drogas ilícitas antes de manter “relações sexuais arriscadas”.

O especialista se concentra agora em analisar os resultados dos cerca de mil questionários preenchidos com o apoio da embaixada brasileira em Londres.

Paralelamente, se dedica a entrevistar presencialmente brasileiros que atuam como trabalhadores do sexo.

“É importante chamar atenção para isso.

O nível de incidência do HIV entre gays brasileiros é alarmante e precisamos entender a raiz do problema”, acrescenta.

Apoio psicológico

Segundo Resinente, em média, cerca de cem homens brasileiros –heterossexuais ou homossexuais– que moram em Londres vem sendo diagnosticados com o vírus HIV a cada ano.

Por isso, com o apoio do Ministério da Saúde brasileiro, Resinente criou uma campanha para alertar sobre a prevenção, o uso do preservativo e a importância do teste do HIV.

“A campanha combina distribuição de camisinha, testagem para o vírus HIV e tratamento ou acompanhamento médico caso necessário”, diz Resinente.

“Mas o medicamento só não basta. É muito importante o acompanhamento psicológico ao doente. Como o coquetel para HIV tem de ser ministrado de forma rígida para fazer efeito, temos de trabalhar o lado psicológico do paciente. Isso é muito mais importante do que o medicamento em si”, conclui.

Luis Barrucho

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