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Tratamento personalizado para síndrome nefrótica na infância

Tratamento personalizado para síndrome nefrótica na infância

Um estudo feito na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) reúne esforços de pesquisa clínica e básica em síndrome nefrótica na infância com foco em pacientes submetidos a transplante renal. O objetivo é identificar o perfil de mutações genéticas relacionadas à doença e, a partir daí, antecipar diagnósticos, fornecer bases para decisões médicas mais precisas e aprimorar o aconselhamento familiar.

Os primeiros resultados da investigação, que integra um Projeto Temático apoiado pela FAPESP, foram publicados na revista Transplantation. O trabalho foi comentado na mesma edição, com os editores destacando características do estudo, entre as quais a opção por trabalhar exclusivamente com casos em que a síndrome evoluiu para doença renal crônica terminal e houve necessidade de transplante.

Segunda causa mais frequente de doença renal crônica em crianças, a síndrome nefrótica costuma ser tratada com corticoides, mas 15% dos pacientes infantis não respondem a esse tipo de medicamento. Esses casos podem evoluir para doença renal crônica terminal, exigindo procedimentos de diálise ou transplante.

“Se a porcentagem não parece alta, as consequências podem ser devastadoras. Em 40% das crianças transplantadas, há chance de perda do enxerto renal por recidiva da doença. No retransplante, a recidiva é praticamente certa, o que as torna dependentes de diálise para sobreviver”, disse Luciana Feltran, nefropediatra da Unifesp e primeira autora do artigo, à Agência FAPESP.

Sabe-se que uma parcela dos casos córtico-resistentes tem origem genética, o que torna primordial a identificação de mutações para melhor atender e tratar cada caso.

Feltran e grupos de pesquisa da Escola Paulista de Medicina (EPM), da Unifesp, liderados por Paulo Koch e João Bosco Pesquero – este último, coordenador do Temático apoiado pela FAPESP –, sequenciaram 24 genes relacionados à síndrome nefrótica, utilizando sequenciamento de nova geração. As amostras foram coletadas de 95 pacientes que passaram por transplante de rim antes dos 19 anos, excluídos os casos congênitos (em que os sintomas aparecem antes dos três meses de idade).

Foram identificadas 149 variantes em 22 dos genes sequenciados: 5 patogênicas, 20 possivelmente patogênicas, 80 possivelmente benignas e 44 benignas. Os genes PDSS2 e LMX1B não apresentaram variantes. O NPHS2, por sua vez, foi o gene com maior coeficiente de mutação.

“Verificamos que a síndrome nefrótica teve origem genética [hereditária ou por mutação] para oito pacientes [8,4%] e origem provavelmente genética para outros cinco [5,2%]. Os números estão de acordo com os dados mundiais para locais onde a consanguinidade entre pais não é grande, como Europa e Estados Unidos”, explicou Feltran.

O gene APOL1 foi analisado à parte dos demais, uma vez que não é tradicionalmente vinculado ao aparecimento da síndrome nefrótica, mas tem importância significativa na progressão da doença para o estágio terminal. Considerando as mutações de APOL1, mais oito casos (8,4%) seriam classificados como de origem provavelmente genética.

De acordo com Feltran, quanto mais se entender o que cada mutação causa ao paciente (a correlação entre genótipo e fenótipo), melhor. “Por exemplo, se determinada variante provoca síndrome nefrótica precoce que evolui lentamente para doença renal crônica – sendo que na literatura científica nenhum paciente com tal mutação respondeu ao tratamento com corticoides, não há registro de recidiva após transplante e a transmissão é recessiva –, nesse caso podemos evitar o uso de medicamentos com inúmeros efeitos colaterais e planejar um transplante de provável sucesso, inclusive considerando os pais como eventuais doadores renais.”

A pesquisadora conta que, hoje em dia, sem esse apoio da genética, todo o tratamento e o preparo do transplante é feito “às cegas”. Sabe-se apenas que, de um lado, há a possibilidade de não haver resposta à terapia com medicamentos e, de outro, chances de recidiva após o transplante, incertezas que afligem famílias e equipes médicas.

Grupo singular de pacientes

Os 95 casos que integraram o estudo foram acompanhados por no mínimo seis meses no Hospital Samaritano de São Paulo ou no Hospital do Rim da Unifesp. Os arquivos médicos forneceram aos pesquisadores informações demográficas e clínicas, posteriormente checadas em entrevistas realizadas com as famílias.

Entre os dados coletados estão idade do surgimento da síndrome nefrótica, momento em que a doença atingiu a fase crônica terminal, ocorrência de anormalidades extra-renais associadas, histórico familiar, biópsia renal (se realizada), data do transplante, tipo de doador (vivo ou falecido), recorrência da doença e perda do enxerto.

O passo seguinte foi coletar amostras de sangue dos pacientes, para a realização de sequenciamento genético, análises de bioinformática, validação e análises estatísticas.

“O grupo reuniu casos em que a doença foi mais grave, com perda de função renal, e sobre os quais se tem o histórico da síndrome. Foi um grupo ideal para a correlação genótipo-fenótipo”, disse Feltran.

De acordo com a pesquisadora, tal correlação foi o que permitiu que se conhecesse e estudasse muitas das proteínas envolvidas na barreira de filtração glomerular – estrutura agredida nos casos de síndrome nefrótica, tenha ela origem genética ou não –, fator que, no futuro, deve auxiliar na busca por tratamentos mais eficazes para a doença.

Outra singularidade do grupo estudado foi o fato de reunir um grande número de crianças transplantadas. “Isso porque São Paulo recebe pacientes de vários estados do Brasil para a realização do procedimento. Com apenas dois hospitais de referência, conseguimos uma quantidade de casos superior à de muitos trabalhos multicêntricos internacionais”, disse Feltran.

Rede nacional

Os resultados obtidos no estudo com crianças submetidas a transplantes em breve integrarão uma rede nacional voltada ao diagnóstico da síndrome nefrótica na infância.

“A ideia é que o Projeto Temático dê origem a um centro capaz de criar pontes como essa, entre pesquisa clínica e básica, notadamente em biologia molecular e genética”, disse Pesquero.

O lançamento da Rede Brasileira de Síndrome Nefrótica na Infância (ReBraSNI) está previsto para o próximo Congresso Brasileiro de Nefrologia Pediátrica, que será realizado em Curitiba, em abril.

“Queremos atrair outros pesquisadores brasileiros da área de nefropediatria e compor uma facility não apenas em termos de estrutura e serviços, mas principalmente para colaboração em pesquisa”, disse Pesquero.

FAPESP

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