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Clima de convulsão política deve prolongar recessão econômica

Foto de arquivo

Depois de um dia caótico em Brasília, a Bolsa de Valores de São Paulo abriu estável nesta quinta-feira. Da mesma fora, o dólar registrava uma leve queda, mostrando que o momento já era esperado por agentes financeiros. De qualquer forma, a grave crise política desatada após a delação de Joesley Batista envolvendo o presidente Michel Temer criou um clima de incertezas sobre quais serão, a partir de agora, o rumos da economia brasileira. Passada uma semana das denúncias, os efeitos colaterais ainda não estão claros, mas entre os economistas ouvidos pelo EL PAÍS há um consenso: o novo cenário de turbulência deve adiar novamente a retomada econômica. “Este novo momento mina a confiança de empresários e consumidores, reduz os investimentos, além de diminuir as perspectivas de aprovação das reformas econômicas independentemente se Temer continuar no cargo ou cair”, explica o doutor em economia Juan Jansen, sócio da 4E Consultoria.O economista dá por certo que a reforma da Previdência não deve conseguir avançar até as eleições de 2018.

A medida é considerada fundamental para colocar as contas públicas em ordem e impulsionar a volta do crescimento da economia brasileira. “O quadro econômico vai piorar sensivelmente. A nossa expectativa é de queda de crescimento nos próximos dois anos, o que vai postergar investimentos e também a queda do desemprego”, afirma Jansen.

Zeina Latif, da XP Investimentos, segue a mesma linha. “Sem saber o que vem pela frente, como os consumidores vão gastar e os empresários vão investir? Essa turbulência toda vai ter um preço”, diz.

Até estourar a tormenta política, a maioria dos agentes financeiros apostava que, ainda neste ano, o Brasil sairia da maior recessão das últimas décadas, que soma nos últimos dois anos uma queda do PIB de mais de 7%. Muitas previsões, entretanto, passam a ser revistas para baixo.Temer também contava com forte apoio do mercado financeiro e de empresários, entusiasmados com o andamento das reformas trabalhista e da Previdência no Congresso. Sob suspeita, a crise de confiança fez o otimismo com o peemedebista “garantidor de reformas” se evaporar.

“Pelas declarações recentes, nada será votado a curto prazo até que se defina a situação de Temer. O impasse adia toda questão do ajuste fiscal, que por sua vez compromete a trajetória de queda dos juros, anulando o único bom sinal que a economia teve em 2018”, explica o economista Paulo Picchetti, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre). Desde outubro do ano passado, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) vem reduzindo a taxa de juros. Nas duas últimas reuniões, a queda foi de 0,75 ponto porcentual em cada, fechando a Selic em 11,25%. A inflação sob controle também vinha garantindo a redução acentuada. Agora, porém, o quadro de incertezas pode diminuir o o tamanho das reduções.

Para a consultoria Tendências, diante do novo cenário político e seus desdobramentos econômicos, o BC deve reduzir a velocidade da queda dos juros e levá-los a um patamar de 9% até o fim do ano, longe dos 7% estimados por alguns economistas antes das denúncias contra o presidente. A consultoria também projeta um crescimento de apenas 0,3% para este ano e não descarta a possibilidade de que a economia brasileira permaneça em recessão.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM- RJ), informou nesta semana que a Casa deve retomar a votação do projeto da Previdência entre os dias 5 e 12 de junho. Partidos de oposição têm dito, no entanto, que vão tentar obstruir as votações até que Maia avalie os pedidos de impeachment contra Temer. Apesar de tentar minimizar os efeitos da delação sobre a economia, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, admitiu que o cronograma de votações poderá realmente sofrer atrasos.

Agências de risco em alerta

A crescente incerteza sobre os rumos do país preocupa as agências de risco, que já ligaram o sinal de alerta após as denúncias contra o presidente. A agência de classificação de risco Standard & Poor’s anunciou, nesta semana, que colocou a perspectiva de crédito soberano do Brasil em observação negativa. Já a Moody’s afirmou que as denúncias contra Temer prejudicam a perspectiva de crédito do país e ameaçam “reverter o positivo momento político e econômico observado recentemente.

Apesar do clima de incerteza, Marcel Balassiano, pesquisador da FGV, avalia que, depois do pico de volatilidade no dia da notícia da delação de Joesley Batista, os indicadores econômicos não pioraram. “No dia do baque da notícia, o dólar passou de R$ 3,14 para 3,40. Na sexta-feira, já recuou para 3,25 e manteve o patamar. O risco país subiu 60 pontos, mas hoje já recuou quase 30. A bolsa também vai se recuperando aos poucos”, diz o pesquisador.

Na avaliação de Balassiano, quanto mais o país ficar em compasso de espera, mais complexa será a retomada econômica. “Hoje a melhor saída seria a mais rápida, a renúncia de Temer, mas também é a menos provável. O rumo da economia depende da velocidade que esse momento conturbado seja resolvido. O mais importante é que, diante de qualquer cenário, as agendas de reforma não se percam”.

A consultoria americana Eurasia atribuiu no início desta semana a probabilidade de 70% de o presidente Temer cair, acima dos 20% estimados desde dezembro de 2016. Segundo o relatório divulgado pela agência, o cenário mais provável  é que a saída do presidente ocorra “rapidamente”.

Para Latiff, o grau de incertezas é tão grande, que  ainda é cedo  para apostar na probabilidade dos possíveis cenários. A economista acredita, no entanto, que numa perspectiva de médio prazo, quando houver uma clareza maior sobre o rumo da Presidência do Brasil, certamente haverá uma forte pressão para seguir as reformas que irão ajudar na retomada econômica. “Já existe uma consciência  das lideranças políticas da necessidade das reforma. Quando acabe a turbulência, o Brasil tem como reverter o quadro atual, qualquer que seja o desenho do Governo”, acredita a economista-chefe da XP Investimentos.

No caso de uma eventual queda do presidente, a economista acredita que o melhor caminho seria a convocação de eleição indireta. “Na hora da crise, você precisa se apegar à Constituição ou a situação pode se agravar ainda mais. Chamar eleições diretas iria ferir a lei”. O pior cenário agora é o do compasso de espera, paralisado, segundo a economista. Mas, os protestos de rua podem alterar a velocidade dos acontecimentos no Congresso. A forte reclamação, para além dos que não querem reformas,  é que elas estão sendo debatidas de modo açodado, ainda mais por um Governo que vê sua credibilidade evaporar a cada minuto.

Heloísa Mendonça

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