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‘A educação é um trabalho que precisa ser feito em equipe’, diz melhor professor do mundo

Peter Tabichi na escola Escola Secundária Keriko Mixed Day Foto: Liam Hall / Fundação Varkey

Em uma aldeia no Vale do Rift, no Quênia, leciona o melhor professor do mundo. Peter Tabichi, de 36 anos, foi o vencedor do Global Teacher Prize, considerado o “Nobel da Educação”, anunciado em março. A escolha foi direcionada pelo trabalho desenvolvido por ele na Escola Secundária Keriko Mixed Day. Em um contexto adverso, Tabichi transformou a vida de alunos na pequena vila de Pwani com suas aulas de ciências e matemática, despertando a autoestima dos estudantes e promovendo convivência harmoniosa entre alunos de diferentes tribos locais.

O educador está no Brasil para participar, amanhã, do seminário “Professores que transformam e a valorização do docente”, organizado pelo Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (Ceipe) da FGV, no Rio. Em entrevista ao GLOBO, Tabichi, que doa 80% do salário para a comunidade onde vive, defendeu a importância da família na educação e falou sobre como o professor pode ser um diferencial em meio à precariedade.

Por que acha que foi escolhido como o melhor professor do mundo?

Sinto que esse prêmio é para todos os professores, especialmente para os da África. Não sinto que essa conquista seja algo pessoal. E devo dizer que esse também é um reconhecimento para os meus alunos, porque eles trabalharam duro e continuam trabalhando arduamente e, por meio desse prêmio, também foram reconhecidos.

Que tipo de práticas implementou na sua escola?

Tento integrar a tecnologia o máximo que posso em minhas aulas, e uso tecnologia de baixo custo para ajudar os alunos a visualizar conceitos científicos. Tento me certificar de que aprendam uns com os outros para incentivar a colaboração e o trabalho em equipe. Com o objetivo de melhorar a baixa autoestima deles, criei um clube para desenvolver seus talentos e fortaleci o Clube de Ciências na escola. Participamos de feiras e concursos e recebemos reconhecimento nacional, o que contribuiu para maior autoconfiança e motivação. Mas, meu trabalho se estende além da escola; acho que ensinar sobre nutrição é importante na minha comunidade, temos desenvolvido diferentes práticas agrícolas, que podem ajudar a produzir cultivos de alta qualidade.

Com falta de investimento, o que pode fazer a diferença?

Todos nós, educadores, enfrentamos situações complexas, que vão além do investimento ou da falta dele. E posso garantir que qualquer situação exige que você tenha uma grande paixão pelo que está fazendo. Quando seus alunos percebem isso, a capacidade de ser resiliente, eles aprendem a valorizá-lo. Mas, se eles notarem que você perde o controle quando algo não dá certo, eles não o respeitarão. O investimento é fundamental, mas não é a única solução. Aumentar o orçamento ajuda a garantir que os professores sejam capacitados, permite que o sistema educacional seja atualizado e permite colocar a teoria em prática. Mas, para mim, a solução mais importante se chama “treinar a atitude”, ou seja, professores e alunos se concentram em trazer o melhor.

Você usa elementos tradicionais da sua cultura em suas aulas?

A vez da África chegou. Mas, sobre a minha escola, que é o que eu conheço melhor: é uma escola pública, com poucos recursos. Há apenas um computador em uma mesa, compartilhado pelo diretor e pelo professor, não há biblioteca, sala de professores, refeitório ou salas de aula adequadas. No entanto, estamos sempre olhando para nossa condição e especificamente a de cada pessoa, esse é o ponto de partida. Além dos modelos e métodos pedagógicos, cada aluno tem um grande talento e é capaz de descobrir a partir daí.

Na sua comunidade há muitas tribos diferentes. Como administra esses conflitos?

Estando muito próximo deles, interagindo com eles e, em geral, orientando-os por meio da razão. Eu sempre digo que um bom professor é aquele que faz mais e fala menos. Se você mostrar a seus alunos suas ações, eles acreditarão em você, não importa de onde você vem ou de onde eles vêm. Essa confiança e trabalho em equipe podem criar uma comunidade.

Você dá aulas em uma vila muito pobre. Como essa comunidade encara a educação?

Acredito que a educação é valorizada. Os alunos realmente querem se envolver quando percebem as oportunidades incríveis que a educação oferece e as portas que ela abre, não apenas em relação a uma vida melhor para eles e suas famílias, mas também para suas comunidades e para o mundo.

Como faz para despertar o interesse dos alunos em um contexto de adversidade?

Como muitos africanos, meus alunos vivem realidades muito adversas. Contudo, se eles descobrirem como são talentosos, nunca poderão ser detidos. Por isso, é importante que reconheçam seus talentos ainda jovens. Não devem esperar até ficarem mais velhos para saber o quão bons são. Eles têm um grande potencial e podem fazer grandes coisas, que transcendem qualquer adversidade. A família é fundamental para inspirá-los e apoiá-los. Nós, professores, não podemos pensar em educar se não contarmos com o apoio da família e da comunidade. Não podemos fazer isso sozinhos. A educação é obviamente um trabalho que precisa ser feito em equipe.

No Brasil, há muitas escolas sem a mínima estrutura. Que conselho daria para os professores que atuam nessas áreas?

Diria aos professores do Brasil para continuar trabalhando duro, para nunca desistir. Felizmente, não preciso lembrá-los de que ensinar é uma profissão maravilhosa, mas com muitos desafios. No entanto, esses desafios podem se transformar em oportunidades se os moldarmos. Temos de estar atentos a essas oportunidades, que podem ser pequenas, mas sem dúvida são aquelas que podem mudar o mundo.

Depois que você venceu o prêmio, algo mudou na realidade da sua comunidade?

Recebi a atenção, o reconhecimento das autoridades e da comunidade. E meus alunos também foram reconhecidos. A realidade é que até agora só tínhamos um computador que compartilhávamos entre professores, secretárias e alunos. Mas há muitas pessoas que agora querem nos ajudar e muitas já começaram a fazer isso. Acreditamos que todas as promessas que recebemos foram muito genuínas, começando pelo presidente do Quênia, que nos disse que construiria mais salas de aula. Eu ganhei o prêmio muito recentemente, mas sei que nos próximos meses, grandes coisas estão por vir para os meus alunos e minha aldeia.

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