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‘As crianças se abraçavam desesperadas’

Crianças foram separadas dos pais e levadas a abrigos como esse

“Diga a eles que não podem se abraçar!” Foi essa ordem, segundo Antar Davidson, que fez com que ele pedisse demissão na semana passada do emprego em um dos centros para crianças migrantes na fronteira entre México e Estados Unidos.

“Como ser humano, não posso fazer isso”, respondeu o filho de brasileiros nascido na Califórnia, que trabalhava desde fevereiro em um dos abrigos administrados pela empresa Southwest Key em Tucson, no Arizona.

Davidson falou à BBC News sobre seu último dia de trabalho no abrigo, que disse guardar em detalhes na memória. Os irmãos que emocionaram Davidson, disse, eram brasileiros e tinham 16, 10 e 8 anos. Haviam sido separados da mãe no dia anterior e estavam sendo informados de que teriam que ficar em alas diferentes, por causa da idade e do gênero.

O relato dele vem à tona em meio à polêmica causada pela política de “tolerância zero” imposta no início de maio pelo governo Donald Trump contra imigrantes ilegais. Mais de 2,3 mil crianças que ingressaram nos Estados Unidos de forma irregular foram separadas dos pais entre 5 de maio e 9 de junho.

Na quarta, o presidente decidiu assinar um decreto que põe fim às separações na fronteira. Mas as famílias inteiras serão detidas se entrarem de forma irregular no país.

Separação traumática

Segundo Davidson, os três irmãos brasileiros estavam desesperados com a ideia de mais uma separação. Eles se abraçavam e choravam copiosamente, enquanto os funcionários do abrigo gritavam ordens em espanhol, idioma que as crianças não entendiam bem.

“O rapaz de 16 anos ia ficar junto com os adolescentes. O menino de oito ficaria com as crianças mais novas. E a menina de 10 anos teria que ficar com as meninas da idade dela”, contou.


Image captionAções na fronteira, com separação de famílias, geraram críticas

Foi aí que Davidson teria sido acionado, por falar português.

“Eles me chamaram para reforçar a política de ‘toque zero’ do abrigo. Tinha que traduzir para as crianças que elas não podiam se abraçar”, contou.

Ele teria explicado, então, que o abrigo tinha como política não permitir que as crianças se encostassem.

“Quando eu cheguei ao local, vi essas crianças agarradas umas nas outras, chorando desesperadamente. Então eu falei ao mais velho: ‘Eu sei que a situação é difícil, mas é importante que você seja forte pelos seus irmãos mais novos'”, relatou.

A resposta do jovem de 16 anos o teria deixado sem palavras.

“Ele me olhou com lágrimas nos olhos e disse: ‘Como que eu posso ser forte numa situação como essa? Eu não sei onde a minha mãe está. Eu não sei o que fazer pela minha irmãzinha. Eu não sei quanto tempo vamos ficar aqui’.”

O filho de brasileiros disse que simplesmente baixou a cabeça, sem saber como responder. Foi nesse momento em que a chefe dele teria chegado gritando, em espanhol: “Diga a eles que não podem se abraçar! Diga que eles não podem se abraçar!”

“Eu a olhei nos olhos e respondi que sentia muito, mas não poderia fazer o que ela me pedia. Se eu ficasse lá (no emprego), continuariam a me pedir para fazer coisas que são imorais segundo os padrões globais, não apenas meus”, concluiu.

A diretora de comunicação do Southwest Key, Cindy Casares, defendeu a atuação dos profissionais do abrigo.

“O Southwest Key tem profissionais experientes e treinados para dar comodidade e orientação, e para ajudar os menores a se sentirem mais confortáveis. Abraçar é permitido”, afirmou em entrevista à CNN.

Aumento no número de crianças abrigadas

Em seu relato à BBC News, Antar Davidson afirmou que o abrigo em que trabalhava costumava ter cerca de cinco crianças ao mesmo tempo.

“Essas crianças eram instruídas que a separação era provisória, e chegavam lá mais calmas e preparadas.”

Após a política de “tolerância zero” ser adotada, o número subiu para 70, segundo ele.

“Notamos um aumento de crianças que não estavam preparadas para isso, que não tinham deixado suas casas sozinhas e que haviam sido separadas dos pais na fronteira e não tinham a menor ideia de onde estavam”, afirmou.

“Se crianças têm medo do escuro, imagina a sensação de ser separada dos pais num país novo, sem saber onde a família está. E são crianças de 5, 6, 7, 8 anos.”

A Câmara dos Representantes dos EUA deve começar a discutir nesta quinta uma série de reformas na política de imigração do país.

As propostas devem regulamentar a forma como famílias com crianças devem ser tratadas na fronteira.

Mas também há artigos que restringem a imigração legal ao país e que instituem um fundo para a construção de um muro na fronteira entre México e Estados Unidos.

BBC

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