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O último suspiro dos neo-conservadores

O ex-conselheiro de segurança nacional americano, John Bolton. — Foto: Gleb Garanich/Reuters
O ex-conselheiro de segurança nacional americano, John Bolton. — Foto: Gleb Garanich/Reuters
O ex-conselheiro de segurança nacional americano, John Bolton. — Foto: Gleb Garanich/Reuters

Na campanha de 2016, Donald Trump representava um desafio para a política externa defendida ao longo das décadas anteriores pelo establishment republicano. Desde o governo Reagan, especialmente durante os dois governos Bush (pai e filho), ela fora dominada pelo grupo conhecido pela alcunha de “neo-conservadores”, ou “neocons”, entre eles Paul Wolfowitz, John Woo e John Bolton (que deixou ontem o posto de conselheiro de Segurança Nacional do governo Trump).

Trump falava explicitamente em mudar a atitude intervencionista defendida pelos “neocons”, que levara às guerras no Afeganistão, Iraque e Síria. Eles eram atacados pelo estrategista Steve Bannon e pela extrema-direita nacionalista e racista que cercou Trump. O slogan que punha os Estados Unidos “em primeiro lugar” vinha acompanhado da retórica isolacionista. Os Estados Unidos deixariam de ser a “polícia do planeta”. Cada país que cuidasse de si.

Foi uma surpresa, portanto, quando Trump chamou Bolton há 17 meses para ocupar o posto que Henry Kissinger tornara estratégico fazia cinco décadas: conselheiro de Segurança Nacional. Bolton fora desprezado na formação da primeira equipe – segundo consta, não gostou do bigode.

Seus comentários duros na rede de TV Fox News, porém, convenceram Trump de que ele poderia ser a solução aos problemas trazidos pelos dois conselheiros de segurança nacional anteriores: Michael Flynn (derrubado pelo elo com a Rússia) e H.R. McMaster (que testava a paciência de Trump com conflitos recorrentes).

Apesar disso, era flagrante a incompatibilidade entre o discurso nacionalista e isolacionista de Trump e o intervencionismo de Bolton. O falcão que pusera o país no atoleiro do Iraque, criticava Barack Obama pela mão estendida ao Irã e defendia intervenção militar tanto lá quanto na Coreia do Norte mais uma vez se rendia aos encantos do poder.

Era previsível que, em vez de Bolton trazer consistência à política externa de Trump, as divergências contribuíssem para torná-la ainda mais errática e personalista. Os problemas começaram logo na saída quando, em vez da guerra que sempre defendeu contra a Coreia do Norte, Bolton se viu presa da aproximação entre Trump e o norte-coreano Kim Jong UN. Desde o início, foi contra. Desde o início, nada pôde fazer.

A principal vitória de Bolton no governo foi a saída dos Estados Unidos do acordo nuclear com o Irã. Ele sempre desconfiou dos aiatolás e defendeu ações militares para derrubá-los, postura idêntica à que tinha perante Saddam Hussein. Ainda defendia o ataque semanas atrás, quando os iranianos derrubaram um drone americano no Golfo, depois de terem voltado a enriquecer urânio além do limite permitido pelo acordo. Desta vez, não convenceu Trump, que preferiu evitar o conflito.

Trump sempre teve instintos mais apaziguadores. Pôs nas costas de Bolton a responsabilidade pelo fracasso na derrubada do ditador venezuelano, Nicolás Maduro, no início do ano. Para Trump, Bolton superestimou a força da aliança em torno do presidente-interino Juan Guaidó. Nas últimas semanas, Trump fez acenos de reaproximação ao Irã. Bolton não escondeu o descontentamento.

O fator imediato responsável pela queda de Bolton não foi nenhum desses, mas o Afeganistão. Desde o início do governo, Trump não consegue cumprir a promessa de retirar as tropas americanas do país, onde estão atoladas em conflito com os Talibãs desde a guerra que sucedeu os ataques terroristas de 11 de Setembro.

Nas últimas semanas, Trump aceitou uma aproximação dos Talibãs e chegou a convidá-los a uma reunião em Camp David, cancelada apenas depois que a imprensa ficou sabendo. Bolton, que sustentava ser um precedente perigoso receber “terroristas”, foi acusado de vazar a informação. Na segunda-feira à noite, sua saída do governo foi acertada numa reunião. Ele diz que pediu demissão. Trump, que foi demitido.

A queda de Bolton é uma vitória para o secretário de Estado, Mike Pompeo. Os dois viviam às turras. Pompeo foi o artífice da reaproximação com a Coreia do Norte e sempre esteve mais próximo das posições isolacionistas de Trump. Foi diretor da CIA, tem enorme familiaridade com a complexidade das questões externas e, ao contrário de Bolton, sempre defende Trump e o governo em público.

Um dos principais nomes cotados para suceder Bolton – o enviado à Coreia do Norte Stephen Biegun – é ligado a Pompeo. O outro, o coronel da reserva Doug McGregor, elogiou a atitude de Trump em relação ao Irã e, de acordo com o jornal Washington Post, já esteve até na Casa Branca discutindo a possibilidade de integrar o governo. Trump prometeu um substituto para a semana que vem.

Seja quem for o escolhido, a política externa americana agora terá um rosto mais uniforme, ditado acima de tudo pelo isolacionismo de Trump. Cresce a probabilidade de retomada das negociações nucleares com o Irã e de um acordo com a Coreia do Norte. Cai a de intervenções militares mundo afora. Bolton talvez tenha sido o último suspiro do intervencionismo “neocon” entre os republicanos.

Helio Gurovitz

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