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Preocupada com diversidade, Oxford cria programas para alunos pobres

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Malala Yousafzai, 21, é um exemplo de aluna que a universidade Oxford anda buscando. Veio de família pobre, chegou como refugiada ao Reino Unido e tinha boas notas. E com potencial para ser uma líder no futuro.

Para entrar naquela universidade, Malala contou com o peso do prêmio Nobel da Paz que ganhou em 2014. Ao chegar lá, encontrou muitos jovens promissores, mas poucos com a mesma origem que a sua: a maioria dos estudantes são filhos da elite britânica ou de milionários de outros países.

Agora, a instituição tenta mudar essa imagem e abrir espaço para jovens de menor renda e que venham de minorias, como negros, árabes, refugiados e jovens que cresceram em orfanatos. Em maio, a universidade anunciou a criação de dois programas.

Um deles oferecerá um ano de curso preparatório antes da graduação, para alunos com potencial, mas notas insuficientes. Serão 50 vagas por ano a partir de 2021. O outro, com 200 vagas, oferecerá planos de estudo e acompanhamento à distância.

O modelo de período preparatório foi implantado há três anos numa das 38 faculdades que formam Oxford, com bons resultados. A taxa de aprovação dos participantes foi de 70%.

A ideia foi importada do Trinity College, de Dublin, e é usada também nos Estados Unidos. Cambridge, outra cátedra tradicional, afirmou ter planos de um projeto similar em 2021.

“Estudantes de classes baixas não desenvolvem suas capacidades cognitivas da mesma forma que jovens ricos, devido à sua situação econômica, à qualidade da escola que frequentam e à cultura de aprendizagem da família”, diz Carlo Barone, professor de políticas educativas na universidade francesa Sciences Po.

“Será que um ano de treinamento é suficiente, sendo que os estudantes pobres acumularam 18 anos de atraso na formação, na comparação com os alunos mais ricos?”

Cerca de um terço dos estudantes de Oxford, cuja seleção exige notas elevadas em testes, cartas de referência e entrevistas, vem de escolas privadas. Entre a população britânica, 6% a frequentaram. A cada ano, são aceitos cerca de 3.200 alunos, selecionados entre mais de 20 mil candidatos.

“Em Oxford, o maior problema não é a [falta de] diversidade étnica, racial ou de gênero, mas o elitismo de classe”, diz a antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, que lecionou na pós-graduação da universidade e atuou na seleção de estudantes.

“Recebíamos alunos de famílias reais de vários países, filhos de presidentes, ministros, diretores de bancos”, lembra. “As elites se encontram ali e formam redes, que depois as ajudarão mutuamente a se perpetuar nessa posição.”

A adoção dos programas gerou temores de que alunos com notas melhores pudessem ficar de fora, possibilidade descartada pela instituição.

“Os candidatos terão de atingir os requisitos acadêmicos, não há rebaixamento de padrão”, diz Louise Richardson, vice-chanceler da universidade, cargo semelhante a vice-reitor, ao jornal The Guardian.

Embora pública, Oxford cobra anuidade dos estudantes de acordo com sua origem. Britânicos e europeus pagaram 9.250 libras anuais (R$ 45,8 mil) em 2019, valor que pode ser financiado por empréstimos do governo. Para estrangeiros, pode chegar a 35 mil libras (R$ 173 mil).

As críticas à elitização nas universidades públicas entraram na pauta dos “coletes amarelos”, na França. Desde 2006, o país reconhece aos cidadãos o direito a oportunidades iguais e oferece bolsas a partir de critérios como classe social e a situação financeira da família.

Apesar disso, apenas 1 a cada 10 estudantes franceses vindos de uma família de classe operária chega ao nível superior.

O número é ainda menor nas “Grandes Écoles”, as universidades francesas de elite, grande parte delas públicas.

Na École Normale d’Administration, que formou quatro presidentes franceses, incluindo Emmanuel Macron, somente 4,4% dos alunos vêm de famílias de operários, enquanto 68,8% deles são parentes de executivos e outras funções de alta remuneração.

No início de 2019, o governo francês criou um programa para atrair estudantes de outros países. No entanto, o pacote também instituiu uma alta na anuidade para estrangeiros. A taxa passará de 170 euros (R$ 745) para 2.270 euros (R$ 10 mil) na graduação, segundo o site France 24.

Um grupo de professores criticou a medida, por considerar que afastará alunos africanos de alto potencial. Segundo eles, os estudantes irão para China ou Índia e ajudarão esses países a avançar.

NO BRASIL

No Brasil, onde o contingenciamento de gastos federais com universidades gera protestos, a questão é aumentar o número de pessoas que chegam à faculdade.

Só 18,1% dos jovens de 18 a 24 anos cursavam o ensino superior em 2017, segundo o Censo da Educação Superior. Houve melhora: em 2000, esse percentual era de 9%. A meta do Plano Nacional de Educação é atingir 33% em 2024.

O avanço dos últimos anos foi motivado pela criação de programas como o Prouni (bolsas em instituições privadas), o Fies (crédito estudantil) e o Sisu (sistema de seleção unificada para universidades públicas), e pelo aumento do número de instituições federais. Elas passaram de 600 mil alunos em 2008 para 1,1 milhão em 2017.

Em 2012, foi criada uma Lei de Cotas, que reserva 50% das matrículas em instituições federais para quem cursou o ensino médio na rede pública — metade dessa cota deve ser direcionada para quem tem renda familiar de até um salário mínimo e meio (R$ 1.497).

No ano passado, 60,4% dos graduandos das federais haviam cursado o ensino médio em escola pública. O percentual de alunos negros (pretos e pardos) chegou a 51,2%.

No vestibular de 2019, a USP passou a dedicar 40% das vagas a alunos pretos, pardos ou indígenas de escolas públicas. A universidade também adotou o Sisu em 2016.

Além de facilitar o acesso, é preciso garantir condições para que o estudante consiga se manter. “Não adianta só dar a bolsa. O aluno pode precisar de ajuda pra comprar material, para alimentação, um reforço escolar. Procuramos dar esses apoios também, inclusive psicológico”, comenta Tales Andreassi, vice-diretor da Escola de Administração da FGV-SP.

“Cada jovem pobre que conclui o ensino superior é referência a outros que achavam não ter condições”, diz Naércio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper e professor da USP.

FolhaPress SNG

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