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Eileen Myles retrata em livro o mundo queer e de excessos

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Eileen Myles, 69, sempre teve certeza de que seria famosa. Achava que estouraria bem antes, levando em conta que se mudou para Nova York para tentar a carreira como escritora quase meio século atrás. Demorou mais: só aos 60 anos viu seu nome explodir na cena literária.

O motivo para a fama tardia foi a redescoberta do livro “Chelsea Girls”, publicado inicialmente nos Estados Unidos em 1994 e com nova edição em 2015. No Brasil, a editora Todavia lançou a obra em fevereiro (R$ 59,90, págs. 256). “A coisa interessante é que eu estava escrevendo o livro na maior parte nos meus 30 anos, sobre meus 20 anos, e que foi publicado nos meus 40 anos. É muito lento”, brinca.
“Chelsea Girls” é catalogado como ficção. Myles não faz questão de esclarecer o que é invenção e o que é realidade nos contos recheados de sexo, drogas, bebida e romance no mundo da artista lésbica que protagoniza as histórias.

“O valor do livro e a experiência não derivam de serem minhas memórias.”
É o caso dos ataques sexuais sofridos pela protagonista e por outra personagem no livro. “Eu pensava que, se eu tivesse informação e experiência sobre ser sexualmente atacada, isso teria que estar no livro. Então escrevi.”

“Chelsea Girls” demorou 14 anos para ficar pronto. A autora define o livro como um “On the Road”, de Jack Kerouac, só que para mulheres -o livro de Kerouac conta as aventuras de dois amigos mochileiros que fazem uma viagem regada a sexo e drogas.
“Naquela época, minha namorada e eu queríamos fazer um filme. Nós estávamos tão pobres e ferradas que pensei: vou usar exatamente o que estamos vivendo e filmar isso.”

Mas, para ganhar dinheiro e se manter como artista, ela começou a fazer performances. Além disso, também recorria à boa vontade das pessoas. “Todas as lojas no meu bairro davam crédito, os vizinhos emprestavam. Não sei se você consegue viver assim hoje, mas funcionava nos anos 1970.”
Em 1983, ela parou de beber e usar drogas. Escrever e memorizar as performances ficou mais fácil. “Chelsea Girls” nasceu assim, como um retrato de um momento em que Myles diz que queria viver “amplamente, perigosamente e romanticamente bastante.”

“Porque eu era mulher, queer, e pensei que ninguém sabia que nós existíamos assim.”
O livro também é um marco pela linguagem da classe operária e trabalhadora americana, com seu “inglês errado”, gírias e expressões que fugiam do vernáculo da época.
Para a escritora, essa foi a dificuldade que teve para ser publicada. “Parecia uma pessoa idiota que não sabia escrever, em vez de ser vista como uma pessoa que estava tentando criar uma vanguarda multiclasse. Agora, é uma das coisas das quais tenho mais orgulho.”

Hoje, Myles deixou para trás o passado de vacas magras e conseguiu acumular alguns prêmios literários, entre eles o Shelley, da Poetry Society of America, e o Lambda Literar Award, na categoria de ficção lésbica.
Virou também referência no debate sobre neutralidade de gênero. Ela, por exemplo, defende o uso do pronome “they” (eles) para se referir a qualquer pessoa.

“A linguagem é um lugar em que estamos constantemente vendo a influência do patriarcado”, diz.
“Quando eu comecei a ficar exposta ao pronome ‘they’, no início eu pensei: é estranho, porque é plural. Mas acho que tudo o que estou falando é plural.”

DANIELLE BRANT

Folhapress

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