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Escândalo sexual e suspeita de corrupção ameaçam prêmio Nobel de literatura

A secretária permanente da Academia Sueca, Sara Danius, que deixou o cargo - Reuters

A primeira mulher a presidir a organização que concede o Prêmio Nobel de Literatura foi forçada a deixar o posto nesta quinta-feira (12), na sequência de um chocante caso de abuso e assédio sexual que ameaça manchar uma das mais prestigiosas honrarias culturais do planeta.

Sara Danius, estudiosa da literatura que se tornou a primeira mulher a presidir o comitê do Nobel de Literatura, era secretária permanente da Academia Sueca desde 2015. A academia, criada em 1786, é responsável por conceder o prêmio desde 1901.

Danius, rosto público da honraria literária, foi derrubada de seu posto nesta quinta-feira (12), como parte de uma disputa que causou divisões amargas no conselho da instituição.

“O Prêmio Nobel já foi secretamente afetado, o que é um grande problema”, disse Danius a jornalistas. Ela demonstrou emoção ao falar sobre o assunto na noite de quinta, em companhia da aliada Sara Stridsberg, escritora que também ameaçou renunciar.

O escândalo ecoou nos escalões mais altos do governo. “Cabe à academia restaurar a fé e o respeito”, disse o primeiro-ministro Stefan Löfven a jornalistas. “É uma questão muito importante para a Suécia, e portanto é muito importante que essa instituição funcione”.

O caso surgiu em novembro, quando o jornal Dagens Nyheter noticiou que pelo menos 18 mulheres acusavam Jean-Claude Arnault, uma importante figura no meio cultural sueco, de assédio e agressão sexual.

Arnault é casado com a poeta Katarina Frostenson, que é membro da academia. E os dois dirigem juntos um clube cultural privado chamado Fórum, que recebia verbas da Academia.

O jornal noticiou que Arnault havia sido acusado em diversas instâncias de maus tratos a mulheres, no clube e em imóveis de propriedade da Academia, em Estocolmo e Paris, nos últimos 20 anos.

O jornal informou também que Arnault havia vazado informações sobre o ganhador do Nobel de Literatura sete vezes, desde 1996.

Numa assembleia realizada na semana passada, seis membros da instituição votaram a favor da expulsão de  Katarina Frostenson. Contudo, uma maioria de oito integrantes votou contra a proposta —resultado que gerou a crise que agora ocupa todo dia as manchetes dos jornais suecos.

Como consequência, três membros renunciaram a seus postos na semana passada. Entre eles, Peter Englund, predecessor de Danius como secretário permanente.

A polícia sueca está investigando as acusações de abuso. Arnault nega. Sua mulher concordou na quinta-feira em se afastar de todas as atividades da Academia.

Depois que surgiram essas acusações, Danius, 56, rompeu as relações da Academia com Arnault e contratou um escritório de advocacia para conduzir uma investigação sobre a conexão entre a instituição e o clube privado.

O escritório identificou supostas irregularidades financeiras e recomendou que a Academia apresentasse queixa à polícia, o que a organização não fez.

Do lado oposto ao de Danius na disputa, estão dois ex-secretários permanentes, Sture Allén e Horace Engdahl, que nos últimos dias fizeram declarações agressivas, acusando a Academia de reagir exageradamente às acusações e criticando Danius pela fraqueza de sua liderança.

Questionado sobre como os membros poderiam restaurar a reputação da instituição, um de seus integrantes, o escritor Anders Olsson, respondeu: “Não sabemos. Mas temos de falar mais uns com os outros”.

Para complicar as coisas, não existe mecanismo formal para que os membros da Academia, que tem 18 integrantes, renunciem. Eles são eleitos para mandatos vitalícios e, se optarem por deixar de participar, seus assentos ficam vagos até sua morte.

Antes mesmo do escândalo, já havia dois assentos vagos por membros inativos. Com os cinco afastamentos recentes, entre os quais o de Danius, a academia ficará reduzida a 11 membros ativos —um a menos que o quórum de 12 necessário para eleger novos membros quando uma cadeira vaga.

O rei sueco, Carlos Gustavo 16, sinalizou esta semana que poderia resolver o problema recorrendo à sua autoridade para alterar as regras da academia e, assim, permitir que membros renunciem e sejam substituídos.

Björn Wiman, editor de cultura do Dagens Nyheter, disse em entrevista sobre o escândalo, que “essa é uma grave tragédia para a vida cultural da Suécia”. E acrescentou que “a confiança do público na Academia talvez esteja abaixo do fundo do poço”.

“Sempre existiu o consenso de que o grupo era competente, justo, e de que seu juízo literário era sólido”, acrescentou Wiman. “Com esse escândalo, não se pode mais dizer que o grupo de pessoas em questão tem juízo sólido”.

Ebba Witt-Brattström, professora de literatura nórdica na Universidade de Helsinque, disse em entrevista que a queda de Danius se deve ao reacionarismo dos homens.

“O que eles fizeram foi orquestrar uma revolução palaciana, um golpe para se livrar dela, porque ela era muito teimosa”, disse Witt-Braström. “E eles não estão acostumados a mulheres teimosas.”

Ela mencionou como exemplo a romancista Kerstin Ekman, que deixou de participar dos trabalhos da Academia em 1989, em protesto contra o que definiu como defesa insuficiente do escritor Salman Rushdie, quando ele enfrentava ameaças de morte.

“Sara Danius realmente tentou abrir e, de certa maneira, renovar a academia”, disse Witt-Brattström, que foi casada com Engdahl. “Ela teve algumas medidas muito boas. Deveria ter tido mais alguns anos no posto”.

Svetlana Aleksiévitch, que recebeu o Nobel de Literatura em 2015, disse ao jornal Svenska Dagbladet que “aqueles que violaram as regras deveriam ser investigados”.

Ela disse ter aprendido com Dostoiévski que “os seres humanos são criaturas indignas de confiança, e por isso leis e regras são necessárias, para garantir que isso não se repita”.

Christina Anderson

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