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Flip 2017: 1º debate exalta literatura afrodescedente e escritor saúda escravos

Poeta e ensaísta, Edimilson de Almeida Pereira lembrou 'ancestrais' que construíram a Igreja Matriz de Paraty. Obra de Lima Barreto foi tema do encontro.

Ao saudar e pedir licença aos escravos que “construíram este templo” (no caso, a Igreja Matriz de Paraty) e exaltar a literatura afrodescendente, o poeta, ensaísta e professor Edimilson de Almeida Pereira foi aplaudido no primeiro debate da 15ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).

Já em sua primeira fala, Pereira afirmou que o espaço que recebe a programação principal do evento “remete a trabalhos de escravos do século XVII”, a quem se referiu como “ancestrais”.

Mais tarde, ao falar sobre o cânone afrodescendente (ou afro-brasileiro) – que difere do cânone brasileiro convencional, estruturado “a partir da Europa” – , afirmou que ele “não é novo, já está aqui desde que o primeiro escravo pisou nesta terra”.

Concluiu dizendo, sob novos aplausos: “O que esse cânone tem de fundamental é uma proposta crítica na qual as vozes dos excluídos demonstram o que elas têm a dizer em relação as várias esferas da vida social”. Nomeou como exemplo de “excluídos” os descendentes de indígenas.

E falou ainda que “o cânone afrodescendente pressupõe um espaço importantíssimo para a autoria feminina – de modo geral, o cânone [convencional] exclui mulheres”.

“É essa literatura que chamo de estrangeira”, disse, citando que ela “tem chegado pouquíssimo na universidade”, “o silêncio pesado do racismo e a herança escravocrata”. “A questão é: estamos preparados para a sua emergência?”

Homenagem (meio vazia) a Lima Barreto

O tema da mesa foi o homenageado da edição, Lima Barreto. Na noite anterior, ele já havia sido “protagonista” da abertura, em perfomance emocionada do ator Lázaro Ramos e “aula biográfica” da historiadora e escritora Lilia Scwharcz.

Chamado de “Arqueologia de um autor”, o encontro reuniu, além de Edimilson Pereira de Almeida, outros dois convidados: a crítica literária e professora Beatriz Resende e o professor de literatura Felipe Botelho Corrêa.

Este primeiro debate da Flip 2017 não estava cheio. No interior da Igreja Matriz, que sedia a programação principal do evento, dava para contar pelo menos 50 cadeiras vazias, das 450 disponíveis. Na fila de entrada, minutos antes de a conversa começar, uma frequentadora gritava ofecerendo um ingresso que tinha sobrando nas mãos.

Lima Barreto militante

Beatriz Resende disse que “custou para vir a homenagem” a Lima Barreto na Flip. “Este é o momento ideal. Estamos precisando, hoje no Brasil retomar, as críticas de Lima Barreto”, afirmou, especificando textos do autor que condenavam “a República, o Congresso incompetente e omisso, os deputados que praticam nepotismo com a maior facilidade”.

Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi aplaudida lembrar “colegas meus da Uerj [Universidade Estadual do Rio de Janeiro] que há quatro meses não recebem salário”. “Essa é penalizada por ser a primeira a abrir vagas de cotas e dar bolsas a cotistas. Porque costistas, como precisam de passagem para sair de lugares distantes, como Lima Precisava.”

Já Felipe Botelho Corrêa comentou a “literatura militante” do homenageado, que escreveu numa época em que “a literatura começa a ser mais popular aos recém-alfabetizados”. “Ele tinha um projeto literário muito claro de falar para o maior número possível de gente.”

Para o professor, a militância de Lima Barreto era “muito mais desse lado intelectual de usar esse meio de comunicação de massa para levar a literatura a um novo público”. Ao se dirigir àquela nova classe, em geral ocupante do subúrbio do Rio, o escritou passou a “falar de uma coisa mais leve, clara, oral”.

Cauê Muraro

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