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“Extrema-imprensa” e redes antissociais: as táticas bolsonaristas de destruição

Guerra a imprensa

A relação das pessoas com o mundo se torna cada vez mais estritamente dogmática: é verdade porque creio que seja verdade.

Os ataques virtuais à jornalista Patrícia Campos Mello da Folha de S.Paulo são mais um capítulo na estratégia bolsonarista de destruição da credibilidade da imprensa e de jornalistas.

No final de 2018, a Folha publicou uma série de reportagens sobre a compra de disparos no WhatsApp por campanhas eleitorais. Qualquer um que tenha acompanhado as eleições certamente percebeu como as redes sociais foram utilizadas de maneira bastante eficiente tanto para a consolidação de certos candidatos quanto para difamação e propagação de fake news.

A internet se converteu no novo campo de disputa política e, pelo menos no Brasil, este foi um terreno conquistado rapidamente por expoentes da extrema-direita. Quando Bolsonaro despontou como um nome viável para a presidência, ele já havia encontrado um solo fértil para sua retórica e estética do tiozão do pavê boca de esgoto.

Não podemos menosprezar o impacto das redes sociais nestas últimas eleições e, sem dúvida alguma, nas eleições futuras. A título de exemplo: neste ano, haverá eleições presidenciais nos EUA; segundo uma reportagem do The New York Times, Donald Trump, candidato indiscutível do Partido Republicano à reeleição, tem investido pesado nas redes sociais.

Ele gastou sozinho em quatro semanas entre abril e maio de 2019 mais em anúncios no Facebook do que todos os principais pré-candidatos do Partido Democrata. Está aí alguém que percebeu e tem explorado todo este potencial que foi o segredo de sua primeira vitória presidencial.

O nome da jornalista da Folha foi mencionado no dia 11 de fevereiro nesta palhaçada chamada CPMI das Fake News, com objetivos difusos e resultados até agora duvidosos.

Ao questionarem Hans River, ex-funcionário da empresa de marketing digital Yacows, suspeita de ter sido contratada em 2018 para realizar disparos no WhatsApp em favor de campanhas eleitorais, ele afirmou que havia sido enganado pela repórter, pensando que ela estava interessada em conversar com ele por causa de seu livro, que em nenhum momento ela mencionou que estava realizando uma investigação sobre disparos no Whatsapp e seu trabalho na Yacows, e, por fim, afirmou que a jornalista havia se insinuado para ele, ou seja, troca de favores sexuais por um furo de reportagem.

Sabemos que Hans River mentiu, e a própria jornalista revelou isto com prints e vídeos nas redes sociais, expondo todo o teor das conversas dela com River.

Entretanto, o projeto de destruição de reputações desconhece a verdade dos fatos, pois seu principal objetivo é justamente este: de contaminar o alvo de tal modo que aquilo que a pessoa diz nem sequer é ouvido. Não se trata de contestar ou refutar argumentos, mas de destruir completamente a credibilidade de quem os enuncia.

Sendo assim, prints, vídeos, provas ou evidências são despojados de qualquer poder de convencimento, posto que a própria fonte passou a ser permanentemente neutralizada.

Vale lembrar a frase muitas vezes enunciadas por Olavo de Carvalho, o guru ideológico deste governo: “Não puxem discussão de ideias. Investigue alguma sacanagem do sujeito e destrua-o. Essa é a norma de Lênin: nós não discutimos para provar que o adversário está errado. Discutimos para destruí-lo socialmente, psicologicamente, economicamente”.

A demonização da imprensa — chamada por militantes bolsonaristas de “extrema-imprensa” — vem atrelada a uma gradual destruição da própria ideia de que existam fatos, ou, em vez disto, de que os fatos tenham algum tipo de primazia para o nosso conhecimento da realidade.

E é aí que mais uma vez entram as redes sociais — ou redes antissociais, já que, em última instância, estes se tornaram espaços de uma interminável disputa ideológica —, onde tais distorções da realidade são propagadas repetidamente até o ponto de elas mesmas alçarem o status de verdade.

Henry Bugalho

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