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Propostas de Paulo Guedes inviabiliza criação de programas e precariza docentes

Uma das propostas apresentadas pela equipe econômica do governo Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional no início de novembro prevê a unificação dos pisos de investimento em saúde e educação não somente do governo federal, mas também dos estados e municípios.

A medida decorre da PEC do Pacto Federativo que, segundo o governo, prevê mais recursos e autonomia financeira aos entes federados.

Foram apresentadas ainda a PEC Emergencial, que cria mecanismos emergenciais de controle de despesas públicas para União, estados e municípios; e a PEC dos Fundos Públicos, que extingue a maior parte dos 281 fundos públicos e permite o uso de recursos para pagamento da dívida pública.

No orçamento federal, os pisos de saúde e educação têm de ser corrigidos pela inflação do ano anterior – conforme regra do teto de gastos aprovada em 2016 no governo do então presidente Michel Temer.

No caso dos estados, a Constituição diz que devem destinar 12% da receita à saúde e 25% à educação. Municípios, por sua vez, têm de gastar, respectivamente, 15% e 25%.

Com a nova proposta, governadores e prefeitos teriam um piso somado para as duas áreas. Ou seja, 37% no caso de Estados e 40% no de municípios. Com isso, poderiam redirecionar os recursos conforme a demanda local.

A medida é recebida com preocupação por especialistas em políticas públicas de educação que a veem uma clara tentativa de desmontar o Estado social.

Para o professor da Universidade Federal do ABC, Salomão Ximenes, a possível compensação orçamentária em educação ou saúde perverte o sentido de gasto mínimo constitucional nas áreas.

“O objetivo evidente é conter a elevação necessária e esperada das despesas em ambos os setores de políticas públicas”, diz o especialista, que rebate a justificativa de que é benéfica a ideia do investimento em uma ou outra área ser balizado pela demanda social.

“Esse argumento é falso por uma simples razão: tanto saúde como educação necessitam de mais investimentos e a PEC evita justamente isso ao colocá-las para disputar entre si, ao invés de disputar no orçamento e nas políticas tributárias e fiscal, permitindo assim a redução progressiva da arrecadação e do gasto.”

Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, prevê um impacto nocivo à sociedade: “Na prática, teremos uma disputa entre a liberdade e a emancipação das pessoas, que se dá pela educação versus a sobrevivência delas. Não tem nenhum sentido em termos de respeito à população”, adverte.

Cara entende que a lógica econômica de Paulo Guedes e do governo Bolsonaro aprofunda a já anunciada pelo economista e ex-ministro Antônio Delfim Netto, “de que a Constituição Federal não cabe no orçamento público, tese incorporada pelos governos Temer e Alckmin”, avalia.

“Na prática, o que se queria dizer é que o povo não cabe no orçamento público, o que é uma contradição enorme, já que é dessa parcela que vem as maiores contribuições, até mais do que as elites, até porque, pelo nosso sistema tributário regressivo, quem ganha mais paga menos e quem ganha menos paga mais”, atesta.

“Agora, com esse pacote econômico misturado a um pacto federativo, que significa a destruição do Estado brasileiro, Paulo Guedes e Bolsonaro dizem de forma veemente que eles não se importam com o povo, pregam a sua extinção. É a questão mais surpreendente na história da economia e da política brasileira, que choca parlamentares de diversas matizes ideológicas, a não ser aqueles que representam o mercado financeiro, que apoiam a ideia.

No cenário atual, esse pacote determina que o Brasil é o país que beneficia 200 mil famílias contra 200 milhões de pessoas. No passado esse número era menor, mas sempre foi alguns milhares contra muitos milhões, ou seja, não saímos da concepção de um País que sempre concentrou renda. O resultado disso vai ser um colapso social e um enorme caos econômico”, crava o especialista.

Municípios temem pelos compromissos educacionais

A proposta econômica deixa apreensivo o presidente da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), Luiz Miguel Martins Garcia, que também atua como dirigente municipal de Sud Menucci, cidade localizada no interior de São Paulo.

“A grande questão é que, na prática, muitos municípios já extrapolam esse porcentual dos 40% para cumprir suas responsabilidades. Nesse aspecto, é preocupante contar com a consciência de cada gestor para garantir as demandas educacionais”, afirma.

Segundo Garcia, podem sofrer impactos a ampliação do número de vagas escolares, os planos de carreira dos professores, a manutenção e implantação de programas escolares e o cumprimento dos planos municipais de educação como um todo, que tem suas metas pactuadas à luz do Plano Nacional de Educação.

Ximenes corrobora com a visão do gestor por entender que a proposta econômica elimina o caráter “suplementar” dos programas de alimentação, transporte, material didático e saúde, “além de transferir 100% da receita do salário-educação aos Estados, Municípios e DF”.

Ele também fala em uma “expressa desresponsabilização da União em financiar tais programas que devem ser custeados e desenvolvidos sem a participação federal”.

“Resumindo, é o fim desses programas federais custeados via FNDE. Como os recursos do salário-educação são insuficientes, sozinhos, para o custeio, isso significa propor um ‘desfinanciamento’ massivo de tais programas, induzindo a políticas cada vez mais focalizadas e restritivas”, alerta.

O especialista ainda entende que, ao “impedir” que os municípios cumpram a expansão de suas redes educacionais por uma restrição orçamentária, a PEC autoriza a criação de programas de compra de vagas na rede privada (vouchers), “ampliando a hipótese já presente na Constituição, mas restrita a situações excepcionais de falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando”. Nesses casos, o Poder Público fica obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.

“Na PEC do Guedes, passa a ser dever do poder público criar um programa para o atendimento de inscritos que demonstrarem ‘insuficiência de recursos’, quando houver ‘instituições cadastradas’ na forma de regulamento”, alerta.

Garcia chama a atenção para a importância da aprovação do novo Fundeb, com maior repasse da União ao Fundo. O gestor apoia as premissas da PEC 15/15, que tramita na Câmara dos Deputados, e prevê um salto inicial da complementação para 15% e uma progressão até chegar a 30%, em dez anos. Hoje, a União repassa 10% do valor total dos fundos nos estados e municípios.

A proposta do Fundo defendida pelo governo, no entanto, é mais reduzida. A orientação do MEC, em alinhamento com o Ministério da Economia, é que o repasse da União ao Fundeb chegue aos 15%, em uma escala progressiva de um ponto percentual ao ano, até atingir a marca, em cinco anos.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, declarou que um aumento superior ao índice só pode ser discutido mais para frente, condicionando a hipótese à melhora fiscal do país.

Extinção de municípios

Ainda no bojo do pacote de medidas econômicas, o governo sugere a redução do número de cidades no País, a partir de uma regra que prevê a fusão de municípios.

A ideia seria a de que municípios com menos de 5.000 habitantes e arrecadação própria menor que 10% da receita total sejam incorporados por municípios vizinho.

Um levantamento feito pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), de acordo com as regras apresentadas, mostra que 1.217 municípios poderiam ser extintos. A confederação criticou a possibilidade e questionou.

“O que aconteceria com as populações desses municípios se aprovado o previsto na PEC? A análise de uma cidade não pode ser realizada dessa forma.

Os principais indicadores a serem considerados devem ser a população e os serviços públicos prestados. Afinal, é para isso que serve o poder público – prestar e entregar condições básicas para que seus cidadãos possam progredir e produzir, pagar impostos e promover o crescimento econômico e social. Somente assim o Brasil pode se desenvolver”.

Daniel Cara e Salomão Ximenes apostam que o anúncio é uma espécie de “bode expiatório” para tirar a atenção das demais propostas do pacote econômico e aprová-las com mais facilidade. “É possível que o governo volte atrás como uma forma de dizer que eles são capazes de recuar”, alerta Ximenes.

Cara acrescenta que o tema deve entrar na roda de discussões políticas do País mas que, nesse momento, o debate é precipitado.

“O Brasil vai passar por um forte processo de reestruturação demográfica, isso é um fato. Só que isso deve gerar impactos concretos a partir de 2040″afirma, esclarecendo o que estará em debate.

“O tema da rearticulação de municípios, de discutir o fato de que o Brasil vai ter cidades fantasmas, é o que acontece nos EUA e na Europa.

Portugal, principalmente, já tem vários vilarejos incorporados uns aos outros, por se tratarem de municípios que, no início do século passado tinham 40 mil pessoas e, hoje, tem 500. Só que isso foi acompanhado de um processo democrático de debate sobre a incorporação, não foi de cima baixo.

Foram criadas políticas públicas para desconstruir o isolamento de diversos cidadãos, o que deve acontecer aqui de maneira mais profunda a partir de 2030, 2040”, atesta.

ANA LUIZA BASILIO

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