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‘Atenção, contém amianto’: STF julga futuro da polêmica fibra, comum em telhados no Brasil

Inspeção em fábrica baiana encontrou telhas de amianto quebradas oito dias antes de julgamento sobre o tema no STF

Em meio a diversas telhas quebradas, envoltas em poeira, ainda é possível ler a inscrição obrigatória: “Contém amianto: ao cortar ou furar, não respire a poeira gerada, pois pode prejudicar gravemente a saúde”. A imagem, fotografada em 2 de agosto, é a prova de uma irregularidade, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT): os fragmentos das peças de amianto podem liberar no ambiente elementos cancerígenos, que podem ser facilmente inalados.

O flagrante ocorreu em uma fábrica da Bahia, apenas oito dias antes do julgamento que pode definir o futuro do amianto no Brasil – nesta quinta, o Supremo Tribunal Federal voltou a julgar uma série de ações relacionadas à proibição do material.

Após o voto de Dias Toffoli, porém, o julgamento foi suspenso e deve ser retomado dia 17 de agosto. Segundo o ministro, “hoje, o que se observa é um consenso em torno da natureza altamente cancerígena do mineral e da inviabilidade de seu uso de forma efetivamente segura”.

O amianto é alvo de grande polêmica. Fibra mineral sedosa, é usado principalmente na fabricação de telhas e largamente empregado em residências populares. O setor do amianto calcula que metade das casas brasileiras tenham telhas de amianto. O país está entre os três maiores produtores do mundo.

Por um lado, organizações de saúde pública, como o Instituto Nacional de Câncer e a Fundação Oswaldo Cruz, propagam os riscos para a saúde em decorrência da exploração do amianto. Em 61 países, o uso do material já foi banido, justamente pela falta de segurança.

Já a cadeia do amianto afirma que a variedade produzida no Brasil oferece menos riscos e é trabalhada com alto padrão de segurança.

Ao final do julgamento no STF, um desses dois lados pode sair vitorioso. “Pode ser o fim do amianto no Brasil”, comemora a ex-auditora do Ministério Público do Trabalho Fernanda Giannasi, que atuou em fiscalizações na indústria do amianto por 30 anos.

Para a cadeia no amianto, no entanto, a proibição traria sérios prejuízos. “A decisão a ser tomada pelo STF terá enorme impacto sobre uma atividade que envolve 170 mil empregos, diretos e indiretos, em todo o território nacional”, afirmou em nota o Instituto Brasileiro do Crisotila, um dos subtipos de amianto.

Mina grande

O berço do amianto brasileiro é a pequena cidade de Minaçu, norte de Goiás. Em tupi-guarani, açu significa grande. O nome vem a calhar, já que ali está a maior jazida de amianto da América Latina, em operação desde a década de 1960. Toda a produção nacional tem origem no município e abastece fábricas brasileiras e também países como Índia, Indonésia e Colômbia. Só este ano, foram vendidas para o exterior 60 mil toneladas de amianto, por um valor de US$ 31 milhões.

“Se não houvesse essa mina no Brasil, tenho certeza de que o amianto já estaria banido no país. Mas essa jazida ainda tem potencial de produzir por muitas décadas”, afirma o procurador Luciano Leivas, gerente do Programa Nacional pelo Banimento do Amianto do Ministério Público do Trabalho.

Apesar da grandeza da mina, o amianto não está entre os principais produtos de exportação do Brasil. Este ano, ocupa a posição 251 do ranking de exportações, segundo dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviço. Sua importância econômica é local, para Goiás e Minaçu.

Já o número de fábricas que usam o amianto no Brasil está em queda. Hoje, restam apenas dois grupos principais. O maior é o Eternit, proprietário da unidade vistoriada na Bahia na semana passada e também da mina de Goiás. A empresa informou que não se pronunciará sobre o assunto.

Segundo Leivas, “o resultado dessa inspeção mostra que é materialmente impossível realizar gestão segura de uma substância que libera fibras invisíveis e cancerígenas”.

As demais companhias ou deixaram de operar ou substituíram o amianto por outras matérias-primas.

Depois de ser extraído em Minaçu e processado industrialmente, o amianto chega para trabalhadores da construção civil. Apesar do aviso de perigo impresso nos produtos, há quem não respeite os procedimentos de segurança recomendados. No YouTube, há diversos vídeos de pessoas cortando telhas de amianto sem proteção adequada.

“Aqui é vida real”, diz um pedreiro em um dos vídeos, enquanto corta uma telha de amianto, liberando muita poeira. Uma camiseta tapa o nariz e a boca. “Tá todo mundo mascarado”, brinca a pessoa que está filmando. Em seguida, o trabalhador alerta o câmera: “Cuidado com essa poeira, que dá câncer, pô. Sai para lá, é sério. Amianto é altamente prejudicial”.

Julgamento

No Brasil, é proibido produzir e comercializar amianto de tipo anfibólio, desde 1995. Já a variedade crisotila é liberada, desde que sejam seguidas determinadas normas de segurança. Alguns Estados e municípios, porém, decidiram banir todas as formas de amianto porque não acreditam ser seguro nenhum tipo de manipulação do material. É o caso de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco.

A maioria das ações que estão sendo analisadas no STF foram propostas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) contra essas legislações locais. O argumento é que os Estados não poderiam legislar sobre esse tema.

“O que quero mesmo é que o Supremo decida de uma vez por todas. Feito isso, para mim tá resolvido. Estou louco para me ver livre disso”, afirmou José Calixto Ramos, presidente da CNTI. Segundo ele, quando ingressou com as ações, a CNTI representava trabalhadores do setor do amianto, mas posteriormente foi criada uma associação específica. “Só que eu continuo com a responsabilidade, porque fomos nós que impetramos as ações”.

“Esperamos que o julgamento defina que as leis estaduais estão valendo. Vai ser um efeito dominó, porque aí não vai mais ter desculpa de que essa é uma matéria federal e que Estados não podem banir por conta própria o amianto”, diz a ex-auditora Giannasi. Para ela, uma decisão nesse sentido do Supremo viabilizaria a criação de leis de proibição do amianto nos demais Estados.

Já o setor do amianto espera que o Supremo declare inconstitucionais as legislações estaduais e, por consequência, volte a liberar o produto em todo território nacional. Afirma que o material é “importantíssimo para a construção civil por não ser inflamável, ter resistência mecânica superior a do aço, grande durabilidade, ser um excelente isolante térmico”.

Câncer

A Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc, na sigla em inglês), ligada à Organização Mundial de Saúde (OMS), afirma que “todas as formas de amianto são cancerígenas”.

O principal câncer relacionado ao amianto é o mesotelioma, que acomete membranas que revestem órgãos como o pulmão. É uma doença rara, que pode demorar até 40 anos para se manifestar a partir da exposição ao amianto e que mata em cerca de um ano. O diagnóstico da doença é muito difícil.

Entre 1980 a 2010, ocorreram 3,7 mil mortes por mesotelioma no Brasil, segundo estudo do médico sanitarista Francisco Pedra, da Fiocruz.

Além disso, a Iarc também relaciona o amianto a câncer de pulmão, laringe e ovário.

“Essa agência da OMS faz um levantamento de todos os artigos científicos existentes. Quando atesta que um agente é cancerígeno, é porque existem evidências científicas consistentes”, aponta Ubirani Otero, epidemiologista do Instituto Nacional de Câncer (Inca), ligado ao Ministério da Saúde.

Além de câncer, o amianto é relacionado à asbestose, uma doença que pode provocar enrijecimento no pulmão e dificuldade respiratória.

França, Alemanha, Inglaterra, Itália, Espanha, Portugal, Japão, Austrália estão entre os países que baniram o amianto. Vizinhos sul-americanos do Brasil também estão na lista: Argentina, Chile, Uruguai. Por outro lado, há quem permita o mineral, como Estados Unidos e Canadá.

“Esse tema sempre foi tratado de forma muito maniqueísta, com os defensores do banimento fazendo questão de difundir o medo, espalhando a ideia de que o amianto mata e que não é possível se fazer uso seguro dele”, defende o presidente do Instituto Brasileiro do Crisotila, Marcondes Braga de Moraes.

“Como aconteceu com tantos outros produtos no passado, é possível, sim, utilizar corretamente o amianto. O Brasil tornou-se referência mundial nesse sentindo, relegando ao passado os casos de adoecimento de trabalhadores por exposição ao mineral”, completa.

Nos telhados brasileiros

Quem trabalha na cadeia do amianto corre mais risco, por estar mais suscetível à inalação da poeira. Mas especialistas ouvidos  afirmam que a população em geral também está exposta, devido à grande presença de amianto nas cidades brasileiras.

“Não existe nível seguro de exposição, todo cuidado é pouco”, diz Ubirani, do Inca.

“A telha intacta não traz problema. É a fibra solta, que pode ser inalada, que oferece risco para a saúde. O problema é que há muito produto de amianto espalhado. A indústria pode controlar o ambiente de produção. Mas e na sociedade? O trabalhador da construção civil pode liberar fibra de amianto se lixar ou cortar aquela telha”, explica Rubia Kuno, gerente de toxicologia e saúde ambiental da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, que baniu o amianto em 2007.

“A caixa d’água e o telhado estão quietinhos lá. O risco de liberar fibra é menor. Mas em algum momento a caixa d’água pode ser esfregada, pode haver uma reforma no telhado de amianto, pode ocorrer algum acidente que rompa a telha, como inundação, desabamento, colisão de veículo”, complementa Francisco Pedra, da Fiocruz.

Segundo especialistas, quem possui caixa d’água de amianto ou telha de amianto não deve removê-las por conta própria. Em alguns países europeus, por exemplo, a retirada de material de amianto é feita por equipes especializadas, com equipamento de proteção.

Já o Instituto Brasileiro do Crisotila tranquiliza: “As telhas de amianto são usadas no Brasil há quase cem anos. Mais da metade das casas do país têm telhas com esta fibra. Ninguém nunca ficou doente por morar em uma casa com telha ou caixa d´água de amianto”.

Amanda Rossi

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