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Liderança na produção brasileira de cacau ‘volta para casa’.

Foto: Reprodução/ G1

A liderança na produção de cacau no Brasil voltou para “casa”. Na região amazônica do Pará, pequenos produtores se organizaram e buscaram melhorar o manejo da cultura para devolver o topo do ranking para o estado.

Mesmo sendo um produto nativo da Amazônia, durante muito tempo, falar de cacau no Brasil era lembrar da Bahia.

Mesmo com a decadência da cultura, provocada pelo fungo da vassoura de bruxa – que dizimou boa parte das plantações no final da década de 1980 – os produtores baianos seguiram firme na liderança da produção nacional.

Só que, em 2017 – pela primeira vez -, os produtores baianos perderam o posto. O Pará foi chegando e hoje divide o protagonismo da produção brasileira com a Bahia.

Segundo estimativas da comissão executiva do plano da lavoura cacaueira (Ceplac), os paraenses vão colher 135 mil toneladas de cacau em 2019, e os baianos, 130 mil toneladas. De acordo com a Ceplac, são quase 193 mil hectares plantados com o fruto. Um crescimento de 25% em cinco anos.

E para os próximos três anos, estimativa um aumento de 14% na área de plantada com cacau no Pará. O equivalente a 30 mil hectares. O cacau movimenta quase R$ 1 bilhão por ano no estado. O pico da safra de cacau no Pará vai de maio a setembro, mas tem fruto no pé o ano todo.

O agrônomo Paulo Henrique dos Santos, um dos coordenadores da Ceplac no Pará, explica que, por ser nativo da Amazônia, o cacau encontra na região tudo o que precisa para se desenvolver.

“A gente fala no retorno do cacau para suas origens. A área de cacau da Bahia é praticamente três vezes maior do que a nossa. Mas a produtividade do Pará é praticamente três vezes maior”, explica.

Outros fatores contribuíram para que o cacau deixasse de ser explorado no Pará de forma extrativista e ganhasse status de lavoura comercial. Um deles é a atuação da Ceplac no desenvolvimento e distribuição de sementes mais produtivas e resistentes.

E tem mais: no Pará, fungos, como o da vassoura de bruxa, não causam tanto estrago.

“Como nós temos aqui somente duas estações bem definidas, inverno e verão, nós temos mais facilidade de controlar essas enfermidades”, diz dos Santos.

Assistência técnica abandonada

Na Bahia, historicamente, o cacau sempre foi cultivado em grandes fazendas, mas no Pará o perfil das propriedades é diferente. O cacau é cultivado principalmente em pequenas e médias lavouras de 10 a 50 hectares, mais de 90% da colheita vem da agricultura familiar.

São produtores como o Rogério Machado, que trocou a cidade pelo campo apostando no crescimento das plantações do fruto. O agricultor de 50 anos chegou ainda bebê ao município de Altamira e fez a vida na cidade.

Ele está satisfeito com a produção, mas ainda espera melhoras na região, especialmente no apoio técnico.

“Nós não somos enxergados, infelizmente. Vários amigos que vieram comigo e desistiram pela dificuldade de um apoio técnico, de um apoio financeiro” reclama.

Por muito tempo esse apoio veio da Ceplac, mas Paulo Henrique dos Santos, explica que a instituição enfrenta grandes problemas, especialmente de pessoal.

“Para você ter ideia, a Ceplac não contrata ninguém desde 1986. Hoje, nós temos unidade da Ceplac que não tem sequer um profissional. O produtor hoje está muito carente, ele está plantando cacau lá sem um mínimo de orientação”, explica dos Santos.

A instituição concentra hoje os seus esforços para manter a produção e distribuição das chamadas sementes híbridas de cacau. Essa técnica deixa as plantas mais resistente ao fungo da vassoura de bruxa e a torna mais produtiva.

Todo ano, os produtores recebem sementes dos 30 híbridos produzidos nas estações experimentais da Ceplac.

Com essa diversidade, hoje, um fungo novo hoje dificilmente acabaria com toda uma lavoura, como aconteceu no passado.

Toda essa variedade veio de um tesouro guardado na região metropolitana de Belém: o banco de germoplasma do cacau – resultado do esforço de gerações de cientistas, que percorreram a floresta, em busca do maior número de variedades da cultura.

Preciosidade que também necessita de recursos. Os cacaueiros do banco de germoplasma exigem cuidados diários, e, hoje, falta gente também.

“O esforço que foi feito pelo governo brasileiro até este momento não pode ser desperdiçado”, afirma o chefe da Ceplac no Pará, Fernando Mendes.

Cooperativismo é o segredo

Uma das saídas encontradas pelos produtores para driblar a falta de investimento oficial na expansão da produção de cacau no Pará, foi a formação de cooperativas.

No município de Medicilândia, um grupo de agricultores está beneficiando o cacau para fabricar seu próprio chocolate. O jovem agricultor Bráulio Venturini entrega cerca de 25 toneladas de cacau por ano e é um dos diretores da cooperativa.

O presidente da cooperativa é Katsuohikao Kawai, mais conhecido como Jorge. Ele conta que a cooperativa foi criada em 2010 depois que uma usina que comprava cana-de-açúcar na região faliu.

“Era uma maneira melhor de ter uma verticalização, desde o plantio, até a comercialização do produto industrializado. Não foi muito fácil não e até hoje nós estamos aprendendo”, explica Kawai.

A cooperativa já tem quatro lojas no Pará e está negociando para inaugurar outras duas, em São Paulo e Brasília, e ainda fornece chocolate para um dos restaurantes mais famosos do Rio de Janeiro.

“Inclusive foi apresentado em Paris e nossa amêndoa foi classificada uma das melhores, 10 melhores do mundo”, comemora o presidente da cooperativa.

Cacau orgânico

O que também cresce no estado é a produção de um outro tipo de cacau, o orgânico. Quase todo cacau produzido no Pará vem de lavouras que utilizam métodos convencionais, mas existe um pequeno grupo de agricultores que se diferencia.

Quatro cooperativas trabalham nesse sistema: já são 150 famílias envolvidas na produção de cacau orgânico no Pará. Famílias como a de Raimundo Silva que, desde 2002, cultiva cacau em uma área de 12 hectares no município de Uruará.

A família tem 11 mil pés de cacau, que produzem entre 10 e 12 toneladas de amêndoas por ano. A produtividade média na área dele gira em torno de 1 kg por pé e não perde muito para a média das lavouras convencionais.

O que muda é o manejo. Para adubar o solo, prepara uma biocalda, um fertilizante natural, que, entre outras coisas, leva esterco, melaço e folhas de urtiga.

Já para o controle de pragas o defensivo natural é o biopeixe, que, como o próprio nome diz, tem os restos de peixe como ingrediente principal.

A certificadora exige que o cultivo atenda basicamente três critérios economicamente viável, ambientalmente correto e socialmente justo, como não pode ter trabalho escravo, não ter crianças trabalhando são alguns exemplo.

O produto é vendido para nichos de mercado na Europa, que pagam duas, às vezes, até três vezes mais por esse cacau orgânico certificado.

“O cacau é uma cultura que se identifica bem com a questão ambiental, a nossa região tem um potencial enorme”, afirma.

“Vamos mostrar para nós mesmos que na Amazônia existem pessoas preocupadas com a Amazônia que quer trabalhar de forma responsável e sem agredir o meio ambiente”, completa Silva.

Sustentabilidade

A expansão das lavouras de cacau na região da Transamazônica vem ocorrendo nas chamadas áreas alteradas, a floresta foi desmatada para extração de madeira ou para virar pasto, mas ainda tem capacidade de regeneração, que a produção do fruto estimula.

Como o cacau precisa de sombra, os agricultores costumam primeiro plantar bananeiras para garantir a sobrevivência das mudas e uma renda rápida.

Depois, a floresta se regenera e faz a cobertura necessária para o desenvolvimento dos cacaueiros. Às vezes, é preciso enriquecer a área com o plantio de espécies nativas, para conseguir a sombra definitiva.

“Nossa área era uma terra com 30 anos de pastagem, ela já sugou muitos nutrientes da terra, inclusive a formação da roça de cacau foi mais lenta, em torno de dois anos a mais eu demorei pra poder ter a lavoura produtiva”, explica o produtor Sérgio Trevisan.

Pioneiros

O agricultor Élido Trevisan, pai de Sérgio, é um dos pioneiros na produção de cacau do Pará. Ele veio do município de Tenente Portela, no Rio Grande do Sul na década de 1970, no rastro da abertura da rodovia Transamazônica.

Quando ele chegou na região ele não sabia que a cultura era mais produtiva na Amazônia ou que o controle de doenças era mais fácil. O motivo era outro.

“Uma das coisas que me motivou foi trabalhar na sombra. Todo mundo falava: o cacau cresce e a gente vai trabalhar na sombra. Ah, então eu vou nessa”, brinca.

Dois anos após chegar, ele soube que o governo andava oferecendo incentivos para quem quisesse plantar cacau na região. Trevisan enfrentou problemas para conseguir o financiamento para atividade, mas depois deslanchou.

Atualmente ele cultiva 50 mil pés de cacau em uma lavoura de 65 hectares no município de Medicilândia e alcança uma produtividade de dar inveja: 1,5 kg por pé, 0,5 kg a mais do que a média do estado.

Ele diz parte do sucesso ele diz que se deve aos tratos culturais, como poda e adubação. Ele também lista o sucesso dele ao fato de ter aprendido a driblar as muitas oscilações de mercado da atividade.

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