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DESABAFO DE WALDISIO ARAUJO

Confesso-me um desenraizado, não tenho amor a terra nenhuma, mas apenas ao meu planeta. Contudo, ao ver no Facebook, após a vitória de Dilma, certas manifestações raivosas sobre o papel do Nordeste e dos nordestinos nos resultados da campanha eleitoral 2014, tive que escrever a respeito, até porque tenho grande orgulho de vários de meus amigos do Sudeste e do Sul, particularmente os do meu amado Rio Grande do Sul.

Por favor, não levem a mal, mas tomem apenas como desabafo, coisas de quem ama…

Eu vivo num lugar onde é frequentes pessoas pedirem esmolas porque não tinham trabalho nem capacitação para ao menos tentarem fazer coisas que pessoas de outras regiões costumam chamar de “civilização”.

Quem não conhece o Nordeste não sabe o que significa ouvir dizerem no Sudeste e no Sul que a gente é um povo vagabundo, que não trabalha e que apenas recebe benesses de governo. Os militares da ditadura lucraram ao nos manter na miséria e os governos de direita subsequentes nos mantiveram na mesma não menos miserável miséria.

Votávamos em quem eles mandavam votar porque não tínhamos nada (aparentemente) a dar em troca para o resto do Brasil, exceto, talvez, nosso meramente quantitativo voto.

Hoje o Brasil ouve falar do que podemos, embora ainda ache que nós apenas sugamos o “trabalho” de quem geograficamente vive abaixo da Bahia.

Pensam o tempo todo que vivemos de “bolsa-esmola”, mas não percebem que só uma parcela ínfima do Nordeste precisa hoje disso.

Trezentos governos coronelistas, depois militares e depois neoliberais nos insuflaram que poderíamos ter algo se confiássemos na boa vontade dos governos que NÓS, no passado, ajudamos a eleger.

E de todos estes apenas os governos Lula e Dilma cumpriram ao menos parte da palavra que deram. Os outros nos fizeram pensar que, o que não tínhamos era culpa nossa, que não trabalhávamos; que éramos analfabetos; que éramos sub-humanos.

E, eis que hoje, vemos cidades a florescer no Sertão, vemos empresas do Sudeste e do Sul virem aqui lucrar com nossa mão-de-obra barata e nossos mercados pouco exigentes.

Mas vocês, nossos irmãos do Sudeste e do Sul, brasileiros como nós, por favor, entendam que sempre trabalhamos, suamos, e o produto de nosso suor e trabalho nós gastamos com seus produtos, torcemos para seus times de futebol, ouvimos sua música, assistimos a seus canais de TV, sonhamos com parte de seus próprios sonhos.

A parcela da população nordestina que recebe benefícios do Governo Federal é ínfima, muitos não-nordestinos também os recebem e nem por isso vocês têm pensado neles.

Não pensem que o Nordeste depende dessas migalhas para muita coisa, mas hoje sabemos que os três últimos governos nos têm mostrado mais preocupação para com nossos problemas estruturais e históricos, do que todos os anteriores juntos. Eles não nos DERAM, mas reconheceram nossa dignidade, e por isso votamos neles.

Vocês, brasileiros como nós, não sabem o que é ser chamado PEJORATIVAMENTE de “paraíba” no Rio de Janeiro, quando sabem que somos baianos, cearenses ou sergipanos; vocês não sabem como dói sermos chamados de “baianos” quando somos pernambucanos, potiguares ou paraibanos.

Antes de Lula e Dilma nem nordestinos de nove Estados nós éramos. Sermos cearenses (por exemplo) e sabermos que — para vocês — baianos e pernambucanos (que têm suas rixas), maranhenses e piauienses (que têm suas rixas) são “tudo a mesma coisa” talvez seja tão grave quanto chamarmos cariocas de gaúchos ou catarinenses de paranaenses…

Não, não digam que pagam impostos para nos sustentar, que uma parte do Brasil trabalha para sustentar vagabundos, pois gente que não trabalha existe em todo lugar do mundo e nem todo esse tipo de gente é inútil.

E da próxima vez que chamarem gente do Nordeste ou do Norte do Brasil (e da Itália, da China ou do Japão, entre outras) para cultivarem suas terras ou construírem seus aranha-céus, lembrem-se de que não nos teriam chamado se nos tivessem julgado “preguiçosos”.

Mas tudo bem, não vamos mitificar, há realmente defeitos terríveis nesses governos que nos têm dado algum valor (aliás, é a única coisa que nos poderiam dar), mas antes deles nem percebíamos que os governos controlados pelo Sul e Sudeste nos viam apenas como um obstáculo anteposto pela seca e pelo analfabetismo ao progresso do Brasil.

Hoje continuamos com seca, e provavelmente a teremos para sempre, mas já aprendemos aos poucos a conviver com ela, a perceber que ela também nos dá oportunidades, que a Caatinga sabe guardar água para reflorescer quando a chuva voltar.

E, acima de tudo, sabemos que temos um papel importante no país e que uma nação se faz com Pernambucos e São Paulos, e que 26 Rios de Janeiros e Rios Grandes do Norte (e do Sul) desaguem nesse imenso mar de gente chamado Brasil.

Talvez a economia nordestina tenha crescido porque estava lá embaixo, no seu mínimo, e a do Sudeste tenha estagnado porque havia chegado ao máximo que os parques industriais têm permitido.

Talvez possam culpar os governos Lula e Dilma por não terem criado condições para que as economias do Sul e Sudeste deslanchassem. Mas que culpa tem o Nordeste? Quando certa fábrica de calçados saiu de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, para estabelecer-se em Feira de Santana, na Bahia, foi culpa nordestina? Ou foi o fato de a mão-de-obra do Nordeste, LABORIOSA MAIS POUCO ESPECIALIZADA, ter se vendido mais barato para atrair empresas como a gaúcha?

Isso é ser preguiçoso e preferir receber benefícios governamentais para não trabalhar? A tal empresa continua gaúcha e nós, baianos, temos mais empregos e trabalhamos para gaúchos para a riqueza do Nordeste e do resto do país, incluindo o Rio Grande do Sul. Por que nos “culpar” pela vitória de Dilma, como se a vitória de algum dos candidatos fosse uma culpa ou que representasse necessariamente o pior para os destinos do país?

Por falar nisso, alguém conhece os destinos do país?

Fonte: WALDISIO ARAUJO

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