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‘Bacurau’ retrata contradições em faroeste no sertão com crítica à cultura de armas

Sônia Braga em cena de 'Bacurau' — Foto: Divulgação

Para ganhar o primeiro Prêmio do Júri de um filme brasileiro no Festival de Cannes, um dos mais renomados do mundo, “Bacurau” misturou a linguagem do cinema nacional com características de gêneros como ação e suspense.

Mas, mais do que isso, a produção que estreia nesta quinta-feira (29) no país atingiu seu sucesso ao brincar com as contradições de uma trama repleta de tiroteios, mortes e sangue que critica as mesmas armas no centro da história.

“‘Bacurau’ parece estar tendo uma repercussão internacional e no Brasil muito forte por ele pegar, de maneira muito honesta, questões que são reais e verdadeiras da sociedade”, diz ao G1 Kleber Mendonça Filho, um dos diretores da produção.

O cineasta divide o comando da produção com Juliano Dornelles, que foi seu diretor diretor de arte em “Aquarius” (2016) e “O som ao redor” (2012). Quem também retoma a parceria do trabalho de 2016 é a atriz Sônia Braga, que deixa para trás a posição de protagonista, mas ainda possui um papel de destaque na história.

Juntos, o trio parte de uma história bem específica sobre um povoado no sertão do Pernambuco em um futuro semi-distópico para contar uma crônica universal de união e resistência.

Sônia Braga em cena de 'Bacurau' — Foto: Divulgação
Sônia Braga em cena de ‘Bacurau’ — Foto: Divulgação

Duas caçadas

A Bacurau do título é um pequeno vilarejo no interior do estado que aprendeu a viver à margem do governo local.

O problema com o abastecimento de água logo parece um detalhe quando um grupo de forasteiros chega à região com intenções claramente sinistras, e os habitantes percebem que a comunidade desapareceu do mapa.

Curiosamente, a história de pessoas caçadas por poderosos à primeira vista encontra ecos em uma produção americana. “The hunt”(literalmente “A caçada”, em tradução livre), filme com a ganhadora do Oscar Hillary Swank (“Menina de ouro”), tinha estreia prevista para o final de setembro, mas foi adiado após novos tiroteios em massa nos Estados Unidos.

“Na história do cinema, isso não é novidade”, afirma Dornelles. “Trabalhar com o cinema de gênero a gente corre esses riscos de às vezes falar com a mesma gramática, mas eu não acredito que os filmes sejam parecidos. Porque um filme filmado por americanos nos Estados Unidos não tem como ser igual a ‘Bacurau’, que é tão enraizado nas nossas questões.”

Sônia Braga e Udo Kier em cena de 'Bacurau' — Foto: Divulgação
Sônia Braga e Udo Kier em cena de ‘Bacurau’ — Foto: Divulgação

Mensagem aberta

As diferenças, no entanto, não querem dizer que os cineastas descartem as influências dos chamados filmes de gênero, tão presentes em produções estrangeiras.

“(‘Bacurau’) É uma espécie de filme feito por amor ao cinema americano, inclusive. Agora, é claro que tem crítica à cultura de arma. Isso é uma outra coisa. Isso não é exclusivo dos americanos”, diz Dornelles.

Mas como um filme com tiros e armas pode ao mesmo tempo criticá-las? Em coletiva à imprensa, Mendonça Filho tinha falado sobre deixar o público de seus filmes chegarem às suas próprias conclusões.

“Quando eu escrevo um filme eu não penso em passar uma mensagem. Meus filmes têm conflitos que se anulam”, afirmou.

O roteiro da produção, assinado pela dupla, ilustra bem essas contradições. As mesmas armas que ameaçam o povoado nas mãos dos forasteiros são os instrumentos que dão aos habitantes do local a chance de se defender. O que não quer dizer que o diretor veja nelas a solução.

“Por mim estariam todas no museu, como acontece no filme”, diz o diretor.

Os diretores Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho e a produtora Emilie Lesclaux durante gravação de 'Bacurau' — Foto: Victor Jucá/Divulgação
Os diretores Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho e a produtora Emilie Lesclaux durante gravação de ‘Bacurau’ — Foto: Victor Jucá/Divulgação

Do Seridó…

Resultado de um projeto de mais de dez anos de planejamento, “Bacurau” foi rodado entre março e maio de 2018 no sertão do Seridó, região na divisa do Rio Grande do Norte com a Paraíba.

A comunidade potiguar de Barra, com suas aproximadamente 30 casas, serviu como “intérprete” do povoado, além de ceder parte da população como figurante.

“Para mim, teria sido impossível fazer esse filme em um estúdio, por exemplo”, conta a atriz Bárbara Colen, outra integrante de “Aquarius” que volta a trabalhar com os diretores.

“Essa possibilidade, de estar dentro do sertão, que como um lugar físico é um lugar que te muda muito, o tempo, os silêncios e tal, e estar em contato com aquelas pessoas.”

Bárbara Colen, no centro, em cena de 'Bacurau' — Foto: Divulgação
Bárbara Colen, no centro, em cena de ‘Bacurau’ — Foto: Divulgação

…para o mundo

Desde o prêmio em Cannes, o filme garantiu a distribuição em mais de 40 países, como Estados Unidos e Japão.

Pode ter perdido a chance de representar o Brasil como candidato a melhor filme internacional (o escolhido foi “A vida invisível”, de Karim Aïnouz, vencedor da mostra Um Certo Olhar, paralela ao evento francês), mas garantiu participação em festivais importantes, como o de Nova York e o de Toronto.

Para os atores Silvero Pereira e Karine Teles, a linguagem pop de um faroeste ajuda no reconhecimento do público estrangeiro, mas a força de “Bacurau” vai além.

“O grande xeque-mate dessa aproximação é não perder essa essência brasileira, que faz com que essa aproximação na verdade cause uma curiosidade e uma busca para de fato entrar nessa história brasileira”, afirma Pereira, ator conhecido também pela novela “A força do querer”.

“O filme está nascendo em um momento em que o mundo está pensando muito questão que são abordadas nele. Acho que isso ajuda”, diz Teles. Além de “Bacurau”, a atriz de “Que horas ela volta?” (2015) que pode ser vista atualmente em “Malhação”.

“As pessoas estão querendo discutir esse assunto. Há uma urgência em pensar sobre a forma com que a gente lida com a violência.”

G1

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