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Cannes anuncia competição pela Palma de Ouro

Oxigênio para a Croisette

Em fase de renovação para manter a potência do cinema de autor viva nestes tempos de NetFlix, o Festival de Cannes parece apto a cumprir a sua vocação septuagenária de surpreender o mundo ao anunciar, para sua seleção de 2018, agendada de 9 a 18 de maio, um time de novas promessas da direção, em vez de ficar refém dos medalhões de sempre. Há um cheiro de frescor na briga pela Palma de Ouro neste ano ainda sem latinos na briga pelo prêmio, que conta com 18 concorrentes selecionados de um total de 1906 inscritos: o Brasil está representado por “O Grande Circo Místico”, um ensaio metafísico de Cacá Diegues, a ser exibido hors-concours, em  tributo ao cineasta de Alagoas.

Ok, faltam divos e divas, mas tem Jean-Luc Godard no pacote, com “Le livre d’image”, porém tudo o que o semiólogo suíço não é – e isso desde  Acossado”, em 1960 – é um repetidor de si mesmo, o que estende para ele a sensação de novidade do cardápio do ano. Entraram, além dele, outros diretores de muito prestígio, como o iraniano Jafar Panahi, no páreo com “Three faces”. Mas a sua presença tem mais um viés ético do que estético: há anos, ele foi condenado a uma prisão domiciliar pelo Irã por suas críticas ao regime. O mesmo aspecto político justifica a seleção (mais do que bem-vinda) do novo Spike Lee: “BlacKkKlansman”, sobre um policial negro que consegue convencer a Ku Klux Klan a aceitá-lo em suas fileiras.

De resto, Cannes terá um tom de descoberta, neste ano em que o longa de abertura (em concurso) é “Todos lo saben”, drama pilotado pelo duplamente oscarizado iraniano Asghar Farhadi (de “A separação” e “O apartamento”), com Penélope Cruz, Ricardo Darín e Javier Bardem em meio a uma rixa amorosa. O júri será presidido pela atriz australiana Cate Blanchett, que terá pela frente uma série de nomes ainda não consagrados na Meca cinematográfica dos autores.

“Eu só soube na tarde de quarta que o filme estaria na seleção, mas fico muito feliz, pois, depois de tanto que este projeto demorou, é quase um presente para o projeto estar lá”, afirma ao JB Carlos Diegues, que entrou num programa especial, alheio à briga por prêmios onde entrou ainda o alemão Wim Wenders, com um documentário sobre o Papa Francisco e sua mirada renovadora para a Igreja Católica.

Renovação parece ser a palavra de ordem do festival que, até o dia 1º, receberá novas aquisições para se juntarem a cineastas promissores como a francesa Eva Husson, o russo Kirill Serebrennikov, o egípcio A. B. Shawky. Surpreende a presença entre os títulos em disputa um filme de gênero de um artesão do terror pop: David Robert Mitchell, consagrado no passado por “A corrente do mal” (2014), agora encarado como um possível ganhador da Palma com “Under the silver lake”, com Andrew Garfield. Falando de narrativas de gênero, esperam-se sustos e litros de sangue ainda de “Dogman”, de Matteo Garrone (o mesmo de “Gomorra”), numa recriação de uma onda de crimes na Itália.

A jovem guarda latino-americana não teve sorte (até agora) no pacote cannoise de 2018, mas a Ásia fez barba, cabelo e bigode, com nomes como os japoneses Hirokazu Kore-eda (“Shoplifters”) e Ryusuke Hamaguchi (“Asako I e II), o chinês Jia Zhang-Ke (“Ash is The purest white”) e o coreano Lee Chang-Dong (“Burning”s). E, nas sessões especiais, entrou o novo trabalho do aclamado Apichatpong Weerasethakul: “Dez anos na Tailândia”.

Essa estratégia do festival serve como um “cala a boca” aos que protestaram contra a onipresença de fariseus no evento (os irmãos Dardenne, Michael Haneke, Almodóvar), que flerta com Hollywood ao abrir uma première para “Solo: Uma história Star Wars”, de olho no sucesso da franquia de George Lucas. Ainda em respeito a grifes históricas, “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick, ganhará uma exibição em cópia restaurada, com direito a palestra do bamba inglês Christopher Nolan (realizador de “Dunkirk”) sobre a estética kubrickiana.

Ao fim da coletiva de anúncio dos filmes inéditos de seu cardápio, o diretor artístico de Cannes, Thierey Frémaux, lembrou que 1968 há de ser uma tônica para o evento deste ano na sessão de clássicos. Além do simbolismo político histórico da data, há o fato de a edição de 68 do evento ter sido suspensa, em sua abertura, durante a projeção de “Frapê de menta”, do espanhol Carlos Saura. Frémaux anunciou que o longa de Saura, com Geraldine Chaplin, vai integrar o pacote Cannes Classics, a ser divulgado na semana que vem. Nele, entra ainda “A religiosa” (1958), de Jacques Rivette.

RODRIGO FONSECA

 

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