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O diretor, à esquerda, registrou a morte de Alan e de outras três pessoas em seu documentário — Foto: HAKAWATI/BBC

A câmera, posicionada bem ao seu lado, continua gravando. Vemos enfermeiras movê-lo para outro quarto antes de gentilmente limpar seu corpo.
“Ninguém quer morrer, mas é algo natural. Estamos biologicamente programados para morrer”, diz o documentarista Steven Eastwood.
Seu filme “Island” (Ilha) expõe o processo da morte ao registrar as doenças terminais de quatro pessoas.

Não há previsão de estreia do filme no Brasil. O filme está sendo exibido no Reino Unido.

“A morte é vista como algo vergonhoso. Pensamos que somos uma sociedade progressista, mas reprimimos e negamos a morte”, diz o diretor. “Dizer que não queremos que aconteça é postergar algo que não queremos encarar.”
Ele foi um espectador silencioso do último ano das vidas dos personagens de seu filme, gravando-os em suas casas antes de terem de se mudar para um centro de cuidados paliativos em Isle of Wight, uma ilha na costa sul da Inglaterra.

“Precisamos de maior conscientização sobre a morte para nos familiarizarmos mais com nossa mortalidade. Não acho que isso seja um absurdo.”
Ele fala com carinho sobre o tempo em que viveu o cotidiano da instituição. “Há quatro pessoas de quem eu gostava muito lá – Alan, Roy, Mary e Jamie; três tinham 80 e poucos anos e um tinha 40 e poucos.”

O diretor viajava 5 horas para o centro de cuidados. Fazia viagens de barco à ilha – o hipnótico trajeto e as paisagens por trás dele aparecem no documentário.
O filme foi feito depois de dois processos de luto pelos quais passou o diretor – os de sua sogra e de seu melhor amigo, que tinha a mesma idade que ele. “Eu me toquei, então, de que não sabia muito sobre o que era cuidado paliativo.”
Para Eastwood, precisamos encarar a “realidade da morte, fazê-la parte de nossa existência diária, para sentirmos menos medo”.

“Acho que todos nós temos um medo existencial. ‘Se eu vir alguém que eu amo morrendo, será muito traumático. A cena vai substituir as imagens que eu tenho da pessoa e eu vou me machucar, porque nunca mais vou conseguir me esquecer dela’.”
“Mas para mim, não é assim. Estar com alguém enquanto ela está morrendo, com tamanha intimidade, é empoderador e traz paz.”
Ele diz ter uma admiração enorme por pessoas que trabalham em centros de cuidados paliativos e diz esperar que seu filme possa “celebrar e mostrar o que é o cuidado paliativo”. “As pessoas mais extraordinárias da nossa sociedade são as que têm menos visibilidade.”
“São cuidadores. E o cuidado que recebemos no fim da vida é extraordinário.”
“Acho que todos nós temos um medo existencial. ‘Se eu vir alguém que eu amo morrendo, será muito traumático. A cena vai substituir as imagens que eu tenho da pessoa e eu vou me machucar, porque nunca mais vou conseguir me esquecer dela’.”
“Mas para mim, não é assim. Estar com alguém enquanto ela está morrendo, com tamanha intimidade, é empoderador e traz paz.”
Ele diz ter uma admiração enorme por pessoas que trabalham em centros de cuidados paliativos e diz esperar que seu filme possa “celebrar e mostrar o que é o cuidado paliativo”. “As pessoas mais extraordinárias da nossa sociedade são as que têm menos visibilidade.”
“São cuidadores. E o cuidado que recebemos no fim da vida é extraordinário.”

‘Ele estava vivo para poder fumar’
“O Alan fumava um cigarro atrás do outro desde seus 16 anos. Fumava também no centro de cuidados paliativos – e uma enfermeira acendia seus cigarros. Mas ele não estava morrendo de um tipo de câncer tradicionalmente ligado ao cigarro.”
“Isso faz parte do cuidado paliativo – ajudar alguém fumar até sua morte”, diz o diretor. “Os médicos achavam que, se ele não tivesse fumando, ele teria morrido semanas antes. Ele estava vivo para poder fumar.”

O diretor conta que, na segunda vez em que encontrou Alan, percebeu que tinham uma conexão. O homem então lhe disse: “Acho que você gostaria de ficar comigo até o final, e acho que será ótimo.”
“Ele queria fazer algo radical com sua morte. Ele se sentia radical em relação à vida também. Acreditava que nosso corpo era só um veículo e que nos transformávamos em outra coisa.”
“Ele não tinha vergonha de sua imagem. Achava que participando do filme concretizaria sua filosofia. Virou a estrela do meu filme.”
‘Paz em seus olhos enquanto morria’
“Sua morte foi longa. Ele ficou sem ar. Houve muita paz e beleza, e eu fiquei tocado. Não me senti triste. Ele estava pronto para morrer”, lembra Eastwood.

Alan disse a Steven que viu um homem morrer quando tinha só 19 anos, durante o tempo que serviu no Exército no norte da África. Seu comandante levou um tiro e morreu em seus braços.
“Ele segurou aquele homem e disse que viu paz nos olhos dele enquanto ele morria, e que entendeu que o que estavam experimentando não terminava ali. Havia mais”, conta.
Então, diz o diretor, “a morte era algo pela qual ele estava esperando”.
Jamie, por sua vez, era jovem quando morreu. Tinha câncer de estômago em estágio avançado – e era muito ligado à filha.
“Ele queria morrer da melhor maneira possível com sua filha, então ele a envolveu em tudo. Conversaram sobre seu tratamento e como seria a vida quando ele não estivesse mais lá.”
“A morte dele é a única que me deixa triste quando penso a respeito”, diz Eastwood, que hoje é voluntário em um centro de cuidados paliativos.
Com o filme, o diretor quer atrair uma audiência jovem, que ele acredita serem os que mais negam a morte por causa da pressão para serem “produtivos, jovens e bonitos”.

 

“Precisamos de uma educação melhor. Somos finitos, nosso corpo se decompõe, e eu estou em paz com isso. Eu me sentia mal-informado. Agora me sinto mais esclarecido depois de fazer o filme. Espero que o filme faça isso para as outras pessoas.”

O filme também está sendo exibido para médicos em treinamento, em discussões sobre como se fala sobre a morte com pacientes. Os produtores do filme estabeleceram uma parceria com a NHS, o sistema de saúde público britânico.
O diretor cita outras culturas que, em sua visão, lidam melhor com a morte. Na Irlanda, diz ele, “há um processo mais claro de luto e uma familiaridade maior com estar em torno de um corpo”.
Ele também fala sobre a América Latina e a Ásia, que têm uma atitude completamente diferente em relação ao processo da morte. “Precisamos de uma educação melhor. Somos finit

os, nosso corpo se decompõe, e eu estou em paz com isso. Eu me sentia mal-informado. Agora me sinto mais esclarecido depois de fazer o filme. Espero que o filme faça isso para as outras pessoas.”
Por BBC

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