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As dores de amor para um cérebro eletrônico

As dores de amor para um cérebro eletrônico

Se um programa de computador pudesse calcular a desordem de nossas memórias, a taxa de imprecisão não seria nada pequena. O problema é quando elas se embaralham, pregando peças no modo de enxergar o mundo e moldando o futuro das relações. Imerso em uma rede nervosa, estreia hoje, 3, O Inevitável Tempo das Coisas, espetáculo com Natallia Rodrigues e Pedro Henrique Moutinho, no porão do Teatro Sergio Cardoso.

No texto de Wagner D’Ávilla, um casal revive momentos do início da relação, desde quando se conheceu, e por meio de retratos fragmentados, seus sonhos, conflitos e tragédias, até o fim. Tudo seria encaminhado para um melodrama casual no qual as crises de um casal atingem a altura do teto, exceto pela aura de suspense construída pelo autor. “Percebemos que tratava-se mais de questões humanas e universais do que apenas o relacionamento entre homem e mulher”, conta a atriz.

Tal qual um cérebro falhando, a instalação assinada pelo Coletivo Bijari (Prêmio Shell por Adeus Palhaços Mortos) cria falsas pistas a partir das declarações do duo, acentuado no figurino semelhante do casal. “Queremos ampliar a crise dos dois de modo a oferecer muitas versões de como a história poderia acontecer”, continua Natallia.

E, de certo, há muitos caminhos – ou sinapses – para trilhar e se conectar até alcançar o final, desde balas perdidas, cadeiras de rodas, depressão pós-parto e uma criança que se perde da mãe no supermercado. “Falamos de como é ter sonhos, construir relações, planejar, criar laços de afeto”, diz Moutinho. “Mas também de que, no caminho, existem frustrações e até o que não esperamos ou com o que não conseguimos lutar. A segurança construída não impede acidentes.”

Para o diretor José Roberto Jardim, o material humano e subjetivo apresentado no texto não poderia ser engolido pelo aparato tecnológico, mas deflagrado em suas pulsões de vida e morte. “Existe essa estrutura ortogonal, que se impõe com suas luzes sobre os atores. O trabalho foi amaciar e colocar em conjunto, sem que as ações fossem artificiais, ou que elas negassem o espaço que as contém”, diz. Após a experiência e sucesso do diretor com o Coletivo Bijari e a Academia de Palhaços, a instalação que abriga Natallia e Moutinho resgata a dor do casal em imagens, sublinha a ironia deliciosa de flerte entre um homem e uma mulher, até uma conversa obscura durante uma sessão de psicanálise, com alguém que não se vê. “Mesmo assim, é um realismo que traz consigo a essência do real”, afirma o diretor.

Além do espetáculo, Natallia segue na maratona de gravações de O Doutrinador, adaptação para o cinema da HQ homônima do brasileiro Luciano Cunha, dirigida por Gustavo Bonafé e Fábio Mendonça. Na trama, um agente federal (Kiko Pissolato) testemunha uma tragédia pessoal e passa a assumir a identidade de um matador de políticos, com o intuito de fazer uma limpeza ética, em pleno período eleitoral.

Com previsão do filme ganhar uma trilogia, Natallia interpreta uma ex-prostituta. “Ela vai se casar com o presidente eleito para se tornar primeira-dama.” Apesar da solução radical proposta na trama, e até na data de lançamento do longa – setembro, um mês antes das votações do primeiro turno -, a atriz afirma que a produção vem em momento oportuno. “A política no Brasil está muito desacreditada.”

JB

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