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Bacurau representa o Brasil na disputa de Cannes

Bacurau (Foto: Reprodução)

Três anos depois de abrir um debate internacional sobre os bastidores do Impeachment de Dilma Rousseff, ao ostentar um cartaz de “golpe de estado” na exibição de “Aquarius” no tapete vermelho de Cannes, Kleber Mendonça Filho vai voltar ao festival francês, de novo em competição pela Palma de Ouro, com um filme inédito, dirigido a quatro mãos com Juliano Dornelles: “Bacurau”. Produção pernambucana rodada no Sertão do Seridó, divisa do Rio Grande do Norte com a Paraíba, o longa-metragem é um dos 19 títulos que vão disputar os prêmios do evento, cuja 72ª edição vai de 14 a 25 de maio no balneário da Côte d’Azur, tendo o diretor mexicano Alejandro González Iñárritu (de “Birdman”) como presidente do júri. Um misto de aventura, terror e ação, a trama filmada por Kleber e Mendonça aborda as mudanças no cotidiano de um povoado sertanejo cuja tranquilidade é abalada com a morte de uma anciã. Este exercício autoral sobre as contradições nacionais traz o selo da Globo Filmes e tem entre seus atores o alemão Udo Kier.

Ainda na peleja pela Palma há um thriller de máfia feito em esquema de coprodução do cinema brasileiro com a Itália e rodado parcialmente no Rio de Janeiro, com Maria Fernanda Cândido e Luciano Quirino no elenco: “O traidor”, de Marco Bellocchio. O mais recente trabalho do septuagenário diretor de “Vincere” (2009) recria a deleção de Tommaso Buscetta à polícia, para escapar das viradas buscas da guerra dos tronos na Cosa Nostra. Escondido aqui para evitar um derramamento de sangue já que custara a vida de seus filhos, Buscetta foi preso no Rio, acusado de tráfico internacional de drogas e extraditado. Conseguiu fugir da cadeia e retornou ao Brasil, de onde foi expulso pela segunda vez em 1983. Foi então que fez o acordo para delatar centenas de criminosos e expor as conexões da Cosa Nostra com a política italiana.

“A traição de Buscetta, ao delatar a Cosa Nostra à Justiça da Itália, é carregada de ambiguidade. Ele não trai por uma conveniência. Ele trai porque, antes dele, com a entrada do tráfico de drogas nas atividades da máfia e uma guerra de sangue, alguém desrespeitou aquilo que antes era sagrado para eles. E o sagrado é, justamente, a palavra. A palavra da honra”, disse Bellocchio ao JB, em dezembro, quando rodou uma cena em Botafogo. “Existe um olhar nos meus filmes de quem viu o fascismo ascender”

Ainda sobre a presença brasileira na Coisette: vai ter Fernanda Montenegro por lá. Ela integra o elenco de “A vida invisível de Eurídice Gusmão”, dirigido pelo cearense Karim Aïnouz (de “O Céu de Suely”) e produzido pelo carioca (radicado em SP) Rodrigo Teixeira, que concorre na mostra paralela Un Certain Regard. Este drama aborda a saga de duas irmãs que tomam caminhos distintos. Na mesma seção entrou um longa americano também com a grife de Teixeira: “Port Authority”, de Danielle Lessovitz, produzido em parceria com um mito, o diretor Martin Scorsese. É uma trama sobre uma história de amor envolvendo uma transsexual.

Na mostra competitiva, “Bacuraru” e “O traidor” terão que suar a camisa na concorrência com cineastas de peso, como Pedro Almodóvar – de volta às telas com o autobiográfico “Dor e glória”, estrelado por Antonio Banderas – e Terrence Malick – numa visita histórica à Áustria da Segunda Guerra Mundial para narrar a luta de um camponês germânico contra os nazistas. Ainda entre os rivais de maior prestígio está o octogenário diretor inglês Ken Loach, que já ganhou duas Palmas (por “Ventos da liberdade” e “Eu, Daniel Blake”), e volta agora com “Sorry We missed you”. Também laureados com um par de Palmas no passado, por “Rosetta” (1999) e “A criança” (2005), os irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne, da Bélgica, regressam com “Le jeune Ahmed”, abordando as tensões entre os europeus com grupos islâmicos.

Sintonizado com o pleito pelo empoderamento feminino, Cannes trouxe três diretoras para a competição: Céline Sciamma (“Portrait de la jeune fille en feu”), Jessica Hausner (“Little Joe”) e Justine Triet (“Sybil”). Completam o time de competidores de 2019 os cineastas Bong Joon-ho (“Parasita”), Mati Diop (“Atlantique”), Corneliu Porumboiu (“La gomera”), Xavier Dolan (“Matthias & Maxine”), Arnaud Desplechin (“Roubaix, une lumière”), Diao Yi’nan (“The wild goose lake”), Elia Suleiman (“It must be Heaven”), o estreante Ladj Ly (‘Les misérables”) e Ira Sachs (“Frankie”), uma coprodução portuguesa com fotografia de Rui Poças, estrelada pela diva Isabelle Huppert.

É Jim Jarsmuch quem abre a maratona cinematográfica, pilotando um elenco classe AA (Tilda Swinton, Iggy Pop, Bill Murray, Adam Driver) na comédia de zumbis “The dead don’t die”. Jim também está concorrendo. Porém vai ter mais gente na briga: o diretor artístico do festival, Thierry Frémaux, anunciou que novos títulos serão adicionados nos próximos dias, com direito a um filme de encerramento. Cogita-se “Little women”, de Greta Gerwig, para esse posto.

Para as seções paralelas, com projeção hors-concours, Cannes assegurou a presença do mito do rock e do cancioneiro romântico Elton John. Ele vai ser convidado de honra de sua biopic, “Rocketman”, dirigida por Dexter Fletcher nos moldes do fenômeno “Bohemian Rhapsody”. Esta biopic musical do cantor de “Your song” será exibida com a presença dele no Palais des Festivals. Esta semana, a Paramount Pictures exibiu 15 minutos do filme no Rio: pelo pouco que se viu, a atuação de Taron Egerton é um convite ao Oscar.

Preparando uma projeção de uma cópia inédita de “O iluminado”, a ser comentada pelo diretor Alfonso Cuarón Cannes vai atribuir uma Palma de Ouro honorária ao ator francês Alain Delon, hoje com 83 anos. Outra atração muito esperada é a exibição de episódios da série “Too old to die young”, do dinamarquês Nicolas Winding Refn.

No dia 23 de abril, a Quinzena dos Realizadores anuncia suas atrações: seu filme de abertura será “Deerskin”, de Quentin Dupieux, com Jean Dujardin, e seu homenageado vai ser o mestre do terror John Carpenter, realizador de “Halloween” (1978) e outros cults. Nesta segunda, é a Semana da Crítica quem vai anunciar seus filmes. Ela terá o colombiano Ciro Guerra como seu presidente de júri. Para a seção Cannes Classics, há uma aposta numa projeção de gala de “Easy Rider” (1969), com a presença de Jack Nicholson.

Rodrigo Fonseca

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