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Caetano cita Marielle em palestra sobre Tarsila do Amaral em Nova York

Caetano Veloso ao lado do curador da exposição Luís Pérez-Oramas

“Marielle, presente”. Foi assim que Caetano Veloso terminou na noite desta segunda-feira a conversa de uma hora e vinte minutos que teve no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) com um dos curadores da primeira exposição dedicada a Tarsila do Amaral (1886-1973) nos EUA, Luís Pérez-Oramas.

O cantor e compositor foi aplaudido ao invocar, pausadamente, o nome da vereadora Marielle Franco (1979-2018), assassinada no dia 14, quando respondeu a um questionamento da audiência sobre a identidade nacional e a situação cultural, social e política do Brasil neste momento.

O evento é um dos destaques da programação especial de “Tarsila do Amaral: inventando a arte moderna no Brasil”, que fica em cartaz no museu até a primeira semana de junho, e contou com a presença de pouco mais de uma centena de pessoas no segundo andar do museu, entre eles os artistas plásticos Vik Muniz e Regina Silveira, o músico Arto Lindsay (parceiro de Caetano), e o curador da próxima Bienal de São Paulo, Gabriel Pérez-Barreiro.

 Estamos vivendo momentos muito difíceis e, obviamente, eu tenho que dizer aqui: Marielle presente!

Caetano comentou, ao fim da conversa com Oramas, que a visão de uma de suas obras mais queridas de Tarsila, “A negra” (1923), o emocionou especialmente quando visitou, no domingo, o segundo andar do MoMA:

 Este quadro sempre me tocou, mas quando o vi aqui e agora, chegando do Brasil, ele retratando uma mãe negra, me tocou muito, mais ainda – afirmou, e seguiu: — Tarsila é muito autobiográfica, aquela imagem tem muito a ver com a vida dela, mas também com a do brasileiro. Aquele peito diz muito sobre a amamentação de crianças, negras e brancas, no Brasil.
Perguntado se havia uma música que retratava o Brasil de Marielle, Caetano pensou um pouco antes de responder:

 Nem sei…faz pouco tempo eu achava que era o “Haiti”, mas pode ser “Fora da ordem”.

Caetano afirmou ainda que ficou satisfeito com o evento – bem-humorado, embora fizesse toda sua preleção em inglês, ele tratou de sua dificuldade em entender as perguntas em inglês feitas pelo público, majoritariamente brasileiro, “e em português também, porque a audição já não é mais a mesma” – e honrado com o convite.

E disse que as pontes entre a Tropicália e o Modernismo são muitas, mas que o trabalho de Tarsila especificamente – “um freio delicado, e feminino, ao futurismo vulgar que marcou o início do modernismo no Brasil” – não comoveu os tropicalistas em um primeiro momento.

Imediatamente após a declaração, no entanto, ele lembrou que a descoberta da obra de Oswald de Andrade (1890-1954), “do manifesto antropofágico, e do Abaporu, obra de Tarsila que sintetiza na imagem as ideias do escritor” foram centrais para o movimento:

 Vi “O rei da vela” na montagem de Zé Celso em 1967, foi um tapa na cara e aí mergulhei na obra do Oswald. Tudo o que eu queria dizer em meu primeiro disco solo, “Caetano Veloso” (1968), já estava pronto, dito por ele – afirmou.

Apresentado como “figura lendária” da cultura brasileira por Pérez-Oramas, Caetano respondeu muitas questões do curador sobre episódios narrados pelo artista em seu livro “Verdade tropical” (1997). Também ofereceu uma pensata sobre as cores de Tarsila e fez menção elogiosa à maior especialista da artista no Brasil, a professora Aracy Amaral (“Ela nos alertou: Tarsila não é uma tropicalista, e está certíssima”)

Tratou ainda da importância dos irmãos Campos, Haroldo (1929-2003), mas especialmente as trocas intelectuais com Augusto, para o tropicalismo, e conduziu o público a um divertido e contundente passeio por “O presidente negro” (1926), de Monteiro Lobato (1882-1948), apresentado como um visionário conservador, com o livro tratando tanto da eleição de um presidente negro nos EUA no século XXI, em meio a previsões sobre mídias digitais, quanto sobre eugenia.

Sobre a explosão do tropicalismo nos EUA no momento, especialmente através das artes plásticas, com mostras dedicadas a Helio Oiticica (1937-1980), Lygia Clark (1920-1988) e Lygia Pape (1927-2004) celebradas por crítica e público locais, Caetano lembrou de um outro Rio, quando conviveu com seu amigo Helio:

Conversávamos sobre coisas da vida, a Mangueira, pessoas que ele conhecia, histórias, e música. Os eventos musicais tomavam o imaginário, naquela época, de todas as classes, e raramente falávamos sobre artes plásticas.

Eduardo Graça

 

 

 

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