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Compositor da bamba da Portela Casquinha morre a dois meses de completar 96 anos

foto: Reprodução / Capa de disco de 2001

Se alguém perguntar por Otto Enrique Trepte (1º de dezembro de 1922 – 2 de outubro de 2018) nas ruas de Madureira e Oswaldo Cruz, bairros cariocas em cuja fronteira se situa a escola de samba Portela, talvez fique sem resposta. Mas basta esse mesmo alguém perguntar por Casquinha que todo mundo saberá quem é.

Ou melhor, quem foi. O carioca Casquinha é o compositor bamba da Velha Guarda da Portela que morreu na noite de ontem, a dois meses de completar 96 anos, vítima de infecção generalizada provocada por insuficiência renal. Casquinha estava internado há dez dias no Hospital São Matheus, em Bangu, bairro de outra zona da cidade, o Rio de Janeiro (RJ), em que o artista nasceu e morreu com a Portela no coração.

Casquinha teve um passado de glória como compositor. Essa glória, no caso do artista, jamais se materializou no conforto financeiro a que fazia jus por conta da obra perpetuada em vozes referenciais como as de Beth Carvalho, Clara Nunes (1942 – 1983), João Nogueira (1941 – 2000), Paulinho da Viola e Zeca Pagodinho.
A glória resultou do status de ser valorizado, por quem entende de samba, como importante compositor do gênero. É possível que o povo cante A chuva cai (Casquinha e Argemiro da Portela, 1980) – samba lançado com sucesso há 38 anos na voz de Beth Carvalho – sem saber os nomes dos bambas que fizeram esse samba.

É quase certo também que o compositor também não receba o devido crédito quando se ouve Recado (1966), o samba que Casquinha assinou com Paulinho da Viola e que foi gravado, além dos autores, por cantoras atentas como Elza Soares e Nara Leão (1942 – 1989).

Por mais que também tenha ficado eventualmente sob os holofotes, como integrante do grupo Velha Guarda da Portela ou mesmo como cantor solo, Casquinha cumpriu o destino de quase anonimato reservado aos compositores que nascem, vivem, compõem e morrem por uma escola de samba. No caso, a resistente Portela, agremiação azul e branco, cores dos figurinos vestidos pelo bamba nas capas de discos e nas fotos promocionais.

Só que esse quase anonimato destinado aos compositores das escolas e dos morros, aqueles sem dinheiro e interesse para pagar assessores que põem os nomes deles na mídia, somente acentuou a grandeza de Casquinha, compositor de sambas repletos de poesia, desilusão e orgulho da Portela como Maria Sambamba (1968) e Gorjear da passarada (Casquinha e Argemiro da Portela, 1981), lançados por Paulinho da Viola e Beth Carvalho, respectivamente.

Percussionista hábil no toque do tamborim, Casquinha foi bamba versátil e precoce. Aos 20 e poucos anos, já transitava na ala de compositores da Portela, na qual foi avalizado em 1956, em caráter definitivo, por ninguém menos do que Candeia (1935 – 1978), futuro parceiro de Casquinha em sambas como Outro recado (1970).

Eram tempos mais românticos e heroicos do Carnaval carioca. Tempos em que o coletivo importava mais do que o brilho individual. Não por acaso, Casquinha integrou grupos como Os Mensageiros do Samba (de 1963 a 1966) e a Velha Guarda da Portela. O bamba somente foi lançar o primeiro álbum solo, Casquinha da Portela, em 2001, quando já tinha 80 anos.

Neste disco, o artista registrou composições autorais como O samba não tem cor (2001), de título reproduzido no DVD lançado pelo artista em 2014. Título que não chegou a desmentir o fato de que, no caso de Casquinha, o samba tinha, sim, as cores azul e branco da Portela indissociável da obra desse bamba que ora sai de cena para morar no infinito.

Mauro Ferreira

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