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Anitta se entrega à cartilha rasa da onda latina

Kisses, novo álbum de Anitta

Bons artistas copiam, grandes artistas roubam.” Atribuída a nomes que vão de Leonardo da Vinci a Pablo Picasso, a frase apócrifa tem seu valor. Em seu novo álbum, “Kisses”, Anitta rouba tudo o que pode para chegar a seu objetivo –ser uma das grandes artistas da música latino-americana.
Seja em forma de homenagem, seja em forma de apropriação, a cantora se vale de nomes de peso e gêneros de sucesso para surfar na onda latina que ganha o mundo.
“Kisses” é um álbum visual. Clipes ilustram cada uma das dez faixas do disco, num diálogo entre som e imagem. Esse novo tipo de álbum conceitual já poderia ser observado no Brasil em produções lançadas no ano passado, como “Oyá Tempo”, da cantora Luiza Lian, ou “Amar É para os Fortes”, do rapper Marcelo D2.
Em sua proposta, Anitta faz clara referência à cantora Beyoncé. Foi ela quem lançou a ideia, com o disco “Lemonade” há três anos. Em uma semana, o álbum da artista americana teve mais de 116 milhões de acessos em serviços de streaming e no YouTube. Em um dia, Anitta alcançou cerca de 20% desse número.
Todos os clipes do álbum passaram a marca de 1 milhão de visualizações no YouTube em pouco mais de 24 horas – a faixa menos vista era a parceria com Caetano Veloso. No Spotify, as dez canções do álbum aparecem entre as 30 músicas mais ouvidas no Brasil.
O feito, inédito entre outros artistas brasileiros, é fruto dos mais de 5 milhões de acessos que as músicas do disco acumulam no serviço de streaming desde a última sexta. O número desbancou o álbum “Thank U, Next”, da americana Ariana Grande, como melhor estreia na plataforma.
Muito desse hype, no entanto, se deve às inúmeras parcerias do disco. Entre produtores, compositores e diretores, há cerca de 50 nomes de peso no álbum. Eles vão da jovem popstar americana Becky G ao DJ sueco Alesso, passando por artistas latino-americanos e compositores de rap.
Anitta não canta só em espanhol, em inglês ou em português. Ela também quer chegar a outros mercados por meio da linguagem musical em voga no mundo pop. E, para isso, ela se vale de gente relevante. Prince Royce, cantor de bachata com quem Anitta estrela a faixa “Rosa”, tem um clipe com mais de 1 bilhão de acessos. Swae Lee, parceiro da cantora na faixa “Poquito”, é um dos rappers mais requisitados nos Estados Unidos nos últimos anos ao lado do irmão na dupla Rae Sremmurd.
Os clipes acentuam o tom de mosaico que Anitta impõe ao disco. Rihanna, Katy Perry, Christina Aguilera e Cardi B são alguns dos nomes que vem à mente nas imagens dos vídeos de “Banana” e “Juego”.
As letras seguem a cartilha da cantora nos últimos anos. Anitta fala de uma mulher decidida, que paga suas contas e faz o que bem entende. Embora tenha sido alvo de polêmicas envolvendo as motivações e os objetivos dessa postura, Anitta segue ventilando ideias de afirmação feminina em todas as faixas do álbum.
Ouvidas e vistas separadamente, as canções de “Kisses” parecem pouco originais mesmo com tantas referências e parcerias. Em conjunto, porém, elas trazem alguma diversidade. O disco guarda sua unidade nas letras, mas também no contraste marcado entre tempos e batidas de timbres graves e médios.
Esses elementos, originários do hip-hop, são hoje onipresentes no pop global em formas como reggaeton, dancehall e baile funk. O uso sutil ou descarado desses gêneros dá versatilidade ao disco.
É o caso da faixa “Onda Diferente”. Na produção dos cariocas Papatinho e DJ Will da 22, Anitta canta ao lado de Ludmilla sobre a crua levada do funk 150 BPM para em seguida dar espaço à prosódia espaçada do rapper Snoop Dogg.
Esse jogo coletivo nada seria sem truques de comunicação, com que Anitta consegue mobilizar uma larga rede de influência. A música “Bola Rebola”, lançada pouco antes do Carnaval, ganhou até capa de jornal mesmo antes de ser divulgada pela cantora. Como se fossem itens valiosos surrupiados por algum integrante da produção, imagens da gravação do clipe alimentavam os fãs nas redes sociais.
A chegada do novo disco, porém, dá a entender que os tais vazamentos são mais um passo milimetricamente coreografado pela cantora e sua equipe. À exceção da faixa gravada com o produtor Alesso, que pode ser ouvida na série da cantora no Netflix, pouco se sabia sobre “Kisses” –nada escapou dos estúdios. E, tão logo foi lançado o álbum, suas músicas já serviam de trilha sonora para posts de celebridades como Neymar.
Anitta também recorre a truques publicitários para alavancar o sucesso do álbum. O próprio Neymar se envolveu em um dessas histórias quando foi visto aos beijos com a cantora. Logotipos de marcas conhecidas também aparecem nos clipes. Na faixa “Banana”, Anitta faz menção a um produto de uma grande empresa de chocolates –assim como no título do álbum.
Empresas e artistas de menor peso também têm a sua vez, como é o caso da camiseta que usa no primeiro clipe ou da parceria com o jamaicano Chris Marshall. Esse contato entre departamentos de propaganda e criação não é novo, mas, em Anitta, parece ser explorado a cada tomada, a cada verso.
Esse pacote coloca “Kisses” em uma crescente onda de exportação da música latino-americana. Segundo um estudo recente, países da América Latina responderam pelo maior crescimento no mercado da música no ano passado.
Os serviços de streaming facilitaram que artistas como Anitta chegassem a ouvidos distantes. A cantora sabe do potencial que os tempos atuais oferecem a artistas de fora do mundo anglófono. Em “Kisses”, ela se aproveita disso trocando de idioma, de referência ou de parceiro musical como quem troca de roupa.

FELIPE MAIA

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