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100 anos de Paulo Freire: por que ele irrita tanto bolsonaristas

100 ANOS DE PAULO FREIRE

Dia 19 de setembro de 1921. Há exatos 100 anos nasceu, em Recife, Paulo Reglus Neves Freire – ou, simplesmente, Paulo Freire – Patrono da Educação Brasileira.

Um século depois de seu nascimento, Paulo Freire é homenageado por diversas autoridades e personalidades, como o ex-presidente Lula, o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), o ex-candidato à Presidência da República, Guilherme Boulos (PSOL), o professor Silvio Almeida, entre outros.

Porém, por outro lado, bolsonaristas têm o atacado – não só hoje, dia do centenário de seu nascimento, mas há algum tempo.

O próprio filho do presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, usou suas redes sociais para criticar uma recente decisão da Justiça, que proibiu o ataque à honra do educador.

“Educação do país de péssima qualidade e não se pode nem criticar o patrono desta bagunça? Isso não é justiça, é militância doentia. Nunca foi tão difícil fazer o certo e consertar o Brasil. Mas nós somos chatos e estamos certos, então vamos adiante”, disse o deputado federal (PSL-SP).

Vereador de Belo Horizonte, Nikolas Ferreira (PRTB) também desaprovou tal decisão: “A justiça está preocupada em proibir o governo de “atacar a dignidade” de Paulo Freire. E a dignidade de quem é vítima dessa pedagogia?”, disse o parlamentar bolsonarista.

Ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub foi ainda mais contundente: “Bilionários que controlam empresas gigantes/monopólios são de esquerda. Drogas, Paulo Freire, aborto, a destruição da SUA da família, estão na agenda deles. NÃO É COINCIDÊNCIA! Nossa luta é contra isso!”, postou em seu Twitter, junto a uma print da homenagem do Google ao patrono.

Mas por que os bolsonaristas se irritam tanto com o legado de Paulo Freire, mesmo após 24 anos depois de sua morte?

O iG entrevistou o professor Thiago José de Biagio, mestre em história social, para entender tal obsessão.

Para o especialista, a proposta pedagógica de Paulo Freire faz um contraponto à pedagogia tradicional e hierárquica.

“Ele pensava na autonomia do ser humano, principalmente, o excluído. Pensava naquele que não tinha condições de se enquadrar – ou não queria se enquadrar – no modelo de educação burguesa, no qual o professor só vai depositando informações”, argumentou Biagio.

O professor também citou o livro mais famoso de Freire: “A Pedagogia do Oprimido”.

“A obra vai ao encontro da ideia de emancipação do sujeito, uma consciência da condição social do oprimido. A proposta do Paulo Freire é de uma educação baseada no diálogo. Há um incentivo ao questionamento e à ação social. Portanto, o professor não é o topo da hierarquia, aquele que tudo sabe”, continuou Biagio.

“Ele prega que não haja o medo da liberdade. Inclusive, uma frase de Paulo Freire que representa esta proposta é ‘Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor’”, pontuou o professor.

Em relação ao bolsonarismo, Biagio disse que o “ódio” é o combustível dos apoiadores do presidente, inclusive do próprio líder do Executivo brasileiro.

“Para eles, só existe uma verdade. So existe uma forma de se comportar e enxergar o mundo, sendo que a pedagogia do Paulo Freire estimula a autonomia. Uma perspectiva tradicional de sociedade, como é defendida pelos bolsonaristas, defende que deva haver uma hierarquia, uma obediência militar, quase cega, em relação ao professor. Paulo Freire entendia que a educação precisava ser dialógica e que o professor devia escutar seus alunos também”, justificou.

Biagio ainda afirmou que os bolsonaristas prezam por uma sociedade fatalista e de medo, enquanto o patrono da Educação Brasileira pregava a “esperança e a alegria”.

“Portanto, aquele oprimido, que está desesperançado, deve ter na pedagogia um meio de resgatar essa esperança”, disse.

Em entrevista à DW Brasil, o sociólogo Abdeljalil Akkari, da Universidade de Genebra, declarou:

“A essência da obra de Freire é totalmente política, no sentido nobre do termo, não no sentido da política partidária. Por isso, em todas as regiões do mundo, sua obra é lembrada como algo muito interessante para refletir sobre o futuro da educação contemporânea”, analisou.

Professor do curso de pedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Ítalo Francisco Curcio disse, também à DW Brasil, que os que rejeitam Paulo Freire, em grande parte, nem são especialistas em educação:

“Eles acabam repetindo frases apregoadas por líderes com os quais se identifica. Isso é muito ruim. Quem padece é a própria população, desde a criança até o adulto”, opinou.

O educador Paulo Freire (1921-1997) foi declarado oficialmente o Patrono da Educação Brasileira em 2012. A homenagem foi proposta pela então deputada Luiza Erundina (PSB-SP) e sancionada pela então presidente Dilma Rousseff, como a Lei 12.612/2012.

Paulo Freire nasceu no Recife em 1921, numa família de classe média, mas devido à crise econômica de 1929 e à morte do pai em 1934, viveu uma adolescência difícil.

Apesar disso, conseguiu concluir os estudos e, em 1943, aos 22 anos, ingressou na Faculdade de Direito do Recife. Ele se formou, mas não chegou a exercer a profissão, preferindo dar aulas de língua portuguesa numa escola de segundo grau.

Em 1947, Freire assumiu o cargo de diretor de educação do Serviço Social da Indústria (Sesi), no Recife, quando passou a se interessar pela alfabetização de adultos e pela educação popular. Na década de 1950, foi professor universitário e concluiu o doutorado em Filosofia e História da Educação.

Nos anos 60, trabalhou com movimentos de educação popular e, no governo de João Goulart, coordenou o Plano Nacional de Alfabetização, com objetivo de tirar 5 milhões de pessoas do analfabetismo.

Seu método, conhecido como “pedagogia da libertação”, tinha como proposta uma educação crítica a serviço da transformação social.

Em 1964, depois da ascensão dos militares ao poder, Paulo Freire foi preso e exilado. Morou na Bolívia, Chile, Estados Unidos e Suíça. No Chile, em 1968, escreveu sua obra mais conhecida: “A Pedagogia do Oprimido”.

Ao longo da década de 70, desenvolveu atividades políticas e educacionais em diversos países da África, Ásia e Oceania. Ele só retornou ao Brasil em 1980 com a Anistia.

Filiado ao PT, atuou em programa de alfabetização de adultos do partido. Em 1989, com a eleição de Erundina para a Prefeitura de São Paulo, foi nomeado secretário de Educação, cargo em que permaneceu até 1991. Freire morreu em maio de 1997.

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