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A justiça que Bozo quer: Aras compara Bolsonaro a Trump e minimiza ataques à democracia: “liberdade de expressão”

O procurador-geral da República, Augusto Aras, comparou a atuação pré-eleitoral do presidente Jair Bolsonaro à do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump e disse que a “mera fala” não induz ao crime, destacando que os discursos do chefe do Executivo se inserem no contexto da “retórica política” e da “liberdade de expressão” e indicando que, ao menos por ora, não devem ter repercussão jurídica.

Em entrevista exclusiva à Reuters, Aras foi questionado se as reiteradas falas de Bolsonaro colocando em xeque o sistema eleitoral e ameaçando não aceitar um eventual resultado desfavorável em outubro seriam retórica política ou poderiam motivar uma ação preventiva do Ministério Público Eleitoral, também comandado por ele.

Em resposta, o procurador-geral citou como exemplo o caso de Trump, que fez o “mesmo discurso”, segundo o procurador-geral, e perguntou se ele foi punido. “Alguém disse que o Trump não podia dizer a mesma coisa que se ele perdesse ninguém tomaria posse, que não ia sair da Casa Branca?”, questionou.

“Nós temos que ter essa compreensão de que, se nós começarmos a exigir da política e de todos os seus acólitos, todos os exercentes de mandato, comunicações politicamente corretas, nós estamos rompendo com o ideal da liberdade de expressão, que é o primeiro princípio de uma democracia”, disse ele, ao frisar que “onde não há liberdade de expressão não tem democracia”.

“Nós todos precisamos ter essa percepção. Se o presidente acha, como fez o Trump, que tem dificuldades tal, tal e tal, essas falas dele só arranham o sistema jurídico quando isso tem um potencial de interferir no processo democrático.

A mera fala não induz o crime”, reforçou, ao destacar que “atos preparatórios não induzem ao crime” conforme o Código Penal.

Os comentários do procurador-geral contrastam com a articulação feita por um grupo de senadores com a cúpula do Poder Judiciário para se contrapor, de forma coordenada, à estratégia de Bolsonaro de questionar o sistema eleitoral usando as Forças Armadas como anteparo para suas investidas, conforme revelou a Reuters.

A intenção do grupo é defender as urnas eletrônicas, impedir o avanço de discursos golpistas e de desestabilização das instituições e evitar que eles ganhem terreno em círculos militares e civis, garantindo a democracia, a cinco meses do pleito.

Aras, por sua vez, disse que é preciso traduzir as falas no contexto e avaliar a “potencialidade para uma lesão”, ao acrescentar que a fronteira entre a retórica política e o discurso jurídico não é fácil e que há um fenômeno mundial que é a polaridade.

Questionado duas vezes sobre a proposta de Bolsonaro para participação das Forças Armadas na contagem dos votos, o procurador-geral não respondeu diretamente.

Disse que elas sempre foram convidadas pela Justiça Eleitoral para participar das eleições em “ambientes de conflito” e de “prevenção de conflitos” e que, por último, o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, convidou-as a acompanhar o processo de auditoria das urnas.

“Essa participação democrática das instituições no contexto seja das auditorias, da fiscalização eleitoral, é normalíssima, não tem nada demais. Tudo passa a ganhar um ‘color’ diferente no plano das polaridades, mas no passado sempre aconteceu. Nós sempre tivemos as Forças Armadas nas eleições e ninguém reclamou, pelo contrário, sempre foi visto com naturalidade”, afirmou.

Aras não quis adiantar qual será sua posição em relação à constitucionalidade do perdão presidencial concedido ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), questionado no Supremo, e nem sua posição sobre o pedido de Bolsonaro para que a PGR investigue o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), por abuso de autoridade na condução do inquérito das Fake News.

Sobre esse último ponto, a Reuters apurou com fontes com conhecimento do assunto que o caso seria arquivado pela PGR.

Após demonstrar preocupação com iniciativas que flexibilizaram o acesso às armas e de ter dito que apresentou 11 pedidos para restringi-las no Supremo, que aguardam julgamento, o procurador-geral também minimizou as falas de Bolsonaro sobre o estímulo dos cidadãos se armarem e a possibilidade dessas declarações, diante de questões eleitorais colocadas, levar a um momento mais grave.

Para Aras, enquanto o “blá-blá-blá político” não atenta contra o Estado de Direito, tudo fica no plano da liberdade de expressão. Ele chamou atenção para um paradoxo.

“A questão das armas em si, ela tem relevo num plano factual que ainda não se revela decisivo no que toca o aumento da violência, até porque diminuiu a violência. É uma situação contraditória. Nós temos um número de armas maior, mas nós temos uma redução numérica de homicídios, o que parece um paradoxo. Temos ao lado disso um sistema de Justiça funcionando com ações que buscam controlar mais rigidamente as armas e temos o discurso do presidente”, disse.

“O discurso do presidente é a retórica política, nós não temos muito o que fazer”, completou.

Aras argumentou que a democracia tem como virtude a “autorretificação permanente”.

“A alternância no poder que se faz periodicamente é o melhor das autorretificações, que é o povo buscar corrigir os seus equívocos, o grande benefício de uma democracia”, considerou.

Ricardo Brito e Anthony Boadle, Reuters

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