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A suspensão de pagamento das bolsas do PIBID e RP

Muito se tem debatido sobre a importante questão do corte de verbas do CNPq, que atingiu mais de 90% de seus recursos, e da necessidade de tramitação, com urgência, na CMO (Comissão Mista de Orçamento) de projeto para recomposição de cerca de R$ 600 milhões do Ministério da Ciência e Tecnologia a fim de garantir a sobrevivência mínima da ciência no Brasil.

Gostaria de trazer à luz outra questão, não menos importante, que também tramita na mesma Comissão: o PLN nº 17, de 2021.

Deste projeto depende a aprovação de crédito suplementar destinado, entre outros órgãos, ao Ministério da Educação. Desde maio deste ano, o ministério vem informando que o bloqueio de verba realizado em abril pela presidência punha em risco programas essenciais para o desenvolvimento e fortalecimento da educação brasileira.

Dentre estes programas, estão o PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) e o RP (Residência Pedagógica), ligados à CAPES e voltados para a formação qualificada de estudantes que atuarão na educação básica.

Em meados do primeiro semestre, o Ministério da Educação anunciava a falta de recursos para o pagamento de bolsas a partir de novembro. Essa interrupção chegou mais cedo. Já neste mês de outubro, as bolsas do PIBID e RP referentes a setembro não foram pagas.

Elas se destinam a professores universitários e da educação básica que atuam nos programas, e também a alunos de licenciatura submetidos a um processo rigoroso de seleção e que desenvolvem projetos de pesquisa e prática docente em escolas públicas por R$ 400,00 mensais.

O programa conta com cerca de 60 mil bolsistas em todo o país e precisa de R$ 124 milhões para honrar seus compromissos até o final deste ano. Deste valor, a presidência da república solicitou até o momento para a CMO a autorização suplementar de apenas R$ 43 milhões, suficientes unicamente para o pagamento das bolsas em atraso.

Sem dúvida, os alunos de licenciatura são os mais afetados pela falta de pagamento.

A necessidade de complementação orçamentária é consequência direta da emenda constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016, que implementou o teto de gastos por um período de 20 anos.

Ela tem suas raízes na apelidada de PEC da morte (PEC 241/2016).

Programas importantes para a formação de recursos humanos no país já sentem o efeito desse estrangulamento com toda a sua força. Como dissemos, o PIBID e o RP são responsáveis pelo trabalho de excelência de futuros professores da educação básica, mas não só isso.

Garantem também a sobrevivência material e a permanência nas Universidades desses futuros profissionais.

Esses R$ 400,00 são usados para o pagamento de suas necessidades fundamentais como aluguel, água, luz, alimentação e internet (sem a qual não há acesso às atividades na Universidade e nas escolas).

O corte repentino das bolsas tem reflexo direto no acesso à educação e capacitação dessas pessoas que optaram por seguir uma carreira tão pouco prestigiada e mal remunerada como a de professor.

O corte é ainda mais brutal quando realizado em plena crise sanitária e econômica, que lança esses alunos a uma situação miserável.

A ameaça a projetos fundamentais para o aprimoramento de nossa sociedade imposta pelo Ministério da Economia e pelo presidente, sem que se considere a dignidade das pessoas neles envolvidas traz à mente as palavras de um tal ex-guru da presidência, que de maneira clara anunciou o espírito que governaria o nosso país.

Em outubro de 2018, ele publicou em suas redes sociais que com a vitória de Bolsonaro milhares de carreiras e biografias de seus opositores (políticos, intelectuais, artistas) teriam sua sobrevivência política, social, econômica e física ameaçada, que seria “sua total destruição enquanto grupos, enquanto organizações e até enquanto indivíduos”.

Em um artigo que repudiou essa manifestação, Caetano Veloso anteviu:

“Isso é anúncio de autoritarismo matador”.

O guru pode não aconselhar mais o presidente, mas as intenções anunciadas estão em plena realização. Sua mensagem antecipava a escalada de descompromisso com os direitos fundamentais dos cidadãos, de violência, miséria, desigualdade, destruição e morte promovida pelo dirigente máximo de nossa nação.

A ciência, tecnologia e educação caminham para um horizonte de desaparecimento, pois são vistas como oponentes a serem abatidos.

Não apenas em sua existência como grupo ou organização, mas também na subsistência corpórea dos indivíduos que a elas se dedicam. Se hoje esta situação atinge os bolsistas do PIBID e RP, amanhã poderá ser a de muitos pesquisadores.

Que se reverta essa situação urgentemente, ou os custos da ignorância decorrentes desse desaparecimento serão, como nos alertou o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, muito maiores do que os investimentos exigidos para a produção de conhecimento.

Ana Carolina Soliva Soria é professora do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de São Carlos e coordenadora do PIBID Filosofia da UFSCar.

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