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Advogada afirma que 90% dos quilombolas, sem cesta básica durante a pandemia

Quilombolas abandonados pelo governo

Quilombolas de todo Brasil foram duramente impactados pela pandemia do novo coronavírus, seja na falta de assistência médica, no acesso à prevenção contra a covid-19, como também na falta de soberania alimentar.

“O que podemos dizer neste exato momento é que cerca de 90% das famílias não estão acessando as politicas de distribuição de cesta básica”, afirma a advogada popular da ONG Terra de Direitos, Maíra Moreira em entrevista ao Brasil de Fato.

A informação foi fornecida pela União no contexto de uma ação que tramita desde setembro no Supremo Tribunal Federal (STF) com o objetivo de garantir os direitos dos quilombolas durante a pandemia.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 742 pede a elaboração de um plano de enfrentamento à covid nos territórios quilombolas, com políticas  de mitigação dos efeitos da pandemia para essas populações.

A ADPF pede medidas de segurança e soberania alimentar “com a disponibilização efetiva de maior quantitativo de cestas básicas e mesmo de monitoramento dessas cestas para que elas efetivamente cheguem para essas famílias”, explica Maíra Moreira, uma das juristas envolvidas no processo.

Perguntado ainda quais são as maiores dificuldades vivenciadas atualmente pela população quilombola e o que levou vocês a construírem essa ação?

No momento a ADPF está sob relatoria do ministro Marco Aurélio Mello que submeteu a análise dessas medidas emergenciais ao plenário. Os juristas que ingressaram com o pedido aguardam a manifestação da Procuradoria Geral da República (PGR) e a apreciação da medida no plenário do STF.

Os quilombolas estão localizados, principalmente, nas áreas rurais e com isso não acessam uma série de políticas públicas, tanto de saúde, quanto de educação, de saneamento, entre outros.

Inclusive é importante destacar que a situação hoje das comunidades quilombolas: de insegurança territorial das comunidades é uma das maiores violações praticadas atualmente pelo governo federal. O número de comunidades quilombolas tituladas gira ao entorno de 5% e 7%.

Isso significa que são pouquíssimas as comunidades tituladas. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), isso contabiliza cerca de 5972 localidades quilombolas, já a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais e Quilombolas (Conaq) contabiliza cerca de 6300 comunidades em todo Brasil.

Ou seja, com o dado de 5% a 7% das comunidades tituladas significa que a maior parte não acessa de forma integral as políticas públicas, porque não tem condições efetivas de reivindicá-las.

Sem segurança territorial, sem que essas comunidades estejam tituladas é muito difícil que elas acessem integralmente o hall de políticas públicas a que teriam direito.

Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nós pedimos, principalmente, a elaboração de um plano de enfrentamento à covid nesses territórios.

Ao mesmo tempo, pedimos que haja também um grupo de trabalho interinstitucional com participação das comunidades quilombolas, da entidade representativa dessas comunidades a nível nacional, elaborando políticas e pensando em ações de medidas de mitigação dos efeitos da pandemia nesses territórios.

Além disso, pedimos, entre outras coisas, que sejam mantidas as posses tradicionais dessas comunidades nesse período e que o governo se abstenha de seguir criando todo um apagamento dos dados de monitoramento da situação dessas comunidades em termos de acesso a políticas, porque o que se verifica da política quilombola a nível de Estado é que há um apagamento sucessivo de informações também que dificultam a possibilidade de mobilização dessas comunidades.

Além de medidas de segurança e soberania alimentar com a disponibilização efetiva de maior quantitativo de cestas básicas e mesmo de monitoramento dessas cestas para que elas efetivamente cheguem para essas famílias, além de outras medidas que estão descritas na arguição.

São essas as medidas mais urgentes, além do acesso a leitos, respiradores e a possibilidade de traslado para que essas comunidades acessem, efetivamente, os equipamentos de saúde, que não estão localizados próximo aos seus territórios.

 É urgente que o governo federal reestabeleça o orçamento progressivo na política quilombola, que vem sofrendo todo tipo de desmonte orçamentário

Tudo isso é fundamental e foram alguns dos pedidos efetuados nessa ADPF, que contou com o esforço de reunião de uma série de dados atualizados sobre as comunidades quilombolas e sobre a atual situação de violação sistemática ao seus direitos que o governo federal vem praticando desde que eleito.

Além disso, os quilombolas foram excluídos. Não há menção a eles no plano plurianual 2020 a 2023 (PPA 2020-2023) apresentado pelo estado brasileiro.

Então, isso configura que atualmente temos uma situação de sucessivas tentativas de apagamento desse grupo. A gente verifica ainda que esses entraves, se intensificam em 2018, em termos de cortes orçamentários drásticos.

No entanto, em 2016, temos a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário  e a passagem da política pública de regularização dos territórios quilombolas e também da política de reforma agrária para as atribuições, posteriormente, para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento liderados por setores do agronegócio.

Então, temos um desmonte administrativo de uma estrutura de Estado responsável pelo investimento e pela importância da temática no âmbito das políticas públicas.

Isso faz com que o processo de discussão pública nesse período seja relevante e é importante também a gente fazer esse resgate, porque desde 2016 estamos experimentando essa redução do quadro administrativo da política pública de regularização dos quilombolas, mas também da política de reforma agrária.

Nós temos uma estimativa do número de famílias que podem estar sem comida alguma para se alimentar?

Na verdade, a gente tem uma estimativa de quantas receberam cesta básica, por meio dos documentos que foram apresentados pela União no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. O que podemos dizer neste exato momento é que cerca de 90% das famílias não estão acessando as politicas de distribuição de cesta básica.

Ou seja, é negado esse direito – que é uma das políticas mais emergências nesse momento de pandemia. Isso é uma informação que está em documentos apresentados pelo governo. São pouquíssimas as famílias que acessaram, de fato, essas cestas básicas.

O governo apresenta essa documentação, por exemplo, como se os números apresentados fossem uma vitória. Nós entendemos que não. Na verdade, é a demonstração da insuficiência e da falta de vontade desse governo federal de ter qualquer tipo de medida eficaz de proteção para essas comunidades.

Como é que está o andamento da ação? Vocês tiveram algum avanço?

Nesse momento, a ação aguarda uma entrada em pauta para julgamento pelo plenário. As medidas urgentes que nós pedimos, no âmbito dessa ação, ainda não foram analisadas.

O ministro Marco Aurélio Mello é o relator e ele submeteu a análise dessas medidas emergenciais ao plenário. No momento, estamos aguardando a manifestação da Procuradoria Geral da República (PGR) e também essa entrada em pauta para que a gente possa efetivamente ter a apreciação pelo plenário do STF acerca das medidas emergenciais que foram solicitadas.

O que nós verificamos também é uma ampla participação da sociedade civil nessa arguição, na medida em que, pela modalidade processual e participação chamada Amicus Curiae  – um artifício jurídico que leva à Corte informações adicionais contendo experiências, fatos, citações, artigos jurídicos antes que a decisão seja tomada.

Assim, organizações estão apoiando a discussão judicial dessas violações praticadas pelo governo federal apontando o Departamento da Polícia Federal (DPF) no processo, uma série de informações de muita relevância.

Quais são os resultados que vocês esperam ter com esse movimento?

Nós esperamos que, de fato, o STF possa ser sensível à demanda que foi encaminhada pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas e pelos partidos políticos de oposição para que haja uma apreciação das medidas emergenciais e que essas comunidades consigam ter, ainda que tardiamente, necessárias medidas de proteção à pandemia e aos seus efeitos nos territórios tradicionais.

De modo que elas possam experimentar um momento de restabelecimento dessa adversidade que foi global, mas que para elas teve um peso triplicado de dificuldades e de violações nesse período.

Catarina Barbosa

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