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Atraso e modernidade se articulam no bolsonarismo numa montagem que aponta para uma ameaça real

Esta é uma ameaça real

A resiliência do apoio a Bolsonaro junto a parcela relevante da população constitui um enigma de difícil solução. O apoio a ele desceu constantemente ao longo deste ano para um certo patamar que varia entre 22 e 33%.

Depois de decrescer até aí, a sangria estancou, não cede mais, apesar da deterioração da economia, do aumento de mortes na pandemia e do aumento do bombardeio da mídia corporativa.

Para alguns observadores, inclusive todos os bolsonaristas, o apoio ao presidente seria “com certeza” maior do que indicam as pesquisas. Trata-se de juízo duvidoso, baseado apenas em impressões subjetivas.

E assim mesmo, com uma certa dose de paranoia e superstição, o apoio ao presidente parece, ao menos em certos contextos, mais forte, aguerrido e disposto a riscos do que indicam o noticiário da mídia conservadora e mostram as pesquisas de opinião.

Vê-se nas ruas, no Uber, o engajamento “espontâneo” de “pessoas comuns”, mais ou menos informadas, com ideias constituídas sobre os temas a debater.

Agem sob algum tipo de ideário, parecem obedecer a uma disciplina, como se viu recentemente no recuo organizado após o transe dos atos de 7 de setembro.

Vozes golpistas renitentes estimuladas por apelos do presidente contra ministros do STF, a favor do fechamento da Corte e do Congresso calaram-se em obediência a uma ordem vinda de cima.

Houve revolta contra isso, abafada com rapidez como para evitar exposição.

Quem são os militantes dessa organização, que talvez seja maior, operativa e discreta do que se pode supor? Como movem formas de comunicação muito mais modernas do que suporia essa base social “atrasada” e seus valores?

Atraso e modernidade se articulam neste bolsonarismo numa montagem que aponta uma ameaça real. Há um perigo nem sequer sonhado pelos que já acham que Bolsonaro é derrota certa na eleição, talvez já mesmo no primeiro turno.

Pode ser que não. Por causa de mais um erro de leitura (em 2018, a esquerda não perdeu por fake news, mas porque a direita leu melhor o sentimento do povo), pode estar se armando a repetição de um pesadelo.

Aquilo que se pode chamar de “homem comum” é parte essencial do bolsonarismo. É o típico homem “bom”, do bem, cuja personalidade externamente bondosa tem pinceladas religiosas.

Seus sinais exteriores de bondade são uma poderosa força de atração política. Aquela força que se identifica no fervor otimista dos templos prossegue nas ruas e vira a chave da política quando necessário.

Este personagem, como já se viu tantas vezes, abandona sua costumeira passividade para liberar nos compartilhamentos o ódio extremo contra todo tipo de pretensão modernizadora.

Revoluções nos costumes, títulos acadêmicos, tratamento humano a suspeitos de crime, acusações de corrupção, laicidades em geral, estão na mira dos sentidos cada vez mais treinados do homem comum e são usados como fatores de união aferrada com Bolsonaro.

Trata-se de uma disputa consciente contra um inimigo no contexto de uma correlação de forças. Isso é “leninismo” de direita, nas palavras de Steve Bannon.

Nas eleições, trata-se de transformar esse fervor em votos evitando qualquer circuito convencional.

É a hora em que o fanatismo conservador, seu moralismo udenista, sua “bondade” são canalizados por estruturas cada vez mais profissionais.

Entram em cena os equipamentos mais sofisticados, as técnicas mais recentes fornecidas e amalgamadas às estruturas de empresas avançadas.

Esse bolsonarismo de militância “profissional”, hierarquizada, digital e insular, absolutamente blindada ao que está fora dela, será um fator de grande influência na aproximação das eleições, podendo surpreender mais uma vez os analistas e os institutos de pesquisa.

Mudanças de tendências eleitorais de 2018 sem aparente explicação não se comparam ao que pode acontecer em 2022, pois o conhecimento de comportamento do consumidor, as ferramentas de marketing digital, o uso técnico de inteligência artificial avançou muito em quatro anos tornando-se muito mais eficazes e muito menos detectáveis ainda do que foram em 2018, causando a virada inesperada e o estrago que todos conhecem.

São técnicas usadas por empresas listadas em bolsa nos Estados Unidos e no Brasil, com valores de mercado que se multiplicaram cem vezes nesses quatro anos.

E elas estarão a serviço do bolsonarismo. Esqueça o que se viu em 2018, pois tudo será mais uma vez subvertido. Quem imitar o que foi usado nas eleições passadas estará superado.

Enquanto isso, institutos, analistas, a mídia conservadora e esquerda engatinham, presos às velhas linguagens e formas de ação, acomodando-se a cenários estáticos típicos da velha esfera pública, usando os números róseos do Datafolha e do Ipec para não ver a real ameaça que os aguarda sem descansar.

Militância não falta: Bolsonaro tem 3,5 milhões de seguidores no Youtube contra 350 mil de Lula. No Telegram, são 1 milhão contra magros 37 mil de Lula. No Facebook, a distância é menor: 11 milhões contra 4 de Lula.

Se essa pesquisa simples não assusta, pense no atraso da campanha digital lulista e no estado da arte da inteligência de dados que estará a serviço do neofascista. Está na hora de acordar.

Mario Vitor Santos é jornalista.

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