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Bolsonaro: Das fake news às verdades impunes

Um dos efeitos curiosos e mais perversos do ambiente comunicacional da guerra híbrida, que está longe de se reduzir à proliferação de notícias falsas, é que nela a verdade também se expressa, com uma sem-cerimônia crescente, na certeza de que seus efeitos serão totalmente indiferentes.

Não me refiro a uma verdade enunciada como oposição, resistência ou combate às chamadas fake news mas às verdades expostas despudoradamente pelos mesmos enunciadores das cortinas de fumaças ou das falsificações grosseiras do tipo mamadeira de piroca, sem qualquer receio de reação e com plena segurança da impunidade.

O que tempos atrás ainda chamávamos de sincericídio, para acabar descobrindo, surpresos ou ingênuos, que não representa nenhuma espécie de suicídio.

Não se volta contra o enunciador, mas se aproveita, e ao mesmo tempo reforça um quadro geral de anomia, de incapacidade de resistência, como um tipo particular de depressão social e política.

Para que não pareça abstrato basta lembrar de qualquer das manifestações das “autoridades” enunciadas, com ampla cobertura da imprensa, durante a semana que passou.

A desconexa fala do genocida chefe recomendando trocar feijão por fuzis provocou pouco mais que as miríades de memes nas redes sociais, o que, a esta altura da vida política e especialmente considerando que a permanência em isolamento social anti-pandemia é predominante entre os opositores, parece ser pouco mais que uma forma não intencional de naturalização.

As brutalidades são tantas e tão cotidianas que passam a marcar, queiramos ou não, o “novo normal”, expressão cuja aceitação é, por si só, o reconhecimento de nossa impotência.

“A conta de luz vai subir e não adianta ficar chorando” é a penúltima do ideólogo do neoliberalismo pinochetiano, aquele que a grande mídia subserviente aos “mercados” nos vendia como garantia de controle do capitão expulso do exército por terrorismo.

Paulo Guedes: tragédia e farsa

Penúltima porque ele provavelmente produzirá outras quando estas linhas cheguem ao leitor.

Todas na linha genealógica do escândalo das empregadas que iam pra Disney; do Estado que não tem como atender essa incrível mania de todo mundo querer viver até os cem anos e de outras tantas. Tantas que ficou normal.

Talvez a pérola desta semana tenha sido a da secretária especial do programa de privatizações, Marta Seillier, que escancarou sem cerimônia que os Correios serão “vendidos por um valorzinho”.

Em entrevista à Uol, ela deixou claro que, se houver muito interesse pode até haver ágio “mas esse não é o foco”.

A entrega por um “valorzinho” de uma empresa que tem 98 mil funcionários, atende a todo o país por preços menores do que os concorrentes privados e ainda dá lucro, é, como confessa a secretária, “simbólica”.

Ela tem razão. É um símbolo de que eles fazem o que querem, porque o big Money pretende espremer a laranja até se livrar – se conseguir – da destrambelhada e pouco discreta familícia.

A laranja, claro, é o Brasil. Vendido a preço de banana. Banana de antigamente, claro.

Carlos Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos.

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