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Estudo mostra papel de vídeos sobre violação de direitos como prova jurídica

Vídeos como provas jurídicas

A circulação de vídeos com violações dos direitos humanos é cada vez maior, mas o peso que essas imagens têm em julgamentos nos tribunais brasileiros ainda está aquém do que deveria, concluiu o estudo Vídeo Como Prova Jurídica para Defesa dos Direitos Humanos no Brasil, lançado esta semana pelas organizações não governamentais (ONGs) Artigo 19 e Witness para marcar o Dia Internacional dos Direitos Humanos, comemorado no dia 10 de dezembro.

O relatório avaliou como o vídeo tem influenciado as decisões judiciais no país em uma época de proliferação intensa de câmeras na sociedade, principalmente de celulares. “A constatação é de que juízes, desembargadores e ministros pouco se aprofundam na análise, mesmo que o vídeo seja a prova principal do processo. A comunidade jurídica, de forma geral, também não se debruçou sobre a questão”, diz a Artigo 19.

Apesar disso, o vídeo tornou-se ferramenta poderosa a fim de expor a verdade e desmentir versões oficiais, como as recorrentes alegações de “auto de resistência” ou “legítima defesa”, quando a polícia está envolvida na ocorrência. O estudo traz uma análise detalhada de sete casos judiciais em que vídeos tiveram papel preponderante para o desfecho. Um deles é o caso de Cláudia Ferreira, filmada sendo arrastada presa a uma viatura no Rio de Janeiro, que resultou em reparação financeira à família pelo governo estadual.

No dia 7 de setembro deste ano, Fernando da Silva foi jogado do telhado por um policial militar (PM) durante uma ocorrência no bairro do Butantã, na capital paulista. A cena foi registrada por um cinegrafista amador e amplamente divulgada na internet. Após a queda, mais dois policiais fizeram disparos de arma de fogo contra Fernando. Porém, a versão dos policiais logo após o ocorrido é de que houve perseguição e troca de tiros, o que logo foi desmentido pelas imagens de vídeo.

A mãe de Fernando, Cleusa Glória da Silva, disse que a gravação ajudou muito em seu caso, não só como prova jurídica, mas como exemplo para a sociedade. “[A divulgação do vídeo] deu mais coragem para as pessoas relatarem. Eu não esqueci esse caso e não vou esquecer nunca. Quero mostrar para outras famílias o que aconteceu com meu filho e para as outras mães que elas não devem calar por medo”, disse.

Segundo a defensora pública Daniela Skromov, coordenadora do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo, “a captação de vídeos e a utilização posterior para desconstrução de certas verdades é muito importante e tem se mostrado essencial, até como forma de controle social do exercício do poder”.

Daniela ressaltou que a utilização de vídeos que revelam violações dos direitos humanos tem grande importância também pelo viés político. “Por que eu chamo de uso político? Porque, por exemplo, esse caso do [rapaz jogado do] telhado, é uma típica armação de auto de resistência. Quem estuda o fenômeno alerta, há muito tempo, para essa ocorrência, para essa ‘maquiagem’. E precisou ter um vídeo para mostrar o que todos sabem que, com frequência, acontece na prática, mas que a Justiça simplesmente não consegue comprovar, seja porque a investigação é débil, seja porque há certo compadrio entre as instituições de poder”, acrescentou.

A advogada da Artigo 19, Camila Marques, destacou o potencial do vídeo para causar impacto nos julgamentos e também criar jurisprudência em casos de violações. “Ainda que a pesquisa tenha mostrado que falta reconhecimento formal por parte de magistrados em relação ao vídeo como prova jurídica, claramente verificamos um número expressivo de casos em que, se não fosse o vídeo, o desfecho seria outro. Isso certamente aponta uma tendência, sobretudo em uma sociedade em que mais e mais cidadãos lançam uso de câmeras de celulares para registrar violações”, afirmou.

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou, em nota, que todas as medidas legais foram imediatamente adotadas após a divulgação do caso de Fernando da Silva – que foi jogado do telhado por um policial –, com o afastamento e a prisão temporária de 11 PMs envolvidos. Cinco deles permanecem no Presídio Romão Gomes e os demais fazem atividades administrativas. Porém, ainda não houve a conclusão do procedimento administrativo aberto pela Corregedoria da PM.

Camila Boehm

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