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História e histórias de uma fotografia

Identificação da foto no texto

Os veteranos (de pé, da esquerda para a direita): professores Antonio Candido, Alfredo Bosi, José Aderaldo Castelo e Décio de Almeida Prado.

Os jovens: (de pé) José Miguel Wisnik; (sentados, também da esquerda para a direita) Zenir Campos Reis, Flávio Aguiar, Roberto Brandão, Amaury Sanchez, Antonio Dimas e Alcides Villaça.

Por trás da câmera (uma Voitgländer alemã, modelo anos 50), fotógrafa: Lígia Chiappini Moraes Leite.

Local: uma esquina, perto do prédio da Administração da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Brasil.

Data: segunda quinzena de dezembro, 1976.

Esta foto tem corrido o mundo virtual desde sua divulgação na mostra Ocupação Antonio Candido no prédio do Itaú Cultural, em 2018. Já tinha comparecido em alguma publicação. Faz parte do acervo do professor Antonio Candido, hoje no Instituto de Estudos Brasileiros da USP, e também do acervo do professor Décio de Almeida Prado, no Instituto Moreira Salles (São Paulo). Como a câmera usada era minha (presente de meu pai), providenciei a revelação e uma cópia (18 x 24) para cada um dos participantes, incluindo a fotógrafa.

Vários teóricos de Estética e escritores já fixaram que uma foto – assim como um poema lírico – é o fragmento de uma narrativa. Acrescento: de uma, não; de várias, embora haja, é claro, uma narrativa-chave que abre o caminho para as demais.

No caso, a foto registra o momento final do concurso de efetivação dos jovens professores da disciplina de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Cências Humanas da Universidade de São Paulo. Lígia, que tirou a foto, não pertencia ao quadro da disciplina; era da Teoria Literária, cujo líder e professor titular era o professor Antonio Candido, por nós, focas acadêmicos, chamado de o Mestre ou simplesmente o Professor.

Ela aparecera para confraternizar conosco. Também apareceram o professor Décio (que não era da banca examinadora) e a colega Nadia Battella Gotlib , que na época pertencia à disciplina de Literatura Portuguesa mas que, mais tarde, viria a integrar a Literatura Brasileira.

Também pertenciam à LB os professores José Carlos Garbuglio e Helio Lopes, e a professora Neusa Pinsard Cacchese, que não prestaram o concurso. Antonio Candido, Alfredo Bosi e José Aderaldo Castelo formavam a banca examinadora.

O concurso era aberto a mestres e doutores. Quem tivesse doutorado, era nomeado no cargo, que era para mestre, mas “pulava” para a função acima, liberando a vaga. Assim, nos dois anos de validade do concurso, foi possível efetivar todos os que o prestaram.

Esta história – a do concurso – é, no entanto, apenas a ponta do iceberg, a superfície da foto.

A história profunda começa alguns anos antes.

Depois da desagregação da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, entre 1968 e 1969, provocada pelo ataque para-militar da extrema-direita contra o prédio da rua Maria Antônia, a partir da vizinha Universidade Presbiteriana Mackenzie, com apoio da Polícia,  os seus departamentos foram forçados a se deslocar para o Campus da Cidade Universitária, vizinho do bairro do Butantan (como se escrevia então).

A desagregação se consolidou com a reforma universitária, terminada em 1970, e dela emergiu a atual Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, a FFLCH (diz-se Fefeléch), em que os componentes foram se especializando em diferentes departamentos: Filosofia; o de Ciências Sociais dividiu-se em Sociologia, Antropolgia e Ciência Política; Letras dividiu-se em Clássicas e Vernáculas, Modernas, Orientais, Teoria Literária e Literatura Comparada, e Linguística. Inicialmente Orientais e Teoria Literária integraram o mesmo departamento, por necessidade de inteirar um certo número de doutores nos seus quadros. Depois houve a separação amigável.

A “Cadeira”, como se dizia então, ao invés de “Disciplina” ou “Programa”, como se diz hoje, de Literatura Brasileira ficou em Clássicas e Vernáculas. Estes departamentos se espalharam pelo Campus. Os de Letras se “homiziaram” nos chamados “Barracões”, que deveriam pertencer à Faculdade de Medicina Veterinária, e hoje abrigam o Instituto de Psicologia. História e Geografia ficaram no prédio que hoje leva seu nome.

Filosofia e os egressos das Ciências Sociais ficaram no prédio que hoje também leva seu nome. Ao lado deste começou a lenta construção de um prédio que deveria ser o futuro das Letras. E a Administração da Faculdade foi para o prédio da Rua do Lago, n. 717.

Como numa tragédia grega, a Faculdade que era vista como desafiante-mor da Ditadura Civil-Militar foi desmembrada, despedaçada, num autêntico ritual de sparagmós, como acontece com Penteu na peça “As Bacantes”, de Eurípedes.

Este desmembramento tinha fontes e defensores. Uma destas fontes era, sem dúvida, o desejo do “Sistema”, como se designava o “Establishment” político dominante no Brasil, em suas diferentes dimensões (militares, policiais, federais e estaduais), de simplesmente fechar a Faculdade, particularmente os departamentos de Ciências Sociais e Filosofia, que foram literalmente dizimados pelos processos de aposentadorias forçadas em 1969, com base no Ato Institucional n• 5, que também atingiriam outras unidades universitárias pelo Brasil afora.

Outro fator muito forte era o desejo, para muitos legítimo, de criar institutos independentes, como eram os egressos da antiga Faculdade da Maria Antônia, no campo das ciências exatas. Não cabe aqui entrar no mérito acadêmico deste debate. Registro que estes impulsos geraram um movimento contrário, de “proteção” aos departamentos mais perseguidos.

Mesmo professores que seriam favoráveis à criação de um Instituto de Letras, por exemplo, se posicionaram contra este movimento, em nome de protegerem os mais atingidos pelo arbítrio do regime ditatorial.

Paralelamente a tudo isto, institucionalizou-se um “sistema secreto” de aferição de novos contratos, consubstanciado na presença sigilosa (ma non troppo…) de um agente do Serviço Nacional de Informação (SNI) no prédio da Reitoria, ao lado da sala do Reitor.

Todos os contratos novos deveriam passar pelo crivo daquele senhor de baraço e cutelo sobre eles. Não poucos contratos  naufragaram nas águas turvas daquela maldita sala.

Um dos efeitos da Reforma Universitária de 1969/1970 (sob os auspícios dos famigerados acordos MEC-USAID) foi a ampliação do número de vagas em todo o sistema de ensino superior. Começaram a se armar os procedimentos para novas contratações – inclusive na FFLCH, também nas Letras e, é claro, na Literatura Brasileira.

Naquele momento as contratações eram feitas por convite a partir do remanescente Catedrático (do antigo sistema) ou Titular (da nova carreira). E foi assim que em 1972 três estudantes de pós-graduação da disciplina de Teoria Literária, em nível de mestrado, foram convidados pelo professor Castelo para integrarem a L. B.: eu, José Miguel e o saudoso João Luiz Machado Lafetá.

Também foi convidado nesta ocasião o Zenir, que fazia pós na Literatura Brasileira. Lafetá declinou o convite: desde sempre queria ser professor de Teoria Literária. Eu e o Zé (desculpe a intimidade…), mais o Zenir, aceitamos. Eu fora indicado pelo professor Décio, para trabalhar com ele na área de dramaturgia brasileira, já que meu trabalho de mestrado era sobre o dramaturgo gaúcho Qorpo-Santo (com orientação da profa. Walnice Nogueira Galvão).

Havia um senão, porém. Era comum, naquela época, sobretudo nas áreas de Humanidades, os convidados darem aulas – às vezes durante anos – gratuitamente, porque os contratos se arrastavam pelas labirínticas gavetas da USP – e se detinham, “por falta de verbas”. Por questão de amizade e também de “unidade trabalhista e sindical”, eu, o Zé e o Zenir firmamos um pacto, que comunicamos ao prof. Castelo e aos demais membros da “Cadeira”.

Daríamos aulas, sim, sem receber, enquanto os nossos contratos “caminhassem” pelos meandros burocráticos da Universidade. Se eles se detivessem “por falta de verbas”, pararíamos de dar aulas – uma ameaça de greve sui generis, antes de qualquer contrato… Uma greve de desempregados…

Dito e feito. Os contratos tramitaram. Foram aprovados no Departamento, na Comissão esta, na Comissão aquela, na Congregação da Faculdade e pimba!, por falta de verbas foram engavetados. E nós anunciamos que suspenderíamos nossa participação nas aulas.

Fomos tachados de loucos. Colegas de pós nos diziam: “vocês vão perder a indicação! O prof. Castelo vai indicar outros! Os outros professores de Brasileira não vão aguentar a sobrecarga!”.

O professor Castelo, devo dizer, era um homem do campo conservador. Íntegro. Inteiro. Que saudades daqueles conservadores de antanho, gente de espinha ereta e cara limpa, diante dos vermes de hoje!

O professor Castelo reuniu os membros da “Cadeira”, e a decisão foi unânime: ‘vamos apoiar a rapaziada”. E ele, que representava a “Cadeira” no Conselho do Departamento e na Congregação, sustentou. Aliás, reitero que, mesmo quando derrotado em votações na disciplina, o professor Castelo sempre sustentou, nas instâncias superiores, as decisões coletivas.

Com o impasse criado, as gavetas se mexeram – e a verba caiu do céu ou subiu do inferno, até hoje não sei. Voltamos a trabalhar e afinal os contratos foram assinados – no final do ano seguinte, 1973, retroativos ao dia 8 de março (até hoje não sei o porquê deste dia). Foi uma festa, uma vitória.

Desde então “dar aulas voluntárias”, como era praxe, caiu em desuso. Acho, modéstia às favas, que eu, o Zé e o Zenir (outro que se foi prematuramente para os eternos campos de caça!) mereceríamos uma placa de bronze em algum lugar, nem que seja no coração dos contratados de hoje…).

Devo dizer também que o apoio de nossos orientadores de pós – Walnice, no meu caso, foi amplo, total e irrestrito.

Outros contratos vieram: o Alcides e o Amaury. O professor Bosi, que era de Italiano, mudou-se para Brasileira. O caldo começou a engrossar, no bom sentido.

As novas contratações para os departamentos de Letras tiveram um custo político extra. A Reitoria condicionou a concessão das verbas à transferência dos cursos para o antigo CRUSP.

Houve uma assembleia em que só os professores catedráticos e titulares participaram. Como na antiga Ilíada ou no início do julgamento de Zé Bebelo, em “Grande Sertão: Veredas”, somente os chefes tinham direito à palavra.

A proposta foi aceita pela diferença de um voto. Assim, nos tornamos uma espécie de “Exército de Ocupação”, para evitar que o CRUSP voltasse a ser residência estudantil, coisa banida pelos ditadores de plantão.

As salas de aula – que até hoje se chamam de Colmeias, pelo seu formato hexagonal – foram construídas a toque de caixa e nós, os professores, ocupamos os apartamentos de dois dos blocos residenciais, o C e o D. Esta transferência fazia parte também da ideia da divisão da Faculdade, com a criação de alguns institutos especializados, entre eles, um Instituto de Letras.

Porém, de certo modo o tiro saiu pela culatra. Em 1974 formalizou-se a proposta de separação das Letras em relação ao restante da Faculdade. Fez-se nova assembleia. Mas desta vez não houve mais condições para reunir apenas os “maiorais”.

A convocação teve de ser aberta, “por pressão das bases” para todos os professores. Os Riobaldos – plebeus – tornaram-se exigentes. E a presença dos mais jovens desequilibrou a balança, ou reequilibrou-a.

Por larga diferença, venceu a proposta de permanecer na FFLCH. A proposta de divisão voltaria à pauta ainda por diversas vezes nos anos seguintes, sem sucesso. Mas isto seria  assunto para outro artigo.

Conto agora um detalhe pitoresco. Eu e o professor Décio repartíamos o mesmo apartamento, com direito a toalete com chuveiro e tudo, no terceiro andar do Bloco C do CRUSP.

Um dia ele chegou para mim e disse: “Flávio, nós agora somos colegas. Você não precisa mais me chamar de ‘senhor’. Chame-me de ‘você’.” Claro está que obedeci. Aquilo durou três meses. Ao fim deste tempo, cheguei ao professor e disse: “Décio, você vai me permitir uma coisa.

Não consigo continuar chamando o senhor de ‘você’. Vou continuar a chamar você de ‘senhor’ e ‘Professor’.” Assim foi dito, assim foi feito. Ele riu muito. Ficamos amigos para sempre.

Havia outros percalços. A USP usava uma figura jurídica insólita para contratar os novos docentes: o “contrato precário”. Valia por três anos. E tinha de ser renovado.

Além disto, nas áreas de “Humanas”, como também se dizia então, a prática era a dos contratos serem em “Tempo Parcial” – doze horas  semanais – porque prevalecia o preconceito de que nestas áreas não se fazia pesquisa (exceção: Sociologia, porque também lidava com números, coisas “exatas”, etc.). Nas Letras bastavam “giz e quadro negro”, era o que se dizia.

A luta para tornar o Regime de Dedicação Integral à Docência e a Pesquisa um direito universal, foi longa, consumindo “sangue, suor e lágrimas”, mas terminou vitoriosa, já nos anos 80.

Em 1974 veio um petardo em direção a mim. Morava no Parque Continental, atrás da USP, e sem telefone. Chego em casa, certa tarde, e encontro um recado: o professor Antonio Candido estivera lá, levado por Ruth Terra (outra que se foi!), e pedia que eu entrasse imediatamente em contato com ele. Deixara o telefone de sua casa.

Caramba! A “Formação da Literatura Brasileira – Momentos Decisivos” – viera em pessoa ao meu encontro. Corri ao telefone público mais próximo, liguei, e combinamos um encontro no dia seguinte, na USP.

Ele me inteirou: fora avisado pelo prof. Erwin Rosenthal, de que havia uma “lista” na Reitoria, com cinco nomes da Faculdade, dois de Letras, entre eles o meu, não se sabia com que finalidade. Podia ser para sermos presos…

Ao cabo de alguns dias soube-se o motivo: nossos contratos deveriam ser rescindidos. “Ordens de Brasília”, dizia-se, através do famigerado agente do SNI.

Eu tivera meus entreveros no DOI-CODI, devia ser isto. O Professor me ofereceu um lugar de refúgio, uma certa fazenda em Minas Gerais… Delicadamente, eu recusei. Decidimos pagar para ver. Ou ver para pagar. Armou-se um comitê de defesa.

O prof. Décio, o prof. Castelo, a Walnice, também outros, procuraram o prof. Eurípdes Simões de Paula, herói da FEB, e este procurou o então reitor, Orlando Marques de Paiva. Conversa daqui, conversa dali, o prof, Eurípedes conseguiu um compromisso.

Os contratos seriam mantidos (a sua rescisão, mesmo naqueles tempo, causariam problemas jurídicos e trabalhistas complicados para a universidade), mas não seriam renovados. E tudo continuou como estava, pelo menos provisoriamente, apenas com mais adrenalina nas veias.

Entretanto o mundo velho é sem porteira e dá voltas. Algumas coisas de monta aconteceram na sequência.. Ainda em 1974 na eleição nacional a oposição venceu na soma de votos, levando o então presidente Geisel a planejar a “distensão lenta, segura e gradual”.

Embora ele somente a tenha posto em prática depois do Massacre da Lapa, em dezembro de 1976, quando foram assassinados os membros da direção do PCdoB, último grupo guerrilheiro do país.

No começo de 1975 assumiu a diretoria da Faculdade o professor de História, Eduardo d’Oliveira França. Em sua gestão começaram os trâmites para a obtenção das vagas do concurso de 1976.

Entretanto ele não esquentou a cadeira da direção. Demasiadamente democrata para o regime de exceção, ele foi chamado às falas pelo então secretário de Segurança do estado de São Paulo, Coronel Erasmo Dias. Seus pecados: o professor Angelo Ricci, cassado pela ditadura na UFRGS, participara de banca de doutorado (a do professor Boris Schnaiderman).

E o professor França se recusava a delatar estudantes “subversivos”. O Coronel Erasmo obrigou-o, literalmente, a se demitir. Reassumiu a diretoria o professor Eurípedes.

Em outubro daquele ano foi assassinado o jornalista e professor Vladimir Herzog nas dependências do DOI-CODI, e em janeiro de 1976, foi a vez do operário metalúrgico Manoel Fiel Filho, no mesmo local.

O assassinato de Herzog provocou forte comoção na USP, com a eclosão de protestos institucionais em toda a universidade, inclusive na FFLCH. Nesta altura eu era representante dos auxiliares de ensino na Congregação da Faculdade.

Liderada por professores veteranos, como Antonio Candido, a Congregação aprovou veemente protesto a ser enviado ao Conselho Universitário.

Nesta reunião houve um fato insólito. A sala da Congregação foi literalmente invadida por uma grande delegação de estudantes e professores (o movimento de funcionários era muito incipiente), tendo à frente nada mais nada menos do que a professora Maria Isaura Pereira de Queiroz, nesta altura uma das decanas da Faculdade.

Seguiu-se um diálogo ríspido entre ela e o professor Eurípedes, diretor da FFLCH e presidente da Congregação. Ele exigiu a retirada dos manifestantes, ameaçando suspender a reunião se isto não acontecesse. Ela e os demais disseram que só se retirariam depois que a Congregação aprovasse uma nota de repúdio pelo assassinato de Herzog.

Já naquele momento ninguém de sã razão acreditava na versão oficial do suicídio. Houve uma mediação por parte de Antonio Candido e outros professores, garantindo que a Congregação aprovaria a nota, e o cortejo se retirou. Como capitã de navio, a professora Maria Isaura foi a última a sair. A nota foi aprovada por unanimidade dos presentes.

Em janeiro o novo assassinato, desta vez do operário metalúrgico, provocou a demissão algo dramática do Comandante do Segundo Exército, General Ednardo d’Ávila Mello. Manoel Fiel Filho foi assassinado (novamente “suicidado” na versão oficial) no dia 16 de janeiro.

No dia 19 o General Ednardo recebeu a visita, aparentemente protocolar, do General Dilermando Gomes Monteiro, então Chefe do Departamento de Ensino e Pesquisa do Exército, e homem da confiança de Geisel.

Ao ser recebido, o General “visitante” comunicou ao “anfitrião” que ele era o novo comandante ali, por nomeação do presidente da República; um carro esperava Ednardo na saída do prédio, para leva-lo diretamente ao aeroporto, onde deveria embarcar para Brasília.

A sua bagagem seguiria depois. Consta que o general Ednardo perdeu a voz por algumas horas. Sei destes detalhes porque o General Dilermando era pessoa relacionada com alguém muito próximo de minha então família.

O tempora, o mores!

Por outro lado outro, novas ameaças surgiram na USP, desta vez atingindo o prof. Paulo Emílio Salles Gomes, na época lotado na Teoria Literária.

De novo: eram “ordens de Brasília”. Paulo Emilio era muito experiente e tinha as costas quentes. Não teve dúvidas: foi diretamente ao Comando do II. Exército. Conseguiu ser recebido por um Coronel.

Expôs o caso e queria saber o que havia contra ele. O Coronel chamou-o depois de alguns dias e foi taxativo: de Brasília não viera nada, nenhuma ordem. E assim começou a se desmontar uma das grandes farsas da USP.

Tudo – as listas, etc. – tinha sido forjado dentro da própria universidade, claro, com a cumplicidade do tal agente do SNI na salinha.

Tempos depois o tal de “assessor do SNI” foi fotografado entrando no prédio da Reitoria, numa autêntica tocaia que lhe foi armada por Perseu Abramo, então jornalista da direção da Folha de S. Paulo, com ajuda de dirigentes da recém criada (ou recriada) Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo, a ADUSP, de que Antonio Candido foi o primeiro vice-presidente eleito.

Ali aquela excrescência arbitrária começou de fato a acabar.

E assim os cinco daquela lista de 1974 ficamos na USP, e meu contrato foi renovado no começo de 1976.

Pude, portanto, participar do concurso ao final do ano. E assim pode acontecer a foto, com minha máquina, presente de meu pai.

Depois vieram outras fotos, e outras aventuras. Mas ficam pra outra.

Flávio Aguiar é escritor, professor aposentado de literatura brasileira na USP e autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo)

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