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Lição de amor

A força o amor

O filme, baseado em Amar, verbo intransitivo: idílio, de Mário de Andrade, reconta, de acordo com o livro, a “lição de amor” que recebe um primogênito de família distinta da burguesia paulistana da década de 20.

Para ministrá-la, Sousa Costa, o pai de Carlos, adolescente dos seus 15, 16 anos, contrata, sob recomendação de outras famílias de bem, uma governanta alemã, Helga, ou Fräulein, Elza no livro, a pretexto de ensinar alemão e piano ao filho e às filhas.

Uma vez em casa, o filme acompanha, com seus planos lentos e quase fixos, a iniciação amorosa do jovem, até o violento rompimento final, com o flagrante do pai, seguido do “bom susto nele”, sobre os perigos que rondam o amor imprudente, e da partida inevitável de Fräulein, — tudo devida e pedagogicamente negociado.

Para fixar estes momentos delicados de iniciação, Eduardo Escorel, o diretor, e seu corroteirista Eduardo Coutinho eliminam os trechos movimentados do livro, — da página 107 à página 129, — desde o passeio à chácara nova de Jundiaí, incluindo o choro de Carlos sob o caramanchão, desesperado de desejo (p. 110), a doença de Maria Luísa, cuidada por Fräulein com zelos de mãe, sua convalescença no Rio, o passeio à Tijuca (convertido em passeio na própria cidade) e a volta de viagem a São Paulo pela Central do Brasil, passagens em que Mário de Andrade tanto se empenhara em acentuar o caráter nacional; além da supressão ainda da cena do cinematógrafo, a “matinê do Royal” (p. 69), que culmina na masturbação de Carlos, e do sobrefinal, o trecho em que, encerrado o idílio, e o livro (p. 138), Fräulein, já ao lado de outro aprendiz do amor, reencontra o ex-pupilo de passagem, no “corso da avenida Paulista” (p. 145), com moça de sua classe social, rica e bonita.

Podemos nos indagar se esses cortes se devem a dificuldades de realização, materiais e financeiras, hipótese fatídica mas nunca ausente do horizonte do cinema brasileiro.

A coerência da encenação, no entanto, como que concebida para um único fim, acena com outra possibilidade. Lição de Amor, como toda adaptação, a par de cortes e acréscimos, opera condensações, deslocamentos e alterações de cenas e diálogos, quando não de seu tom.

Apenas a título de ilustração, notemos uma sequência em que ocorrem quase todos esses processos. No livro o passeio ocorre no Rio, na floresta da Tijuca; no filme, como não se especifica local, aliás a única cena externa, afora o início e o fim, a chegada e a partida da governanta, permanecemos, para todos os efeitos, em São Paulo.

A cena de amor dos dois, por sua vez, é precedida do diálogo em alemão (p. 109), deslocado portanto do espaço original, da chácara de Jundiaí, pouco antes do desespero de Carlos sob o caramanchão.

Por fim, imprime-se um tom cômico ao desenlace da cena da sequência. Sousa Costa, importunado com o que se passa em suas próprias barbas, irritado de ter que esperar nova consumação do ato, e ainda sem sanduíches! (p. 119) manda chamar os dois; se à resposta de Carlos a sua interpelação, o que vocês ficaram fazendo lá dentro?

(“Nada, papai, vendo! Você não sabe o que perdeu!”), mal consegue conter-se, às palavras de Fräulein, pouco depois, — “Senhor Sousa Costa, muito obrigada! nunca vi coisa mais linda na minha vida!” — o pai explode em ironia, e o público em riso: “Realmente, Fräulein… É uma beleza”.

Tais mudanças, porém, ligeiras ou de monta, são presididas por certa unidade de concepção, e se houve restrições econômicas, mais que eventuais talvez, até prováveis, o filme soube tirar rendimento delas. Tanto rendimento, que não seria descabido falar mesmo em opção estética.

Comecemos pelo mais visível, se é que podemos falar assim em cinema, pelo andamento da narrativa, lento, mas marcadamente lento, e pela encenação, parada, marcadamente parada. Os planos lentos e quase fixos vão conferindo certa peculiaridade fotográfica ao filme, a ponto de convertê-lo numa espécie de álbum de família.

E será este álbum de família, coerentemente concebido, um dos méritos do filme, capaz de justificar, por sua vez, a ambiência estritamente doméstica da película, que começa e termina praticamente com a abertura e o fechamento dos portões da mansão de Higienópolis.

Notemos no caso a diferença do livro, cuja curva é visível. Ambiência doméstica, como no filme, até a consumação do ato amoroso, no meio exato do romance, 50 páginas, e depois do qual se abre ele em algumas crônicas brasileiras, a crônica da mãe brasileira aflita com a filha doente, a crônica do passeio brasileiro e a crônica da “viagem brasileira” pela Central do Brasil (p. 122-9), até o desfecho falso, com a descoberta do pai, a despedida de Fräulein e o sobrefinal.

Diga-se a propósito que, mantendo-se sabiamente nos limites internos do portão, o filme evita cair no folclórico, no grotesco, coisa a que fatalmente sucumbiria se quisesse reproduzir as crônicas brasileiras de Mário de Andrade. Basta pensar, por exemplo, no pastelão que viraria a sequência se transpusesse a farofada fina da viagem pela Central…

Os planos lentos e fixos, fotográficos, marca registrada da encenação, respondem, porém, não propriamente à narração do livro, que é movimentada, com suas intervenções e seu humor machadianos, quase como um contraponto à imobilidade da vida narrada; essa fixidez fotográfica, que caracteriza o estilo de representação do filme, responde, à sua maneira, ao gênero que subtitula o livro de Mário — idílio, “quadrinho” em latim.

Nesse sentido, é como se o filme se dedicasse a registrar cenas “daquela família imóvel mas feliz” (p. 59), — uma frase, aliás, que parece ter servido de ponto de partida para a adaptação; a acumular quadrinhos aptos a formar em conjunto essa coleção de recordações gratas que traz todo álbum de família. É o idílio familiar, digamos.

Essa fixidez fotográfica, de álbum de família, se revela integralmente a dada altura, pertinho da resolução da intriga, no momento das cinco poses da família para foto, clássicas, exatamente antes de Carlos entrar no quarto de Fräulein e ser surpreendido pelo pai:

1.ª) o patriarca de pé repousando a mão protetora no ombro da mulher, sentada;

2.ª) a mãe sentada e as filhas de pé, as menores uma de cada lado e a maior de pé, atrás dela;

3.ª) a mãe e a caçula no colo, enquadrando-lhes o rosto;

4.ª) o pai sentado e o filho atrás, de pé, descansando-lhe a mão no ombro;

]5.ª) a família toda, os filhos de pé, rodeando pai e mãe sentados, a caçula ao lado da mãe, a outra ao lado do pai, e os mais velhos atrás, sem faltar a negrinha aos pés, também da família, como se sabe, filha da cozinheira, menos Fräulein, claro, um episódio necessário à boa educação dos jovens mas já descartado.

Decididamente fotográfica, a fixidez, que atinge boa parte dos enquadramentos e comanda a encenação, se converte ainda, em certos planos, em fixidez pictórica.

Assim, em plena aula de alemão na sala, e no início da paixão do pupilo pela professora, se reproduz um quadro de Fräulein semidespida, em frente do espelho, a banhar-se languidamente, um quadro tipo “Nu no banho” (à semelhança da reprodução que encima o sofá da família), e que pode muito bem ser a imaginação dele, ou dela, de como ela se imagina sonhada por ele em sua intimidade.

Assim, um pouco antes do beijo, e em meio a outra sequência fotográfica, vemos a cozinheira negra sentada a uma mesa na cozinha, descansando. Ambos os planos, os quadros a lembrar (reproduzir?) a pintura acadêmica, pré-modernista.

Planos tais, ora fotográficos, ora pictóricos, fundamentam a concepção unitária da encenação, e, em seus melhores momentos, vão muito mais além, como é o caso da sequência de fotos da mansão, inaugurada pela Marcha Turca de Mozart e logo substituída pelo tema do idílio amoroso, composto por Francis Hime, — sequência que antecede o beijo na biblioteca e sela a paixão amorosa:

1) o escritório, com a luz empoeirada coada pela cortina;

2) o chafariz de cavalo-marinho, desligado;

3) a boneca na grama;

4) a estátua de Cupido no jardim;

5) a “Preta Descansando” e 6) a lavadeira estendendo roupa.

Neste momento, a composição alcança uma espécie de natureza-morta no cinema que dá o que pensar. Para além da concepção unitária e coerente, fotográfica, pictórica, como temos dito, ou do apoio e continuidade da narrativa, funções que desempenham com brilho; para além mesmo da prova de virtuosismo, com reproduzir o que seria, com efeito, por quadros sucessivos e rápidos, uma narrativa idílica em cinema, começamos a sentir, em meio a nosso envolvimento natural com o drama burguês em tela, a distância temporal do narrado.

Mas não é só. Do mesmo modo como a natureza-morta, chamando a atenção para as convenções artísticas da representação, obriga ao distanciamento, o rápido giro panorâmico, partindo do escritório e voltando a ele, pela mansão em repouso à tarde, pela vida imóvel mas feliz da burguesia paulistana dos anos 20, obriga ao pé-atrás.

Que faz, em meio à modorra vespertina da senhorial Vila Laura, um plano-quadro da “Preta Descansando”, senão nos despertar bruscamente o universo de Casa-Grande & Senzala?

É quando sentimos crescer então a distância crítica, — a mesma distância a que também obrigará, claramente, perto do fim do filme, a sequência das fotos de família, a que já aludimos.

As duas sequências, tanto a dos retratos da casa quanto a dos retratos da família, por não integrarem diretamente a narrativa, por escaparem à lógica pura do relato, adquirem um estatuto tão emblemático que funcionam como espécie de miniaturas da poética do filme.

Uma, convertendo-o, do ponto de vista narrativo, em álbum de família; outra, do ponto de vista plástico, convertendo-o em natureza-morta.

E ambas, conjuntamente, álbum de família, natureza-morta, impondo o olhar crítico. Pois o álbum de família é convenção social, no filme, e é também convenção artística, tanto do filme, do seu modo de representação fotográfico, quanto no filme, do modo de representação fotográfica da época; e a natureza-morta é convenção social, negras labutando e senhores gozando, e é também convenção artística, não só do filme, do seu modo de figuração plástico, como no filme, com seu chafariz de cavalo-marinho e sua estatueta de Cupido no jardim.

E será dessa conjugação perfeita das duas sequências miniaturas que nasce a ironia, uma figura sabidamente da distância numa arte que se consagrou classicamente por buscar eliminá-la a todo custo.

O filme também segue a trilha das tantas ironias espalhadas pelo livro, e como que aberta pelo subtítulo de idílio, irônico, dado por Mário, como apontou a crítica.

A Marcha Turca, o tema da família, marca alegremente não só os progressos de Maria Luísa ao piano, a futura Guiomar Novais da família, mas também os progressos de Carlos no alemão, língua e — língua!

Assim, principiam ambos hesitantes, no teclado e no amor, e ambos vão se firmando ao longo do filme. Quando o álbum se fecha, com as poses clássicas, acaba-se a lição de música e a lição de amor.

Maria Luísa já toca direitinho a Marcha e Carlos já verte, em dueto amável, para a língua de Goethe, sintomaticamente, a “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias.

Neste instante de irônica felicidade idílica, de fim da lição de amor e de fim da lição de música, com a execução pianística de Maria Luísa beirando a perfeição, tudo comandado pela música adorável de Mozart, instante então em que se fecha o álbum daquela “família imóvel mas feliz”, (reprodução do final falso do livro?) podemos especular um pouco sobre o som e o sentido.

Os dois temas, o familiar e o amoroso, o de Mozart e o de Hime, (deliquescente… wagneriano?) brigam o tempo todo, como irmão, ou como os dois irmãos no filme, Maria Luísa e Carlos, ora um, ora outro invadindo o espaço alheio; ora penetra a Marcha Turca, alegre, bisbilhoteira, familiar, em pleno idílio na biblioteca, ora o tema amoroso invade, por exemplo, os recessos familiares, como na sequência miniatura da natureza-morta, das fotos da casa, e anuncia o beijo dos amantes.

Pode-se ainda argumentar que, à sua maneira, os dois temas, em seu contraste e disputa, reproduzem também os vários contrapontos do livro.

Num primeiro nível, a oposição interna do “caráter alemão” em Fräulein (Mozart/homem-da-vida x Hime/homem-do-sonho); noutro nível, a oposição entre os dois caracteres: o brasileiro (Mozart/alegre, galante, leviano, inconsciente etc. etc.) e o alemão (Hime/sério, consciente, infeliz, profundo, trágico etc. etc.) e, ainda, num terceiro, entre a mobilidade da narração mario-andradina (Mozart/ligeira, acelerada, humorada) e a imobilidade do narrado (Hime/lenta, suave, triste).

Especulações à parte, podemos assegurar, com certeza, pelo menos, que não se tematizou a questão do caráter nacional, uma questão de época, do nosso primeiro Modernismo, e à qual o filme inteligentemente se subtrai.

Devemos buscar noutra parte então a atualidade da adaptação, o sentido em realizá-la meio século depois, e a atualidade da crítica, o sentido em estudá-la depois de quase um quarto de século.

O filme é de época, como se diz, sem dúvida, histórico, se quisermos, não o nega nem sua encenação (figurinos, cenografia, interpretação) nem seu estilo de representação.

A fixidez fotográfica, pictórica, o converte num álbum de família, como vimos, com sua face pública e sua face secreta, como todo álbum, e é justamente a ele que devemos interrogar. Qual a razão social, ou atual, então, desse “quadrinho” privado?

Se o romance de Mário, como quer Telê, é “pró-mulher” (p. 25), o filme é francamente feminista, de um feminismo sem dúvida discreto, latente, mas inquestionável.

A presença da governanta é dominadora, sobretudo nas sequências iniciais, quando ainda se vê reforçada pela música de Hime, cujo motivo recorrente, leitmotiv, o tema de Fräulein, digamos assim, vai criando uma atmosfera propícia a sua aparição. Não bastasse isso, a Fräulein de Escorel é uma mulher não apenas digna, como em Mário, mas sobretudo — forte. Sofre, visivelmente, (como esquecer a expressão de Lilian Lemmertz?) mas isso como que apura mais o seu caráter.

Diferentemente da de Mário, não chora, nem na partida, não tem ciúmes, não tem fraquezas quase, nem aquela confessa, que abre o livro.

Para esta Fräulein, portanto, não conviria, numa crise de ciúmes, marcar intempestivamente a hora do encontro com Carlos,[ uma mudança decisiva e que a recoloca na situação de oprimida, daquela talvez que não tem remédio senão consentir nas exigências do patrão, pai ou filho.

Para esta Fräulein contida, também não conviria reproduzir, no passeio à Tijuca, num espasmo de felicidade e terror, o grito expressionista de Munch.

Em resumo, é dela, pois, desta Fräulein digna e forte, submetida a uma situação social adversa, o ponto de vista que estrutura o filme, ponto de vista por vezes narrativo, por meio da narração over, mas sobretudo ponto de vista afetivo.

Não é ela evidentemente a feminista, de vez que vive a sonhar com um casamento calmo, uma casa tranquila em sua querida Alemanha, devaneando sempre, em suma, com aquele “ideal de amor burguês” (p.20); discretamente feminista é a adesão, a solidariedade de Escorel à situação da personagem, ou da mulher em geral.

Não é à toa que dedica o filme atenção às irmãzinhas de Carlos, Maria Luísa, Laurita e Aldinha, e suas brincadeiras; não é à toa que se acrescenta uma fala de Sousa Costa, ao anunciar a partida de Fräulein, e ouvindo o desgosto de sua mulher, agora que as meninas estavam progredindo tanto, que Maria Luísa já tocava a Marcha Turca quase sem erro: “Paciência! Isso de amores escandalosos dentro de minha própria casa me repugna. Daqui a pouco as meninas também estão querendo!”

A par do feminismo, e como que acusando a educação feminina, reponta o freudismo do filme, que não foge ao do livro.[15] Não esqueçamos a cena de edipianismo explícito, em que Maria Luísa diz à mãe que Fräulein está cada vez mais parecida com ela, isto entre dois planos dos amantes na cama.

Mas, mais que o reproduzir, o filme como que concentra o freudismo, tornando-o mais consequente na economia da narrativa. Os sinais histéricos de Maria Luísa, a mais velha delas, a quem dedica o filme atenção especial, por ser um dos alvos preferenciais das “fomes amorosas” de Carlos, o Machucador, estão associados diretamente à sua relação enciumada com o irmão.

Assim, em vez de a vermos depenar uma palmeirinha na casa de uma amiga da mãe, vemo-la desfolhar, nervosamente, as asas de uma borboleta morta, imediatamente depois de espiar pela janela da biblioteca o irmão beijando Fräulein. (Inveja do pênis?)

O feminismo é certamente um penhor de atualidade do filme, o de mais visibilidade talvez, mas sua atualidade maior, seu verdadeiro achado, reside, a nosso ver, noutra parte, a saber, na distância crítica que impõe sua figuração fotográfica e pictórica, seja como álbum de família, seja como natureza-morta.

O álbum de família não é o livro, obviamente; mesmo extraído dele, de uma brevíssima passagem sua, significa antes uma construção do filme, e, como elaboração formal, representa, digamos, sua contribuição.

E a distância que impõe tal figuração também não é cômoda; muito pelo contrário, sua ambiguidade como que alimenta sua carga crítica.

Pois sabemos que o álbum pode custar a morrer, gerações e mais gerações, séculos às vezes, a ponto de nos indagarmos, ao fechá-lo, se ele está realmente morto. Eis a impressão que resiste ao fim do filme.

Dado o peso ainda presente do “familismo nacional”,[ (não custa relembrar que o “romance de formação”, literal, que conta o livro não tinha outro intuito senão a constituição de mais uma família de bem, e bens), e seu poder de exclusão do diferente, do estrangeiro, do individual, sobretudo, (não custa relembrar que Fräulein não figurava nas fotos de família), sua contradição, enfim, com o “processo de individuação e universalização burguesas”, começamos a duvidar se o filme é só de época mesmo, se o pitoresco ali pintado também não continua a nos retratar.

Não é o nosso tempo, sem dúvida, mas também não podemos assegurar que se trata de um tempo inteiramente outro, ou morto. Eis a ambiguidade do álbum.

Mais expressamente, nas palavras lúcidas de Mário, é como se essa realidade persistente, que o filme congela em álbum de família, voltasse sempre a nos indigitar: “Carlos não passa de um burguês chatíssimo do século passado.

Ele é tradicional dentro da única cousa a que se resume até agora a cultura brasileira: educação e modos. Em parte enorme: má educação e maus modos. Carlos está entre nós pelo incomparavelmente mais numeroso que inda tem no Brasil de tradicionalismo ‘cultural’ brasileiro burguês oitocentista.

Ele não chega a manifestar o estado biopsíquico do indivíduo que se pode chamar de moderno. Carlos é apenas uma apresentação, uma constatação da constância cultural brasileira (…)” (p. 155).

A questão pois que sugere o filme, numa atualização inteligente, não passa mais pelo “caráter nacional” do brasileiro, mas, sim, como já intuía — contraditoriamente[20] — o próprio escritor, pela “cultura brasileira”, por essa “constância cultural” que vem atravessando séculos. Constância histórica, como legado colonial que é, mais que antropológica.

A lição do filme não podia ser outra, então, senão insinuar que nossa cultura brasileira, familista, parentelística, sobrevive até hoje, como todo álbum de família, mais ou menos embolorado, mas vivo — desgraçadamente.

*Airton Paschoa é escritor, autor, entre outros livros, de A vida dos pinguins (Nankin).

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