Professor da Universidade Duke, nos Estados Unidos, Miguel Nicolelis é considerado um dos maiores cientistas do mundo. Um tweet do cientista, na última segunda (4), teve enorme repercussão.
Ele advertiu: “ou o país entra num lockdown nacional imediatamente, ou não daremos conta de enterrar os nossos mortos em 2021”. Numa entrevista à BBC Brasil, ele falou sobre o tweet e explicou:
“O Brasil precisa fazer algo muito parecido ao que aconteceu na Grã-Bretanha nos últimos dias. Isso, aliás, veio a partir do comitê científico britânico, que pressionou o primeiro-ministro e o governo para fazer um lockdown mesmo com o início da campanha de vacinação por lá. Era óbvio que não dava pra esperar pra vacina fazer seu efeito populacional. É preciso conter a escalada para o sistema de saúde não colapsar”.
Na entrevista, Nicolelis apresentou um panorama da evolução da pandemia e dos impasses e desafios colocados para o Brasil.
Os principais trechos:
A pressão não é mais só dos casos agudos de coronavírus.
Nós temos agora todos os casos acumulados do ano passado, que não puderam ter atendimento por causa dos hospitais lotados. E temos também um número enorme de pacientes com sequelas da covid-19 que vão precisar de atendimento médico.
Estamos falando de duas enormes demandas por serviços médicos, internações e unidades de terapia intensiva. E ainda há um terceiro grupo, que são de todas as doenças que estão represadas. Pacientes que estão sofrendo de doenças crônicas e agudas e precisam de cuidados médicos.
Nós vemos algumas particularidades muito específicas dessa segunda onda.
Nós temos uma cepa que é mais transmissível, o que significa que vamos ter mais pessoas infectadas. Além disso, há um número de jovens e crianças afetados que está aumentando proporcionalmente.
Até hospitais pediátricos em São Paulo estão com problemas de demandas de vagas para atender casos.
Um exemplo dramático disso é Manaus.
A cidade colapsou muito mais rapidamente do que na primeira onda. E colapsou a um ponto que o prefeito veio dizer que o sistema de saúde não foi o único afetado. Ele teme um colapso do sistema funerário neste momento.
Essa é uma preocupação que existe desde a primeira onda e ficou por debaixo do tapete, sem ninguém falar sobre isso.
Mas foi algo que aconteceu em Nova York, no Texas e está acontecendo na Califórnia neste momento.
Essa é uma grande preocupação, porque se você começa a perder a mão do sistema de manejo das vítimas, dos corpos, você começa a gerar problemas de saúde pública secundários gravíssimos.
A gente ainda não tem os dados completos da letalidade das novas cepas.
A cepa da África do Sul é muito preocupante. Há mortes acontecendo na Austrália por causa da cepa britânica. Ela também já foi detectada no Japão. Isso significa que ela correu o mundo, como era de se esperar.
Com o espaço aéreo brasileiro aberto, nós estamos repetindo todos os erros da primeira onda. Com o agravante de que o país inteiro está tendo curvas de crescimento, algumas mais rápidas do que lá no início. Então essa é uma situação muito assustadora.
É evidente que sou sensível a todo o debate sobre a questão econômica.
Mas essa dicotomia é falsa.
Se o número de mortes começar a disparar, o sistema de saúde colapsa e nós não temos condições de manejar a pandemia da maneira correta.
O que vai então acontecer com a economia?
Ela também vai colapsar. As pessoas vão começar a morrer em números altíssimos por outras doenças e não vamos ter nem gente para fazer a economia girar. Não vamos ter pessoas para trabalhar, produzir e consumir bens.
Essa é a realidade que o presidente Jair Bolsonaro desconsidera, o está com as portas abertas para o desastre.
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