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Nota sobre a conjuntura política brasileira

Este momento talvez seja o de maior tensão e rudeza envolvendo o governo do grupo bolsonarista-guedista e as forças políticas da “oposição” institucional por um lado, e o setores subalternos (trabalhadores, desempregados, negros e negras, indígenas, mulheres, LGBTQI e os que estão passando literalmente fome) e os que os vocalizam por outro.

Ainda que não esteja explícita e tenha desabrochado com maior delineamento no plano político-social, há uma tensão que atravessa a sociedade nacional neste momento.

Pode-se dizer que existe uma apreensão latente e que faz com que o governo Bolsonaro atue sistematicamente por meio da tática da antecipação, uma espécie de luta de classes preventiva, diante da possibilidade de “ruptura” do abcesso.

Os índices sociais são os mais graves dos últimos anos.

Por si só, partindo da premissa que havia se estabelecido pelo próprio programa de país do bolsonarismo organizado pelo ministro da economia Paulo Guedes e seus subordinados nas instituições que dirigem, bem como difundida por setores da grande mídia (empresas capitalistas de comunicação) e economistas.

Tanto da área acadêmica e associados a bancos privados, agências de investimentos e consultorias financeiras, a situação social já seria fatalmente de gravidade para os populares atingidos pelo “projeto” de guedista e agora lirista (Arthur Lira, antecedido por Rodrigo Maia).

Com a pandemia da Covid-19 que se abateu sobre o mundo em 2020 e devastou as condições de sobrevivência e subsistência dos subalternos o quadro se tornou, significativamente, insuportável do ponto de vista das circunstâncias humanas.

A fome e a ausência de perspectiva podem ser vistas nas filas que se formaram em estabelecimentos de carne, que na ocasião passaram a distribuir restos de ossos para população.

No entanto, uma contradição desesperadora ocorre, com o valor do gás de cozinha passando por aumentos sucessivos impostos por acionistas da Petrobras, consentidos pelo governo, impossibilita muitas pessoas a terem a possibilidade de prepararem refeições que necessitam de cozimento. Assim, a atmosfera apresenta-se inquietante, em vias de certo modo de explosão.

Não é ocasional que Bolsonaro atue em quatro frentes – com certo grau de coordenação. Não se pode perder de vista, sob o risco de um trágico esmagamento dos grupos de esquerda mais aguerridos e dos subalternos de toda circunstância como abordamos há pouco, que o grupo bolsonarista-guedista.

cOnforma seu círculo de aço (o pulso de ferro) com as forças armadas (exército, marinha e aeronáutica), basta analisar as declarações e atuações de Braga Neto, Hamilton Mourão, Augusto Heleno e Pazuello, e a ocupação pelos segundos e terceiros escalões da administração estatal.

O esforço de setores da grande e oligopolizada imprensa, de políticos da ordem e mesmo de setores progressistas de desassociar as forças armadas como instituição do Estado do governo Bolsonaro-Guedes explicita seus cinismos de classe.

Ao mesmo tempo o bolsonarismo-guedismo constrói um semiexército, sempre disposto na história brasileira à guerra contra o povo sobretudo de pele preta, atuando nas polícias militares dos Estados (são sicários mesmo), junto a estes e como é de conhecimento público sem que se desdobre as consequências disso há as milícias paramilitares que já demonstraram seu ódio branco de quando exterminaram Marielle Franco m 2018 no momento de intensificação do projeto hoje sendo colocado em prática.

O grupo guedista-bolsonarista reiteradamente organiza comunicações aos setores mais abastados – a elite branca dominante, as burguesias várias e a classe média alta – para que se armem (é muito cinismo argumentar que a intenção não seja essa, os valores para a posse legal de armas estão muito além de setores que de fato se quer têm recursos para comprar feijão

E a frase “só idiota deixa de comprar um fuzil para comprar feijão” é imanentemente plena de sentidos e implicações).

Arregimente via o deputado e presidente da câmara, Arthur Lira, uma sólida (até o momento) base parlamentar, que vez por outra adquire relativa independência como na votação acerca do voto impresso, mas isso é no plano fundamentalmente institucional concernente ao arranjo das eleições, na dinâmica mesma da luta política e social material.

Eles já demonstraram sua fidedignidade de ocasião (são poucas as propostas do governo que tendencialmente ficam bloqueadas pelos partidos da base de direita de Bolsonaro-Guedes) assim como no senado com defesa intransigente que fazem na CPI da Covid-19.

Ora, se o grupo bolsonarista-guedista demostra relativa coesão programática – as reformas estão sendo “encaminhadas”, os direitos dos trabalhadores estão sendo devastados, privatizações são “feitas” ou apresentam tendência de efetivação como a da Eletrobrás e dos Correios, as forças de repressão de classe estão convictas de seu papel político, o Estado está sendo refundado com a destruição dos ministérios da educação e da cultura –, acontece uma contradição que atravessa, especificamente a articulação Bolsonaro-Guedes que se expressa na maneira ao qual setores liberais-conservadores tornaram-se adversários somente de Jair Bolsonaro e seu modo de governar.

De modo geral são impudicos guedistas (Paulo Guedes) que recentemente passa por um desgaste se sua imagem após declarações que não surpreende os conhecedores da biografia do ministro.

Mais do que consentindo com o guedismo; são o círculo retórico de defesa do reposicionamento da economia capitalista brasileira neste rearranjo do regime de acumulação nomeado de neoliberalismo (ver sobre isto Leda Paulani-“Bolsonaro, o Ultraliberalismo e a Crise do Capital”, Revista Margem Esquerda nº 32, 2019; Marco D’Eramo – “Entrepreneur in Uniform”, New Left Revie/Sidecar, 15 July 2021; Cedric Durand–“Economia de Joe Biden – reversão em relação à 1979”,

Organizações Globo à frente.(Gramsci sustentava no fim do Caderno 17 (1933-1935) § 37 que “jornais, revistas e um grupo de revistas são também partidos, frações de partido ou funções de determinados partidos”, ver Antonio Gramsci – Cadernos do Cárcere, v. 3 Maquiavel: Notas sobre o Estado e a Política, Civilização Brasileira, 2014.)

Sua recusa e oposição a Bolsonaro se expressa de diversas maneiras.

Desde uma não aceitação pela conduta do seu governo no combate á pandemia da Covid-19 até os preconceitos explícitos do presidente contra grupos minoritários passando pelo tratamento dado a setores da imprensa.

O discurso desabrido acerca de posições mais delicadas (algo que é ferir de morte a desfaçatez de classes da elite branca dominante brasileira) e o mais preocupante para o setor liberal-conservador o fato de Bolsonaro estimular a radicalização da sociedade – de estabelecer um curto-circuito que possa fazer os grupos mais prejudicados pelo projeto político-econômico e político-social do bolsonarismo-guedismo despertar e eventualmente tomar as ruas em articulação com as forças de esquerda. Bolsonaro, portanto, passou a ser remédio-veneno.

De certa maneira, é, justamente, esse um dos elementos de catalisação da crise que enfrenta o bolsonarismo – que se articula com a profunda fome e clima de tensão e apreensão que atinge as classes subalternas mais atingidas pela fome e que se irradia por toda a sociedade brasileira, bem como com o despertar de amplas mobilizações da esquerda brasileira.

A partir de maio desse ano:  as mobilizações alcançaram diversas capitais e observadas às imagens trouxeram alguns grupos e setores que não os convencionais da classe mediacrítica de esquerda e universitária (esse é um dos temores de Bolsonaro-Guedes, seu grupo e de outra perspectiva dos liberais-conservadores e mesmo liberais-progressistas).

Sempre preventivo; uma modalidade de conduta política e de governo tipicamente da direita intransigente, Bolsonaro e seu círculo de aço não se resguarda ao pressentir o cerco se aproximar.

É a “preparação” para uma suposta “guerra civil”, sustentado por setores da elite branca dominante , (banqueiros, empresários, agronegócio, classe média alta), o que organiza a política bolsonarista-guedista, e há indícios de que atua e se prepara a partir desse horizonte acelerado.

Convém à esquerda não ser tomada de surpresa novamente, como na crise do sistema financeiro de 2008 (a explosão das bolhas do subprime) e nas jornadas de junho de 2013.

A dialética já nos ensinou muita coisa – por vezes teimamos em esquecer esse aprendizado emancipatório.

Ronaldo Tadeu de Souza é pesquisador de pós-doutorado no Departamento de Ciência Política da USP.

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