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O apocalipse segundo Jair Messias/por Jean Tible

O movimento revolucionário sempre desejou um apocalipse como fim dos tempos – e início de novos. Os parceiros Marx e Engels vibravam com os anúncios de uma crise econômica possivelmente fatal ao capitalismo e da hecatombe redentora por vir.

Força profética e trágicas experiências do século passado nos colocam nessa situação paradoxal na qual uma transformação radical nunca foi tão necessária frente a esse presente tão absurdo e sem sentido, nessa era de múltiplas crises acopladas e colapsos articulados. Mas o movimento, no entanto, emperra.

Outras profecias vinham anunciando outro fim de mundo, desde o magnífico A queda do céu, de Davi Kopenawa (e Bruce Albert) a acontecimentos do ano passado como o sinistro dia do fogo na Amazônia brasileira ou na imensa queimada na Austrália, que afetou diretamente um quarto da sua população.

São tantos cataclismos recentes, que já nos mostravam o fim de uma era. A explosão dos reatores de Tchernóbil. A de Fukushima. O desastre industrial de Bophal. O desabamento do Rana Plaza. O furacão Katrina devastando a pobre e negra New Orleans. Mariana, Brumadinho e Belo Monte por aqui.

Num escopo mais longo, o etnocídio dos povos ameríndios e a escravidão dos povos africanos e tantos outros genocídios – “a força radical da Negridade reside na virada do pensamento; o conhecer e o estudar conduzidos pela Negridade anunciam o Fim do Mundo como o conhecemos”.

A miséria das nossas relações sociais, com suas desigualdades aberrantes.

Velhos morrem solitários sem serem velados e chorados decentemente em várias partes na Europa. Jovens Yanomami são enterrados num abjeto desrespeito aos seus ritos funerários. Moradores de rua, favelados, migrantes, presos, sem teto e precários à mercê e trabalhadoras da saúde trabalhando sem proteção adequada em todo canto.

As polícias militares nas duas maiores cidades (Rio de Janeiro e São Paulo), que já apresentavam altos índices de morte de cidadãos, veem, nos últimos meses, seu número estourar assim como casos sinistros e emblemáticos de violências policiais.

O desmatamento cresce brutalmente no Brasil (inclusive em relação ao recorde do ano passado), assim como dispara a violência doméstica (aqui e em tantos países). A fome na espreita novamente.

Pretos e pobres, latinos e indígenas morrendo nas duas sociedades de fortes traços escravocratas e extremamente desiguais (a estadunidense e a brasileira), que provavelmente serão as mais afetadas do mundo pelo novo coronavírus.

Numa macabra atualização do ¡viva la muerte! do fascismo franquista na Espanha, uma influencer declara de modo “provocativo” na chegada da epidemia ao Brasil: foda-se a vida.

A fraqueza das infraestruturas coletivas, fragilizadas pelas cruéis políticas de austeridade.

A destruição da saúde coletiva se mostra como parte de uma precariedade induzida pela destruição das redes de solidariedade construídas e conquistadas com a ascensão da classe trabalhadora desde o fim do século 19. Políticas da morte e do dano.

Tal precarização fomenta sentimentos de insegurança e medo, por conta do isolamento social em detrimento da solidariedade e apoio mútuo e que se aguçam nesse contexto pandêmico.

No caso da China, as recentes epidemias evidenciam sua relação com a degradação da saúde dos de baixo, com parcos investimentos públicos nessa infraestrutura da vida em detrimento da “de tijolo e concreto – pontes, estradas e eletricidade barata para a produção” Colectivo Chuang, Contágio Social.

No Brasil, sem o Sistema Universal de Saúde (SUS), fruto das lutas de movimentos populares e médicos sanitaristas na década de 1980 e garantido na Constituição de 1988, e apesar de suas fragilidades (como o subfinanciamento histórico e descaso nos últimos anos), a tragédia (são várias semanas seguidas com uma média diária de mais de mil mortos) seria ainda maior.

As mentiras e autoritarismos dos governos.

No contexto atual, as mentiras são generalizadas: de Trump e Bolsonaro, obviamente, mas também da França de Macron onde por não estocar mais equipamentos de proteção (por ser considerado caro e poder ser abastecido pelo fluxo de logística a qualquer momento – saúde administrada como empresa contemporânea), médicos e autoridades negavam a necessidade do uso de máscaras e profissionais da saúde atendiam com sacos de plástico improvisados.

Democracias?

A face repressiva ativada muito facilmente (contra estrangeiros ou populações indesejadas, fora de certas normas) que a do cuidado (arrancada pelas lutas) na qual a maioria dos governos nitidamente fracassou. N

a Argélia, só a pandemia parou o movimento Hirak e, durante a mesma guerra, centenas foram presos. A ridícula retórica da guerra antes ativada contra os protestos (como no Chile), agora é a respeito do vírus – em ambos os casos, os alvos são as pessoas, suas vidas-lutas.

No governo brasileiro, o negacionismo (antes do aquecimento global e das múltiplas desigualdades; agora, da pandemia também) impera. As reações de Jair Messias Bolsonaro (que se infectou recentemente e reforçou sua propaganda da cloriquina) às mortes são de escárnio:

“Eu não sou coveiro”, “Todos nós iremos morrer um dia”, “E daí? Quer que eu faça o quê?”,

“Não estou acreditando nesses números”. Falta de empatia é pouco, trata-se de uma necrofilia e de um plano: deixem morrer os mais vulneráveis; supostamente para salvar a economia, que já andava recessiva antes da pandemia e naufraga ainda mais com a má gestão em curso.

Dois ministros da saúde já saíram e o interino (há mais de dois meses no cargo, mas ainda não oficializado) é um general que nada entende do assunto e demitiu quadros de carreira do ministério, colocando em seu lugar dezenas de militares que tampouco dominam as questões de saúde pública.

Além disso, tentou ocultar os dados e cancelou as entrevistas diárias, agravando uma ação já extremamente falha do governo federal, que não comprou nem respiradores nem equipamentos de proteção e boicotou o confinamento (deixando as ações institucionais unicamente para os governos estaduais e municipais).

Pior, Bolsonaro vetou iniciativas dessas entidades sub-nacionais como multas por não usar máscaras ou sua distribuição para quem mais precisa. Isso é especialmente grave no caso das populações indígenas, quilombolas e outras ditas comunidades tradicionais.

O governo, por um lado, recusou verba de emergência para fornecer água potável, materiais de higiene, limpeza e assistência hospitalar e, por outro, incentiva invasões de garimpeiros e grileiros, além de desestruturar os órgãos governamentais que poderiam dar conta dessas funções (de cuidado e de fiscalização).

Um genocídio que não acaba nunca, um choque microbiano que se atualiza sinistramente nesses cinco séculos de epidemias (sarampo, varíola, cólera, gripe, coqueluche, pneumonia – e capitalismo).

Os elos entre capitalismo e natureza (máquina de destruição colonial).

O novo coronavírus (e seus antecessores) foi “gestado no nexo entre a economia e a epidemiologia”, passando de animais para pessoas humanas.

Esse “salto de uma espécie para outra é condicionado por questões como proximidade e regularidade do contato, que constroem o ambiente em que a doença é forçada a evoluir” e se alimenta da “panela de pressão evolutiva criada pela agricultura e urbanização capitalistas”.

O agronegócio, a agricultura industrial e suas monoculturas (de grãos e animais, mas também existencial), constituem um meio ideal para seu desenvolvimento.

Tal compreensão se reforça no Brasil, onde esse setor chave da economia foi um dos primeiros do empresariado a apoiar em peso o candidato Bolsonaro e compõe uma subjetividade de tons fascistas, de eliminação de povos indígenas, quilombolas e sem-terra – a boa e velha questão da terra.

O vice-presidente, general Mourão, vai glorificar a colonização portuguesa do Brasil, colocando os bandeirantes e os donos de engenho (os “senhores do açúcar”) numa linhagem “empreendedora” e como fazedores do Brasil, traçando seu “destino manifesto de ser a maior democracia liberal do Hemisfério Sul”.

A privatização das terras roubadas dos habitantes desse território – que marcam o início do Brasil – é vista como a “mais avançada tecnologia da época”.

Existe, nessas concepções, uma nostalgia de um passado colonial “cuja cultura era rural, agrária, religiosa e patriarcal”. Nesse contexto, do século 17, “enquanto os senhores de engenho levantavam igrejas e protegeriam o povo, viris ‘bandeirantes’ chefiavam milícias de mestiços em expedições pelo sertão adentro para apresar índios e buscar riquezas naturais, extraindo da exuberante natureza o máximo que podiam”.

Bolsonaro vem diretamente disso, dessas marcas atuais da colonização e seu “culto da morte e da violência”. Sua distópica “idade de ouro” é externa ao Brasil (está nos confederados estadunidenses e hoje no vínculo bandeirante-miliciano), num curioso nacionalismo subordinado.

Esse enfrentamento, de séculos, da fuga libertadora contra os escravocratas, prossegue: na esteira do levante #blacklivesmatter e suas ressonâncias globais, o governador de São Paulo (da direita tradicional, mas eleito com os votos e pautas bolsonaristas) vai se precaver e proteger preventivamente a horrenda estátua de um bandeirante para que não fosse derrubada.

Eis o projeto do governo Bolsonaro e seus profundos laços com a história do país: “o problema dos índios é que as terras dos índios são terras da União, e o objetivo do governo é privatizar.

E mais do que do governo, das classes que o governo representa, das quais ele é o jagunço, porque é isso que ele é: o jagunço da burguesia”. Daí sua obsessão (e dos militares em geral) com a Amazônia, pois simboliza esse enfrentamento entre concepções-práticas da terra no Brasil desde 1500.

Eles querem completar a conquista e, nesse sentido, “estamos assistindo a uma espécie de ofensiva final contra os povos indígenas”.

Ao não tratarmos (sobretudo nesse período da redemocratização, dos anos 1980 para cá) de forma mais contundente nossas chagas coloniais (desigualdades profundas, genocídio dos jovens negros e etnocídio dos povos indígenas), ao nunca acertamos as contas com esses crimes, as regiões mais violentas de um país extremamente violento passam a ter uma importância ainda mais crucial e apontam para uma nacionalização de suas trágicas situações: a Baixada fluminense e a Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro com suas milícias, o Mato Grosso do Sul (MS) e o massacre nunca interrompido e o Pará e a Amazônia em chamas.

Não por acaso, o MS, estado de menos de três milhões de habitantes, tinha dois ministros (agora só uma, o da saúde foi demitido) e ambos ligados a posições anti-indígenas, compondo uma sinistra mescla com a influência miliciana e latifundiária escancaradas.

Máquina de morte

A máquina de morte é constitutiva do que chamamos Brasil, a novidade desse governo é que ele a celebra.

Deleuze, ao trabalhar Espinosa, celebra sua filosofia da vida, que se distancia de tudo o que nos separa dessa e o que a envenena com as categorias de Bem e do Mal e, sobretudo, o ódio, “incluindo o ódio voltado contra si mesmo, a culpa”.

É curioso notar que Bolsonaro, vindo do Vale da Ribeira, território mais pobre de São Paulo, onde a Mata Atlântica foi menos desmatada e com forte presença quilombola, indígena e camponesa.

Um ódio de si mesmo?

Para Espinosa-Deleuze, “a tristeza serve à tirania e a opressão” e gera impotência – ao contrário da alegria, que ativa.

Apoios e oposições

Frente a essa tragédia, Bolsonaro mantém certo apoio (25-30%), ainda que sua rejeição tenha crescido, se aproximando dos 50% da opinião.

Nesse ano e meio de governo, Bolsonaro perdeu um dos seus pilares, Sergio Moro, da pasta da Justiça, figura fundamental da operação “anti-corrupção” Lava Jato e decisivo na vitória eleitoral (ao condenar e tirar do pleito o candidato que liderava as pesquisas, Lula).

Seus apoios se situam nos militares (milhares ocupam cargos governamentais), pastores evangélicos e agora nos partidos do chamado centrão (que tendem a apoiar todos os governos das últimas décadas em troca de cargos e verbas), mas também numa movimentação fascista na sociedade (setor duro do bolsonarismo) e no apoio das classes dominantes.

Até a prisão em junho do seu amigo, antigo assessor do filho Flávio e aparente elo com as milícias, Fabrício Queiroz, Bolsonaro parecia somente esticar a corda, aparecendo em manifestações nas quais parte das pautas era o fechamento do STF e do Congresso.

A temperatura estava subindo, mas com esses escândalos ligados aos Bolsonaros, ele parece ter optado por recuar, para proteger a família.

Apesar de tudo, não existe ainda clima político para impeachment (apesar de dezenas de pedidos já protocolados) e por ora “as elites políticas, econômicas e judiciais oferecem um acordo de ‘normalização’ a Bolsonaro”.

Nessas delicadas circunstâncias, “quase não se ouve a palavra do setor mais poderoso da sociedade, a classe capitalista.

As entidades representativas do capital agrário, industrial e financeiro (CNA, CNI, Fiesp, Fierj, Febraban etc.) mantêm um silêncio ensurdecedor, em meio aos rapapés com o ministro Paulo Guedes”.

Como no episódio do dia do fogo, os donos de dinheiro só se manifestam quando a imagem do Brasil no exterior passa a prejudicar seus negócios imediatos – alguns banqueiros e empresários escreveram ao vice-presidente, presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, cobrando um plano de proteção ambiental e produção sustentável.

O andar de cima aposta, assim, num controle de Bolsonaro (sem o bolsonarismo, sua face mais extrema). A figura-chave nessa perspectiva é o Ministro da Economia, Paulo Guedes, o outro pilar do governo que restou.

Isso pode ser nitidamente observado numa reunião ministerial, sintomaticamente realizada no dia da mal-chamada descoberta do Brasil (22 de março). Des-cobriu o governo em sua subserviência e mediocridade, em suas duas horas de horrores (na forma e no conteúd), divulgadas depois da saída de Moro e sua briga com Bolsonaro, acusando-o de intervir na Polícia Federal do Rio para poupar sua família de investigações.

Presença forte do governo, a reunião mostra um Guedes à vontade, falando somente menos que o presidente e muito mais do que o ministro da Casa Civil, responsável pelo plano de investimentos que era a pauta da reunião.

Três pontos de suas intervenções chamam a atenção. Primeiro, incomodado com propostas de aportes estatais em infraestrutura de alguns colegas, o Ministro da Economia contrapõe uma ideia de ter um milhão de jovens aprendizes nos quartéis, que receberiam 300 reais (o salário mínimo é de 1.045 reais) para aprender a disciplina e executar essas obras.

Em seguida, solta a proposta de abrir resorts/cassinos com centros de negócios e outros serviços mais (inclusive em área de proteção ambiental, de acordo com o desejo de Bolsonaro de transformar Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro, em uma Cancun).

Eis as propostas ditas estratégicas, o plano Guedes. Seria essa uma chave para compreender a obsessão da extrema-direita com Cuba, no caso pela Cuba colonial pré-revolução de 1959?

Enfim, Guedes ilustra bem os laços indissociáveis entre as vertentes supostamente “civilizada” e técnica de uns e os toscos e ideológicos de outros: “cita Hjalmar Schacht, ministro da Economia da Alemanha nazista (1934-1937): ‘a reconstrução da Alemanha na Segunda Guerra, na Primeira Guerra com o Schacht.

A Segunda Guerra, com o Ludwig Erhard, […] a reconstrução da economia do Chile com os caras de Chicago. […] o caso da fusão das duas Alemanhas. Eu conheço profundamente, no detalhe, não é de ouvir falar. É de ler oito livros sobre cada reconstrução dessa.

Guedes, elo respeitável com os mercados, que trabalhou no Chile durante a sanguinária ditadura de Pinochet (que chama de “transformação maravilhosa”), cita um nazista como referência. Não se trata de uma surpresa, já que os vínculos entre o neoliberalismo e autoritarismo são notórios.

Von Mises defendeu que o fascismo salvou a civilização europeia. Friedman visita o ditador chileno em 1975 e Hayek viaja em 1977 e novamente em 1981 quando, em entrevista ao El Mercurio, declara preferir um ditador liberal a um governo democrático não liberal, pois permite uma maior liberdade econômica (essa é o valor absoluto e não a democracia) que no período anterior, de Allende.

Liberdade para o capitalismo que é estável e auto-regulador.

Isso escancara a hipocrisia de parte dos que se opõem a Bolsonaro, mas apreciam Guedes – “o bandeirantismo sertanista de Jair Bolsonaro é avô do darwinismo social de Paulo Guedes, para quem a função principal da economia brasileira é a de abastecer o mercado das metrópoles com commodities agrícolas, tal como ocorria no século XIX”17.

São inseparáveis na guerra contra a população, ocorrendo em toda parte, mas particularmente aguda no Brasil. Como qualificar um Estado cujos agentes disparam continuamente contra civis?

Uma guerra colonial, de ocupação, sobre a qual o Brasil se assenta, em seu continuum de massacres contra os pobres, pretas, indígenas e outras.

A pandemia aguça uma “agenda da morte”, que constitui o elo (explícito) entre as distintas ações e iniciativas do governo, como corte das políticas de solidariedade, liberalização total de agrotóxicos, desmonte das políticas ambientais, oposição à demarcação de terras indígenas, destruição das históricas e premiadas políticas de DST-AIDS, ampliação da posse e porte de armas, intenções punitivistas num país que já embarcou no encarceramento em massa, política externa de intervenção nos vizinhos. Genocídio18.

A covid-19 segura por ora protestos que poderiam ganhar outra dimensão contra esse massacre. Vão pipocar após passar essa terrível situação? Torcedores de futebol lançaram, em maio, o Somos Democracia nas ruas, protestos ocorreram no marco da explosão anti-racista nos EUA, iniciativas como “Enquanto houver racismo, não haverá democracia” se articularam e os entregadores, trabalhadores dos aplicativos, fizeram suas primeiras greves.

A profunda crise econômica e social, a politização da nova geração, o trabalho contínuo das mais antigas – isso tudo pode estar gerando um caldo rebelde que poderá tomar mais vulto assim que as condições sanitárias permitirem – como em 2019 já sacudia vários cantos do planeta (Argélia, Sudão, Haiti, Chile, França, Hong Kong, Índia, Iraque, Colômbia, Equador…) e aconteceram a partir dos EUA nas últimas semanas.

A pandemia revela nossa encruzilhada planetária. Frente ao caos (à sobreposição de crises), em vários relatos, surgiria o estado de natureza e nesse sentido o mais provável como perspectiva futura seria aprofundar a revelação hobbesiana sinistra que traz a covid-19: aumento das desigualdades combinadas com mais autoritarismo e aprofundamento da guerra contra a população e da destruição do que chamamos – equivocadamente – de natureza ou meio ambiente.

Um outro caminho, espinosiano, seria trilhar o sentido etimológico de catástrofe (fim súbito ou grande virada) do vírus chamado capitalismo, compreendendo esse sistema como a enfermidade mesma, causadora de adoecimento das pessoas.

Mas grande virada somente se envolver organização, criação e experimentação. Em 2008, a crise parecia propiciar condições de transformações, mas nem com o ciclo de protestos do movimento das praças isso se concretizou minimamente.

Tudo permaneceu ou até mesmo piorou. Agora, alguns sinais auspiciosos surgem: valorização das trabalhadoras da saúde e outras profissões mal-pagas e desvalorizadas, da saúde coletiva, pautas como a renda garantida, redes múltiplas de solidariedade e auto-reflexões coletivas.

Inúmeros povos, corpos dissidentes e seres vivos nos mostram e indicam caminhos.

Os mesmos que foram tantas vezes, nos últimos séculos, colocados no campo da natureza e assim, situados como descartáveis após consumo. Esse predomínio do Homem sobre a Natureza põe em risco a vida humana e sua sobrevivência depende agora de ouvir os antes considerados não modernos cujos relatos sempre levaram em conta as atividades das vidas, humanas e não humanas, e se revolucionar.

Terra comum habitada contra a propriedade privada, apropriação, expropriação e exploração capitalistas. Pensar-praticar a democracia com os dispositivos situados da inteligência coletiva dos corpos-territórios19.

Contra as pandemias (coloniais, capitalistas, extrativistas, racistas, machistas, etnocidas…), novas alianças entre espécies, associação de redes das existências e internacionalismo intergaláctico.

Jean Tible é professor do Departamento de Ciência Política da USP.

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