No transcorrer da pandemia que assola o país, a qual já vitimou mortalmente mais de setenta e duas mil pessoas e já infectou perto de dois milhões, a “elite” econômica brasileira segue, sem pudor, a demonstrar sua insensibilidade, sua impiedade e sua indiferença face a esta calamidade e as milhões de vidas postas em perigo e às dezenas de milhares já perdidas.
Logo no início da disseminação da Covid-19 entre nós, vários empresários externalizaram suas impressões e prognósticos quanto à doença. Deixaram muito claro seu desapreço, seu desdém e sua falta de empatia pelo destino e pela vida de seus trabalhadores e o das classes e camadas de excluídos, marginalizados e pobres da sociedade que exploram.
Minimizaram a gravidade do flagelo humanitário que se anunciava, o qual se vem confirmando dia a dia, com números estarrecedores. Colocaram-se contra o isolamento social, sobrepondo seus interesses econômicos àqueles relativos à saúde e à vida de milhões de brasileiros.
Penso que a estirpe dos empresários brasileiros está muito bem representada num romance publicado nos Estados Unidos, atual epicentro do neoliberalismo mundial, no longínquo ano de 1908.
Refiro-me ao livro de escritor Jack London “O Tacão de Ferro”, que se constitui num enfático libelo a denunciar a escorchante exploração a que era e continua a ser submetida a classe trabalhadora. Realidade que pouco mudou, no transcurso dos mais de cem anos, desde a publicação da obra.
Ficam evidenciados, na passagem abaixo, o egoísmo e a insensibilidade, historicamente associados às classes dominantes. O protagonista, um líder sindical de nome Ernest Everhard, fala das impressões que lhe causou o contato com a classe dominante:
“Assim, em vez de me encontrar no paraíso, vi-me no árido deserto do comercialismo. Nada encontrei além de estupidez, exceto no que dizia respeito aos negócios.
Não me deparei com ninguém que fosse honesto, nobre e vivo; ainda que encontrasse muitos que estivessem vivos… apodrecendo. O que encontrei foi uma falta de sensibilidade e um egoísmo monstruoso, além de um materialismo prático muito difundido, grosseiro e ávido!”
Recentemente, duas socialites paulistanas, uma das quais esposa do mandatário máximo do Estado de São Paulo, em um diálogo eivado de deboche – acintoso, vil e fútil – travado na sede do governo estadual, destilaram, sem meias palavras, seu menosprezo, soberba e crueldade em relação à vida desditosa das populações de rua das grandes cidades, ainda que falassem do caso particular dos moradores de rua da Capital do mais rico Estado da Federação.
A primeira dama paulistana tinha por interlocutora uma senhora afetada e que lhe fazia par na maneira fútil e frívola de encarar os problemas sociais, como se encarnassem uma rediviva Maria Antonieta tupiniquim. A consorte governamental expôs, com despudor, seu abissal desconhecimento e sua ímpia indiferença quanto a exclusão social que medra em São Paulo e por todo o Brasil.
As senhoras mostraram-se alheias e impassíveis aos complexos dramas humanos, de que está carregada aludida situação, a afligir uma significativa parcela da população brasileira. A rua é o último refúgio para pessoas que foram deserdadas de tudo. No entanto, para Bia Dória a vida na rua foi uma premedita escolha destas pessoas, que se aprazem em habitá-la. Segundo ela: “A rua hoje é um atrativo, a pessoa gosta de ficar na rua”.
Certamente, como boa leitora que é, a primeira dama, ao reconhecer a alma atrativa das ruas, está fazendo eco às palavras do vertiginoso cronista Paulo Barreto, que passou à história da literatura brasileira como João do Rio. Em seu clássico e delicioso “A Alma Encantadora das Ruas”, deixa consignado:
“Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós. Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua.
É este mesmo o sentimento imperturbável e indissolúvel, o único que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas. Tudo se transforma, tudo varia – o amor, o ódio, o egoísmo. Hoje é mais amargo o riso, mais dolorosa a ironia. Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor da rua”.
A ínclita primeira dama ainda exorta a população a não prestar ajuda àqueles que se encontram “morando” nas ruas, porque segundo ela “não é correto você chegar lá na rua e dá marmita, porque a pessoa tem que se conscientizar que tem de sair da rua. […] A pessoa quer comida, ela quer roupa, ela quer uma ajuda e não quer ter responsabilidade”. Verdade, primeira dama, deixemo-las morrer de fome e ao relento.
Guilhermo Gil, em dissertação de Mestrado, em que estudou e observou a população que vive nas ruas da Capital gaúcha, Porto Alegre, ouvindo-lhe seus dramas, nos põe em contato com uma situação que se choca, frontalmente, com a fala “tão abalizada” da primeira dama:
“Em uma conversa com um morador em situação de rua, em abril de 2018, levanto o questionamento, se ele enxergava a rua como um mundo diferente do que ele vivia anteriormente, quando morava com a esposa e a sogra, antes de acabar nas ruas. (conforme havia me relatado) A resposta foi instantânea.
Me contou que sim, a rua é um mundo sem escolha. “tu não escolhe mais a roupa que tu vai usar, o que tu vai comer no almoço, nem com quem tu vai brigar no outro dia. Mas daí os gravatinha (acredito eu que falava sobre os pesquisadores dos órgãos públicos e agentes sociais) vem e te perguntam se tu está na rua porque tu quer… a gente fala que sim né. Dá uma impressão que o cara escolhe alguma coisa. Mas é complicado… a gente sempre diz a mesma coisa, nos perguntam sempre a mesma coisa também”.
Em trabalho acadêmico de mesmo teor, Jorge Garcia De Holanda, convivendo e entrevistando moradoras de rua na Capital cearense, Fortaleza, nos traz este registro da fala de uma moradora de rua:
“Eu sou uma pessoa muito triste, minha vida é uma vida muito triste. Eu sofro muito aqui na rua. Eu sempre choro, sabe? Choro mesmo. Sabe qual a hora que eu mais choro? Quando começa a anoitecer, que eu vejo as pessoas indo todas pras suas casas, e eu continuando aqui na rua. Pra mim, essa é a pior parte de morar na rua: ver que quando o dia acaba as pessoas vão pra casa, mas que o dia na rua não acabou pra mim, porque não tenho uma casa pra morar (Julia)”.
A falta de empatia e solidariedade, demonstradas pelo destino dessas pessoas, é aterrador e enche-nos de repulsa e indignação.
O Brasil dos oprimidos, despossuídos e marginalizados sucumbe, há séculos, sob o tação de ferro de uma elite egoísta, predatória, mesquinha, fútil, vazia e sem projetos para a nação e seu povo. Constitui-se, na pertinente expressão de Jessé Souza, na “Elite do Atraso”. Nas palavras de Jessé:
“A crise brasileira atual é também e antes de tudo uma crise de ideias. Existem ideias velhas que nos legaram o tema da corrupção na política como nosso grande problema nacional. Isso é falso, embora, como em toda mentira e em toda fraude, tenha seu pequeno grão de verdade.
Nossa corrupção real, a grande fraude que impossibilita o resgate do Brasil esquecido e humilhado, está em outro lugar e é construída por outras forças. São essas forças, tornadas invisíveis para melhor exercerem o poder real, que o livro pretende desvelar. Essa é a nossa elite do atraso”.
Zygmunt Bauman, em seu livro “Capitalismo Parasitário”, fala sobre o sistema econômico, no qual germina e viceja nossa torpe elite econômica:
“Sem meias palavras o capitalismo é um sistema parasitário. Como todos parasitas, pode prosperar durante certo período, desde que encontre um organismo ainda não explorado que lhe forneça alimento. Mas não pode fazer isso sem prejudicar o hospedeiro, destruindo assim, cedo ou tarde, as condições de sua prosperidade ou mesmo de sua sobrevivência”.
Qual o significo do termo “elite” e qual seria sua função em uma sociedade?
Antes de discorremos sobre a infame elite brasileira, necessário se faz, primeiramente, que conceituemos e delimitemos o alcance e possíveis significados deste vocábulo. Trata-se de um exercício semântico e sociológico, que nos impomos, para prosseguirmos.
O nosso ponto de partida são os dicionários. O que nos informam eles sobre a acepção da palavra “elite?
O prestimoso Caldas Aulete assim define o termo: “O escol, a flor de uma sociedade. Minoria mais apta, ou mais forte, dominante no grupo. Usado no plural tem sentido mais genérico e refere-se às minorias culturais, políticas ou econômicas em cujas mãos está o governo do Estado”.
De forma mais sintética e nem por isso menos elucidativa, Laudelino Freire estabelece: “Aquilo que há de melhor numa sociedade ou grupo; o escol, a flor, a nata”.
Nicola Abbagnano, no seu respeitável Dicionário de Filosofia, nos fornece elementos para a elucidação do significado do vocábulo:
“A teoria da E. ou classe eleita foi elabora por Vilfredo Pareto no Trattato di Sociologia generale (1916) e consiste na tese de que uma pequena minoria de pessoas de pessoas é a que conta em todo ramo ou campo de atividade e que, mesmo em política, é uma tal minoria que decide sobre os problemas do governo”.
E conclui Abbagnano: “Esta teoria foi um dos pontos fundamentais da doutrina política do fascismo e do nazismo”.
No Dicionário do Pensamento Social do Século XX, editado por William Outhwaite e Tom Bottomore, colhe o seguinte do verbete “elite”:
“A palavra elite foi usada na França, no século XVII, para descrever bens de qualidade particularmente superior. Um pouco mais tarde foi aplicada a grupos sociais superiores de vários tipos, mas só viria a ser amplamente empregada no pensamento social e político por volta no final do século XIX, quando começou a ser difundida pelas teorias sociológicas das elites propostas por Vilfredo Pareto (1916- 19) e, de forma um pouco diferente, por Gaetano Mosca (1896)”.
As definições nos campos da Semântica, Filosofia e Sociologia convergem para a ideia de “elite” como uma casta de pessoas, dotadas de atributos intrínsecos, relativos à sua qualidade moral, técnica, política ou intelectual, que as habilitaria a exercer a liderança e dirigir os destinados de um governo ou de uma sociedade.
Os dicionaristas falam em elite como a “nata” e “escol”, de uma dada sociedade, constituída por uma minoria.
Basta um olhar para o conjunto das elites econômicas e políticas do Brasil e nos convencemos que os atributos que as qualifica são de natureza antagônica aos exigidos ou esperados da Teoria das Elites ou decantados pelos dicionários. São, na verdade, a antítese dos apanágios que deveriam constituir e nortear uma liderança.
Mais uma vez é o personagem do romance de Jack London, Ernest, que interpreta com perspicácia crítica a qualidade destas elites corrompidas e parasitárias, que pululam na vida social brasileira:
“Ele se surpreendera com a qualidade da argila que os havia moldado. A vida mostrava que não era fina e generosa. Sentiu-se amedrontado com o egoísmo que encontrara, mas o surpreendera muito mais a ausência de vida intelectual. Ele, que acabava de vir do meio revolucionário, ficou chocado com a imbecilidade da classe dominante.
Percebeu que, a despeito de suas magníficas igrejas e de seus pregadores, muito bem remunerados, esses homens e mulheres eram inteiramente voltados para o mundo material. Eram loquazes a respeito de seus pequenos ideais e apegados a pequenas moralidades. Mas, apesar dessa tagarelice, a característica marcante de suas vidas era materialista.
Não possuíam uma moralidade verdadeira: por exemplo, aquela que Cristo pregara, mas que hoje não era mais pregada”.
Agassiz Almeida, em seu interessante ensaio “A República das Elites”, chega a conclusões muito assemelhadas àquelas a que o personagem de Jack London, em 1908:
“Diante dessa cultura materializada na forma de riquezas esmagadoras, as elites tupiniquins mergulham em êxtase. É aí onde encontramos bem definida a ideologia colonialista ou – no linguajar nordestino – a admiração bestializada pela civilização norte-americana. Viajando pelo Brasil, observamos nas capitais e nas grandes cidades, nos balneários e estações de veraneio, ricas e opulentas mansões, muitas delas fronteiriças a miseráveis favelas onde falta a última refeição do dia, o que sobrou no canil das mansões dos magnatas.
Babilônicas megamansões, modeladas ao estilo americano, erguem-se pelo Brasil afora, como monumentos de agressivo desafio e desprezo a uma sociedade em que cinquenta milhões de miseráveis se debate entre as fronteiras da indigência e da pobreza”.
Segundo Jessé Souza:
“A elite dos proprietários mantém seu padrão predatório de sempre. A grilagem de terra, covarde e assassina como sempre, foi e ainda é uma espécie de acumulação primitiva de capital eterna no Brasil.
Os grandes latifundiários aumentavam sua terra e riqueza pela ameaça e pelo assassinato de posseiros e vizinhos, como, aliás, acontece ainda hoje.70 Nada muda significativamente com a elite do dinheiro de hoje que compra o Parlamento, sentenças de juízes, a imprensa e o que mais for necessário […] para manter seu bolso cheio”.
Até Adam Smith, o pai do liberalismo econômico, cantado em prosa e verso, pelo enaltecimento que promove da “mão invisível do mercado”, no seu clássico “A Riqueza das Nações”, publicado em 1776, teve de reconhecer o caráter exploratório, que conduz à desigualdade social e econômica, que o capitalismo enseja.
Em obra publicada em 1759, “Teoria dos Sentimentos Morais”, reconhece que: “Onde quer que haja grande propriedade, há grande desigualdade. Para um homem muito rico, é preciso que haja pelo menos quinhentos pobres”.
Smith ainda nos brinda com essa denúncia, tão conhecida do nosso cotidiano:
“A disposição para admirar e quase idolatrar os ricos e poderosos – e para desprezar ou pelo menos negligenciar pessoas de condição pobre ou miserável – é a grande causa, e a mais universal, da corrupção dos nossos sentimentos morais”.
Nossas elites têm uma ascendência escravocrata, que se faz notar em gestos, comportamentos e palavras. Esta hedionda ancestralidade introjetou-se, indelevelmente, em seu DNA e as faz transpirar, por seus poros bolorentos, sua iniquidade, sordidez, violência e egoísmo.
Como elite parasitária e predatória, destrói ou deixa em estado de inanição seu vulnerável hospedeiro, que se constitui na maioria da sociedade brasileira.
Como antípodas da educação, nossas elites do atraso, vão transmitindo, a uma parcela da classe média, sua moral deseducadora. Assim, o oprimido assume o discurso do opressor. Exemplo disso, ocorreu recentemente quando um casal, ao ser abordado por um fiscal da Prefeitura de São Paulo, em razão do não uso de máscaras em via pública, pretendeu humilhá-lo e desqualificá-lo.
Ao ser o homem chamado de “cidadão”, a mulher interpelou, agressivamente, o fiscal dizendo que “cidadão não, engenheiro civil formado, melhor do que você”. O casal em tela, como veio a se saber depois, não pertence aos quadros da nossa nefasta elite. Situa-se entre os “oprimidos” por ela. Todavia, assume o ancestral discurso do opressor.
Esta situação foi abordada no clássico “Pedagogia do Oprimido”, do genial Paulo Freire:
“O grande problema está em como poderão os oprimidos, que “hospedam” ao opressor em si, participar da elaboração, como seres duplos, inautênticos, da pedagogia de sua libertação. Somente na medida em que se descubram “hospedeiros” do opressor poderão contribuir para o partejamento de sua pedagogia libertadora. Enquanto vivam a dualidade na qual ser é parecer e parecer é parecer com o opressor, é impossível fazê-lo”.
E continua Freire:
“Há algo, porém, a considerar nesta descoberta, que está diretamente ligado à pedagogia libertadora. É que, quase sempre, num primeiro momento deste descobrimento, os oprimidos, em lugar de buscar a libertação, na luta e por ela, tendem a ser opressores também, ou subopressores. A estrutura de seu pensar se encontra condicionada pela contradição vivida na situação concreta, existencial, em que se “formam”.
O seu ideal é, realmente, ser homens, mas, para eles, ser homens, na contradição em que sempre estiveram e cuja superação não lhes está, clara, é ser opressores. Estes são o seu testemunho de humanidade”.
Fica claro, pelos trechos acima reproduzidos, da clássica obra de Freire, que uma elite do atraso, como a nossa, provoca como um de seus efeitos deletérios, além de muitos outros, o malfadado mimetismo de suas ideias frívolas, de seus preconceitos abomináveis e de seu abjeto e fútil modo de vida.
Registre-se, ainda, que a “Teoria das Elites” foi concebida como oposição às ideias socialistas e principalmente contra a concepção de Marx, de uma sociedade sem classes. Esta teoria buscou legitimar os privilégios e o domínio da vida social por determinadas pessoas, em razão de uma suposta superioridade intelectual, moral ou econômica sobre a massa da população, sob a qual foram constituídos os maiores preconceitos e desconfiança.
Com a emergência da democracia, pautada na ideia de participação popular e no ideal de igualdade jurídica e quiçá social, os ideólogos do liberalismo procuraram criar a concepção de que as classes populares não estavam prontas para a participação na vida pública e política.
Foram formuladas uma gama de teorias que visaram justificar, com pretensão de cientificidade, como é o caso da Teoria da Elites, a exclusão política e social das massas e sua intervenção na vida social. Um eco ideologizado e deturpado das concepções expostas por Platão, em seu clássico “A República”.
Os governos burgueses, ao longo da história, empreenderam um rígido controle sobre quaisquer possibilidades de emancipação política das massas, mesmo que para tanto fosse necessário o recurso à violência.
Ocorre-me a citação de dois livros, publicados entre o final do século XIX e primeiras décadas do século XX, que muito eloquentemente deixam vislumbrar as prevenções, prejulgamentos e desconfianças que se faziam em torno das massas.
O primeiro deles é a “Psicologia das Massas”, obra publicada em 1895 pelo médico e psicólogo francês Gustave Le Bon. O Segundo o livro do espanhol Ortega Y Gasset, publicado em 1926 é “A Rebelião das Massas”.
A teoria conhecida como psicologia das massas foi um importante instrumento de exclusão social, a serviço da classe burguesa, pautando-se em dois argumentos centrais: a irracionalidade e a periculosidade que as massas representariam. Pelo argumento da irracionalidade, almejava-se provar a pouca aptidão das massas para a política e a consequente necessidade de uma elite dirigente no poder.
De outra parte, pelo argumento da periculosidade, buscava-se justificar a repressão, mesmo que violenta, exercida sobre as classes populares em nome da ordem e da paz. Um dos mais sangrentos e sórdidos episódios da história dessa repressão foi o massacre dos trabalhadores que ousaram se organizar na “Comuna de Paris”, em 1871.
O desventurado evento foi brilhantemente analisado por Marx em sua obra “A Guerra Civil na França”.
Mesmo que, para argumentar, fosse possível conciliar-se o regime democrático com a existência de uma elite dirigente, a nossa elite brasileira não reuniria os requisitos básicos para figurar como tal. É só lançarmos um olhar para seus principais representantes, para sermos invadidos de pejo.
E cabe reiterar, sem medo de adjetivar: a elite brasileira é tosca, deslumbrada, fútil, vazia, ignara, anti-intelectualista e risível. Sua imagem, me ocorreu agora, corresponde a do personagem de Oscar Wilde “Dorian Gray”: um jovem apaixonado por si mesmo, que segue um caminho de luxo, beleza e crime.
Um invólucro bonito e perfumado, no interior do qual habita o culto mais pútrido da futilidade, do egoísmo, da violência e da indiferença com o destino alheio. Tal como nossa ególatra elite brasileira.
Carlos Eduardo Araújo, mestre em Teoria do Direito pela PUC (MG).