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É preciso pensar novos sistemas monetários para fugir da ‘camisa de força’ do dólar

Pensar para fugir do sistema do dólar

Durante o segundo ano do novo mandato, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfrenta embates no setor econômico, devido à supervalorização do dólar em relação ao real.

As oscilações da moeda norte-americana impactam a economia dos países do hemisfério sul, fortalecendo o modo capitalista de comandar por interesses próprios. Isso impulsiona a necessidade de pautas que visem “criar uma nova moeda internacional, que seja como uma cesta de outras moedas, gerando assim um denominador comum”, conforme destaca João Pedro Stedile, economista e líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

A declaração foi dada no podcast Três por Quatro, produzido pelo Brasil de Fato, que nesta semana discutiu a ofensiva contra a agenda econômica do governo Lula, praticada pelo mercado financeiro e pela imprensa comercial. A convidada do programa, apresentado pelos jornalistas Nara Lacerda e Igor Carvalho, foi a economista Juliane Furno, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Segundo Furno, visando um futuro economicamente saudável e menos desleal, um “novo mundo parte por desdolarizar”. Para ela, “pautas para pensar em sistemas monetários internacionais novos que fujam desta camisa de força que tem sido o dólar” precisam ganhar apoio, principalmente das nações do Sul Global, que são as mais afetadas pelas mudanças na moeda estadunidense e pela especulação financeira.

 Esse novo sistema não pode ser centralizado em apenas um país, avalia Stedile, “para não repetir a tragédia do dólar” que, por ser uma moeda de circulação global, entrega ao seu país de origem um poder não só financeiro, mas também social. “Nós deveríamos botar mais atenção no debate que está instalado nos Brics. Irmos construindo uma nova moeda internacional.

O dólar desde a Segunda Guerra Mundial é apenas um instrumento de exploração dos Estados Unidos em relação aos trabalhadores do Sul Global […] o dólar é um papel pintado de verde, ele não expressa nenhum compromisso com nada, e quem pinta esse papel são os Estados Unidos.”

Neste ano de 2024, a moeda americana teve alta de 1,11% e superou os R$ 5,70, maior valor registrado desde janeiro de 2022, momento em que o Brasil e outros países ainda sofriam com os efeitos da pandemia de covid-19.

No cargo de presidente do Banco Central desde fevereiro de 2019, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), tem travado abertamente um debate com o presidente Lula acerca de supostos problemas econômicos que o país enfrenta durante seu mandato.

As previsões, de acordo com o próprio Banco Central, indicam alta de 2,3% do PIB ao término deste ano. A inflação deste primeiro semestre diminuiu quando comparada com os seis primeiros meses de 2023, passando de 3,16% para 2,52%.

Por fim, além do aquecimento do mercado, a taxa de desemprego de 7,1% registrada no trimestre encerrado em maio é a menor dos últimos dez anos. Portanto, com a pressão do mercado por cortes nos gastos públicos, “nós estamos vivendo uma situação meio esquizofrênica”, como destaca Stedile.

“Nada, absolutamente nada, aponta para descontrole das principais variáveis macroeconômicas. É claro que os agentes de mercado e seus representantes fazem o seu dever de casa”, concorda Juliane Furno.

Ainda neste sentido, a economista aponta que os agentes do mercado utilizam esse discurso para pressionar politicamente o governo. No entanto, não fazem isso através de uma demonstração clara dos seus interesses, mas usam “um verniz técnico, que é através do comportamento do mercado”.

“Eles contam uma história de que o Brasil está às portas do precipício, muito endividado, correndo risco de quebrar, de que as contas públicas estão em situação de insolvência, e através deste terrorismo que faz parte do jogo político, independentemente do governo que ganhe as eleições, os interesses da banca sigam representados”, alerta.

Para Stedile, trata-se de uma “manipulação da opinião pública”, já que os indicadores não mostram um quadro grave na economia nacional. Ele reforça que a burguesia se beneficia dessa situação, desviando a atenção da população e mídia de questões importantes, mantendo a origem das dívidas públicas nacionais como uma “caixa preta”.

Juliane Furno explica que a elevação dos gastos públicos, principal argumento das críticas do mercado financeiro, não deve ser interpretada como alarmante, visto que empregar a arrecadação pública na própria sociedade é basicamente um investimento no próprio país.

Ela reforça que o aumento do PIB e a melhora da vida da população podem interferir positivamente no cenário nacional, mesmo que a priori isso represente um aumento nos gastos públicos, dada a necessidade e importância da criação e manutenção de iniciativas sociais.

A economista destaca que a avaliação da dívida de um país não deve ser feita de forma isolada, mas precisa levar em consideração o Produto Interno Bruto (PIB).

“Supondo que a dívida (pública) seja de R$ 1 trilhão. Se você corta gastos, não quer dizer que ela vai se reduzir de 80% do PIB para 75%, ela pode aumentar [em relação ao PIB]”, explica. “Então vamos supor que você reduziu [a dívida] de R$ 1 trilhão para R$ 1 bilhão, e a dívida que era 80% agora é 90% do PIB. Então, você pode sim aumentar a dívida de R$ 1 trilhão para R$ 1,5 trilhão. O que importa é o PIB. Portanto, se você faz dívida pública para financiar políticas públicas que distribuam renda e assim crescer o PIB, aquilo que representava 80% agora representa 70%”, explica.

Dessa forma, a professora e economista reforça como o Brasil “pode aumentar os gastos públicos, aumentar o tamanho real da dívida pública, e decrescer em termos proporcionais ao PIB […] se a gente distribuir renda e crescer o PIB a gente não precisa se preocupar com a dívida”.

“Mercado, é isso que vocês querem, equilíbrio fiscal? Então podemos entregar isso aumentando a receita. Então, vamos taxar os super-ricos e fazer uma reforma tributária para que vocês paguem mais contas. Assim nós vamos ter equilíbrio fiscal”, defende a economista.

Furno reforça que a continuidade de políticas sociais é saudável para a economia nacional, mesmo que isso represente aumento nos gastos públicos.

“No (primeiro) governo Lula, mesmo os gastos públicos crescendo 6% ou 7% ano a ano, a dívida herdada de Fernando Henrique Cardoso em 80% do PIB foi entregue por Dilma a Temer em 30%”, reforça.

Ela destaca como o país aprofundou-se na crise econômica e fiscal após os mandatos de Lula e o golpe contra Dilma em seu segundo período de governo. “Para sair da crise, precisamos de equilíbrio fiscal. Então, vamos cortar gastos.

O que aconteceu de 2015 para cá? Cortamos gastos e nos aprofundamos na crise econômica e fiscal”, explica. “Nós temos a história a nosso favor.”

 Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país e do mundo.

Letycia Holanda

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