Brasil vassalo.
Em artigo de repercussão ainda bastante restrita – A delicada verdade sobre uma velha parceria – foi publicado na Revista Crusoé no 1º dia deste ano por Thomas Shannon, ex-embaixador dos EUA no Brasil [2010 a 2013] indicado pelo governo Obama.
Shannon é um diplomata vinculado ao Partido Democrata. Após servir na embaixada no Brasil, foi nomeado Conselheiro do Departamento de Estado pelo presidente Obama.
Hoje Shannon atua no Diálogo Interamericano, um dos tantos think thanks intervencionistas dos EUA dedicados a “promover a governança democrática, a prosperidade e a igualdade social na América Latina e no Caribe”, e focado em áreas como energia, mudanças climáticas, remessas, indústrias extrativas e outras.
Chama atenção, à primeira vista, que o artigo deste destacado personagem do establishment estadunidense, cuja opinião sempre é levada em alta consideração nos meios diplomáticos e políticos, não tenha sido publicado em algum veículo de grande circulação da mídia conservadora; mas, sim, num órgão periférico da extrema-direita lavajatista, a Revista Crusoé, onde Sérgio Moro é colunista.
O tom é duríssimo e, em determinadas passagens, é de ameaça. Considerando a influência política de Shannon e os laços orgânicos dele com o Partido Democrata e com o staff de Biden, não se pode desprezar a hipótese de que se trata de um recado de segmentos da futura administração Biden ao governo brasileiro.
Shannon lembra que a parceria entre os EUA e o Brasil “não é só entre governos, mas entre sociedades”, e que “os encontros que impulsionam o relacionamento são crescentemente entre nossos setores privados, nossas sociedades civis e nossas comunidades de fé” – seja lá o que isso significa.
Ele afirma que “as visões de mundo idiossincráticas de seus líderes, Trump e Bolsonaro, limitaram a capacidade do Brasil e dos Estados Unidos de moldar uma parceria maior e mais coerente”.
O ex-embaixador diz que Biden “conhece a importância do Brasil e tem um conhecimento bem desenvolvido da trajetória histórica de nossa cooperação”, e que, por isso, verá a relação com o Brasil não em termos pessoais, mas em termos dos interesses e valores que ligam nossas duas nações.
“Ele não permitirá que ressentimentos ou ofensas interfiram em sua busca por atender os interesses nacionais americanos”.
Shannon sobe o tom da crítica e diz que “o governo Bolsonaro tem feito quase todo o possível para complicar a transição na relação bilateral. O presidente Bolsonaro e membros de seu governo romperam com a longa tradição brasileira e expressaram preferência pelo presidente Trump nas eleições de novembro. Bolsonaro também criticou publicamente o então candidato Biden após comentários durante um debate, no qual o então candidato pediu uma ação mais orquestrada do Brasil sobre o desmatamento. Essa gafe, no entanto, perde relevância quando é comparada com a disposição do presidente Bolsonaro de repetir as alegações infundadas de fraude do presidente Trump nas eleições dos Estados Unidos”.
Para Shannon, “atacar a integridade e a credibilidade do processo eleitoral americano é um ataque à legitimidade da democracia americana e à presidência de Joe Biden”. Numa ameaça mais que direta, Shannon diz que isso “É algo que não será facilmente perdoado e não será esquecido”.
Dito isso, Shannon explicita que ou o Brasil se enquadra às ordens do novo patronato imperial, ou arcará com consequências desfavoráveis.
“O tom da parceria única entre Brasil e Estados Unidos agora depende em grande parte do Brasil. Caberá ao presidente Bolsonaro mostrar disposição de se engajar e fazê-lo […]”.
Na opinião dele, e prescrevendo como um Imperador para sua colônia, Shannon anota que “a primeira e mais imediata cooperação deve ser em relação à pandemia, tanto de seu controle por meio de vacinação e tratamento, como de suas consequências econômicas”.
“A segunda questão, do ponto de vista do governo Biden, envolve a mudança climática e a gestão ambiental. Isso não precisa ser um problema incendiário. O Brasil desenvolveu ao longo de décadas uma capacidade de diplomacia ambiental que vinculou questões como mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável e avanço tecnológico”, escreveu ele.
E ele cita em terceiro lugar o que chama “a questão da China”, reclamando que “os esforços desse país asiático para se inserir mais profundamente nas economias da América do Sul e construir sua infraestrutura 5G têm causado inquietação e preocupação”.
Shannon conclui o artigo insinuando que a relação EUA-Brasil “Pode ser uma parceria de esperança e de realizações, e de grande valor para o mundo, se assim desejarmos”.
Só é possível entender a petulância e a agressividade deste artigo no contexto da vassalagem dos militares servis e obedientes ao patrão do Norte.
Esta ofensa à soberania e à dignidade nacional só é aceita por um governo subserviente e colonizado, cujo presidente rasteja aos pés do Trump, paga militares brasileiros para trabalharem para o Exército dos EUA e bate continência para a bandeira dos EUA.
E, como nota final, vale lembrar: Shannon sinaliza para um alinhamento do futuro governo Biden com a facção lavajatista da extrema-direita brasileira em detrimento da facção militar-bolsonarista da extrema-direita.
Isso não constitui novidade, se considerarmos que o empreendimento da conspiração no Brasil, iniciada nos anos 2012/2013 e turbinada com a Lava Jato guiada pelos Departamentos de Estado e Justiça dos EUA, ocorreu justamente durante a Administração Obama-Biden.
A ver, portanto, qual desdobramento deste gesto no julgamento da suspeição do Moro pelo STF e a restauração dos direitos civis e políticos do ex-presidente Lula.
Brasil